Um mal-estar chamado Moreira Franco

Rosana Hessel e Julia Chaib

04/02/2017

 

 

Oposição e até mesmo aliados vinculam recriação de ministério para acomodar o aliado a uma manobra para tirar da primeira instância eventuais ações contra o peemedebista. Temer, porém, nega que seja um ato de proteção ao amigo.

 

Ao blindar com foro privilegiado o amigo Moreira Franco criando um ministério para o então secretário-executivo do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), o presidente Michel Temer gerou um incômodo que se espalhou pela Esplanada dos Ministérios. Moreira é citado mais de 30 vezes nas investigações da Operação Lava-Jato. No Congresso Nacional, até membros da base aliada criticaram a Medida Provisória 768, publicada ontem no Diário Oficial da União com a nomeação de Moreira como ministro-chefe da recém-recriada Secretaria-Geral da Presidência e de outros três ministros. E, na equipe econômica, o mal-estar não é diferente, pois há temores de que esse desgaste político possa comprometer o avanço das reformas, principalmente, a da Previdência — essencial para que a emenda do teto dos gastos pela inflação tenha efeito para conter a sangria das contas públicas.

Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, apenas o deficit primário do governo federal, sem contar a conta dos juros, deverá passar dos R$ 154 bilhões, registrados em 2016, para R$ 177,9 bilhões, neste ano — valor acima da meta fiscal, que é de um rombo de R$ 139 bilhões. Temer pode ter pecado pelo excesso de confiança em ampliar o número de ministérios de 26 para 28. A vidraça é grande. Pelo menos a metade do primeiro escalão é citada em alguma investigação. E, apesar da vitória espaçosa dos candidatos de Temer para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, não estão 100% garantidos daqui para frente.

Fontes próximas ao governo avaliaram que esse desgaste era desnecessário e só causou constrangimento. O líder do Democratas no Senado, Ronaldo Caiado (GO), por exemplo, considerou um “erro grave” e avisou que pretende trabalhar contra a MP 768. “É condenável esse tipo de prática. Se fosse deslocado para um ministério, não haveria problema. Mas criar-se um ministério, é de uma infelicidade ímpar. Fica com cara de esperteza. Vou atuar contra a aprovação dessa Medida Provisória. Temer errou feio”, disse o senador.

Na avaliação do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, a agenda de reformas do governo já é muito delicada, e a nomeação de Moreira Franco é mais um item para complicar o cenário que está recheado de percalços com as investigações da Lava-Jato. “A questão do novo ministro é mais uma flechada em São Sebastião”, resumiu. Todavia, Melo acredita que o avanço das reformas no Congresso dependerá mais da reação da sociedade do que da indignação com a blindagem de Moreira. Aliás, ele classifica o momento como estrategicamente escolhido por Temer, pois há muitos assuntos que podem desviar o foco, como eleição no Congresso e a indicação no Supremo Tribunal Federal. “A base está constrangida num primeiro momento e fica na defensiva, mas a retirada de apoio às reformas dependerá da reação da opinião pública. Se ela ficar quieta, nada acontece”, afirmou.

Nesse sentido, a oposição se mobilizou e entrou ou está entrando na Justiça pedindo a suspensão da nomeação. É o caso de Rede, Psol e PT. A base dos questionamentos são os argumentos utilizados para barrar a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil em março de 2016, pois ele seria julgado pelo Supremo e não pelo juiz Sergio Moro. “Se o STF barrou o Lula como ministro, que dirá agora criar um ministério para proteger um funcionário do governo”, afirmou o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP). O deputado também criticou o aumento do número de ministérios. “Temer está usando a máquina e ampliando despesas para proteger um funcionário”, disse.

Formalidade
Moreira foi empossado ontem no Palácio do Planalto com os demais ministros. Durante a cerimônia, Temer justificou a nomeação do amigo como uma mera “formalidade”. “Como secretário-executivo do programa de parcerias, ele era líder de delegações e era tratado como ministro para atrair investimentos. (Hoje) Trata-se de uma formalização, mas, na realidade, ele era ministro e vem acrescido de outras tarefas”, afirmou.

Após o evento, Moreira Franco minimizou as comparações de sua nomeação com a de Lula e destacou o fortalecimento do governo. “Há uma diferença muito grande das tentativas feitas no passado nesse sentido da que está acontecendo aqui hoje. Eu estou no governo, não estou fora, e venho cumprindo sem ter necessidade, foi uma solicitação minha, de não dar status de ministro ou ministério ao PPI”, afirmou. “Não há tentativa de resolver crise política, porque não estamos vivendo, ao contrário, o governo acaba de dar uma demonstração de força”, reforçou.

O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que também é citado na Lava-Jato, saiu em defesa de Moreira. Em entrevista à rádio CBN, ele justificou a nomeação como uma medida para facilitar a busca de investimentos para o país no exterior. O professor Carlos Melo evitou falar sobre a questão jurídica do caso, mas lembrou que, em política, toda vez que é preciso justificar um ato muitas vezes, ele está errado.

“É condenável esse tipo de prática. Se fosse deslocado para um ministério, não haveria problema. Mas, criar-se um ministério é de uma infelicidade ímpar. Fica com cara de esperteza”,
Ronaldo Caiado, senador do Democratas

 

 

Correio braziliense, n. 19612, 04/02/2017. Política, p. 2.