Brasil e Argentina em busca de maior sintonia

Rosana Hessel

05/02/2017

 

 

DIPLOMACIA »Visita de Estado do presidente do país vizinho, na próxima terça-feira, marca tentativa de eliminar barreiras no comércio bilateral e fortalecer o Mercosul. Saindo de períodos recessivos, as duas nações lutam ainda para retomar o crescimento

 

 

A melhora do comércio bilateral, a busca de um objetivo comum nas relações entre os dois países e o fortalecimento do Mercosul vão pautar a visita de Estado do presidente argentino, Maurício Macri, ao Brasil, na próxima terça-feira. Será o primeiro evento diplomático de peso do governo de Michel Temer. A última visita de Estado de um líder estrangeiro ao país ocorreu em abril de 2015, ainda na gestão Dilma Rousseff, quando a então presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, esteve em Brasília e São Paulo. Ironicamente, como ocorreu com Dilma, a líder coreana foi afastada em dezembro e responde a um processo de impeachment.

Macri permanecerá apenas oito horas em Brasília e não se espera que grandes acordos sejam anunciados. É possível que seja definida a encomenda de um avião da Embraer para uso da Presidência argentina, mas, até sexta-feira, ainda não havia confirmação oficial. A visita, no entanto, tem simbolismo importante. Macri chegará às 9h30 e deixará o país às 17h15 e, conforme pede o protocolo desse tipo de evento, terá encontros com os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Há uma coincidência de percepções da forma como se organiza a economia e há desafios internos e externos que serão bem enfrentados se houver atuação coordenada dos dois países. É preciso, ainda, fortalecer as vertentes comercial e econômica do Mercosul”, destaca o embaixador Paulo Estivallet de Mesquita, subsecretário-geral da América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores. “Na medida do possível, o que se espera é avançar na eliminação das barreiras entre os dois países e há um programa de trabalho no bloco com esse objetivo”, complementa.  O diplomata cita a negociação de facilitação de investimentos e compras governamentais e destaca a intenção dos dois governos de completar o livre comércio dentro do Mercosul.

 

Convergência

Brasil e Argentina tentam sair da crise econômica com fórmulas parecidas de ajuste fiscal, mas com proporções diferentes. Macri fez um amplo corte de gastos e reduziu impostos sobre o setor agrícola, o que ajudou a praticamente dobrar as receitas em poucas semanas. O Brasil patina no corte da máquina e redução do rombo fiscal e, para piorar, Temer acaba de aumentar o número de ministérios. Os dois países também buscam atrair investidores em infraestrutura para estimular o crescimento, e, nesse sentido, a Argentina saiu na frente de novo, pois lançou um programa mais amplo do que o brasileiro, que caminha a passos de tartaruga.

Na área comercial, os presidentes das maiores economias do Mercosul tentam ainda estruturar uma agenda de acordos com países fora do bloco, que vinha perdendo expressão global. O comando agora é de Buenos Aires; no segundo semestre, terá Brasília no manche, e o discurso está bastante afinado.  “Pela primeira vez, eu me sinto muito otimista em relação aos dois países. Resultados ainda vão demorar, mas podemos ver uma luz no fim do túnel. Estão sendo tomadas medidas acertadas”, destaca o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comércio Brasileiro-Argentina, Alberto Alzueta.     O empresário critica a falta de estratégia dos últimos governos, que acabou sendo confundida por um discurso ideológico de esquerda que em nada ajudou a melhorar as trocas comerciais. “O comércio andou meio aos trancos e barrancos. Agora, Macri pretende dar ao Mercosul um viés muito menos ideológico e mais comercial e, por isso, acreditamos que será possível avançar na ampliação de acordos”, aposta Alzueta.

O embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), teve atuação forte no governo durante o processo de criação do Mercosul e foi embaixador do Brasil na Argentina entre 2002 e 2004, também se diz otimista. “Há uma convergência de interesses que não se via durante os governos dos Kirchner, na Argentina, e de Lula e de Dilma, no Brasil. Antes, as políticas eram isolacionistas e mais ideológicas. O Brasil não fez nenhum acordo importante durante o período do PT e o comércio bilateral caiu por conta das crises e da famosa política Sul-Sul que não funcionou em nenhum lugar, principalmente, entre Brasil e Argentina”, explica.

 

Parceiro estratégico

A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e Estados Unidos, e o principal destino de produtos manufaturados brasileiros. No entanto, o volume exportado para o país vizinho, hoje, é bem menor do que o pico de US$ 22,7 bilhões registrado em 2011. Apesar da alta de 4,7% no ano passado em comparação a 2015, os US$ 13,4 bilhões que os argentinos compraram de produtos brasileiros ficaram 60% abaixo do contabilizado cinco anos antes.

Os desafios para melhorar esse quadro passam por uma recuperação econômica dos dois países, avisam especialistas. “Os principais pontos da agenda hoje são a cooperação estratégica e uma coordenação microeconômica que possibilitasse o aumento das participação das duas economias no comércio internacional”, destaca Botafogo. Hoje, o Brasil tem uma fatia de 1,2% e a Argentina, algo perto disso.

Na avaliação do diplomata, as principais áreas de cooperação são a da indústria automotiva, que é bastante integrada, mas que não é muito focada no mercado fora do Mercosul, e a do agronegócio. “Brasil e Argentina são os países que mais exportam alimentos para o mundo, e, portanto, podem ganhar ainda mais mercado se houver uma convergência microeconômica para atrair investimentos estrangeiros”, diz Botafogo.

 

 

Correio braziliense, n. 19613, 05/02/2017. Economia, p. 8.