Base movediça

Paulo de Tarso Lyra

06/02/2017

 

 

EXECUTIVO » Principais nomes da sustentação do governo e da articulação no Congresso estão citados em delações de executivos da Odebrecht na Lava-Jato. Para especialistas, esse é um dos motivos da pressa para aprovação das reformas

 

 

A pressa do governo Michel Temer em garantir as reformas econômicas — especialmente a previdenciária, que o chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha, quer ver aprovada no Congresso até 30 de junho — apoia-se em diversos fatores. O primeiro deles é a vontade de dar uma sinalização ao mercado de que o país está mudando, o que pode representar uma guinada na expectiva da população e na disposição dos investidores internacionais. A outra é a certeza de que, se a Operação Lava-Jato for mais rápida que deputados e senadores, boa parte dos articuladores políticos do Planalto, tanto no Executivo quanto no Legislativo, serão ceifados e atirados pela estrada.

A combinação dos dois fatores, então, torna-se o mundo dos sonhos para a gestão Temer. A esperança é que, a exemplo do que aconteceu em 2006, quando a economia pujante livrou Luiz Inácio Lula da Silva de perder o mandato pelo mensalão, a recuperação da autoestima nacional poderá fazer com que a disposição do brasileiro para protestar se arrefeça. “Não estamos dizendo que a população estará mais conivente com a corrupção. Mas, em alguns casos, as decisões do dia a dia passarão a pesar mais alto no imaginário das pessoas”, declarou o cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Rui Tavares Maluf.

O governo está repleto de atores diretamente ligados à linha de frente das reformas enrolados na Lava-Jato. Por enquanto, nenhum deles é réu, mas todos têm citações em delações premiadas e podem ver as carreiras políticas comprometidas com o levantamento do sigilo dos depoimentos prestados pela cúpula da Odebrecht. No Planalto, encontram-se o chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha; o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Wellington Moreira Franco; e o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy.

No Congresso, a encrenca começa com os dois presidentes — Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara e Eunício Oliveira (PMDB-CE) no Senado. Prossegue com os líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Embora não seja líder, uma denúncia consistente contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) tem poder para atrapalhar o governo, pois ele é presidente nacional do PSDB.

Por tudo isso, no último discurso como presidente do Senado, Renan Calheiros defendeu o levantamento imediato do sigilo das investigações da Odebrecht. “Vivemos um período de vazamentos manufaturados, que nos afastam da verdade”, afirmou. Jucá apresentou na última quinta-feira um projeto de lei que propõe o fim do sigilo nas delações. “A jogada é clara. Como as delações da Odebrecht envolvem quase 200 políticos, é melhor para eles que todos os nomes sejam divulgados juntos para ninguém apanhar sozinho”, explicou o analista de risco político da XP Investimentos, Richard Back.

 

Essenciais

Para Richard, esse grupo de políticos também precisará se empenhar, e muito, na aprovação das reformas, por diversos motivos. O principal deles é mostrar que são essenciais para o governo, o que poderá, em último caso, amenizar um tratamento mais rigoroso por parte do poder Judiciário. Em dezembro, por exemplo, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve Renan Calheiros na presidência do Senado, apesar da liminar em contrário dada pelo ministro Marco Aurélio Mello, justamente pela percepção de que o afastamento dele representaria uma ameaça à aprovação da PEC do Teto de Gastos.

Além disso, ao contrário dos políticos de esquerda, cuja base eleitoral é avessa às reformas, parlamentares de PSDB, PMDB e DEM têm eleitores ansiosos por mudanças liberais. “Eles sabem que, se as reformas não forem feitas, o país não chega inteiro até 2018. Ninguém quer passar para frente ou herdar um Brasil quebrado”, resumiu o analista da XP. Já o cientista político do Insper, Carlos Melo, acha que o cálculo não pode se basear apenas em premissas econômicas, mas políticas.

Ele não vê Temer disposto a demitir os auxiliares citados na Lava-Jato caso surjam denúncias consistentes. “Ao dar status de ministro para Moreira Franco, que não tinha foro e teve uma pasta criada para si, ele deixou claro que só vai mandar alguém embora se não tiver outro jeito para agir.” Melo, contudo, acha arriscado apostar que as reformas trarão, imediatamente, um alívio público. “Elas não serão aprovadas da maneira como foram encaminhadas ao Congresso. O governo e a base aliada não compõem um bloco uníssono de apoio às propostas elaboradas pela equipe econômica. Além disso, até que os investidores nacionais e internacionais tenham a certeza de que os rumos mudaram e possam voltar a aplicar recursos no Brasil, estaremos no limiar de 2018”, calculou Melo.

 

Frase

"A jogada é clara. Como as delações da Odebrecht envolvem quase 200 políticos, é melhor para eles que todos os nomes sejam divulgados juntos para ninguém se apanhar sozinho”

Richard Back, analista de risco político da XP Investimentos

 

 

Correio braziliense, n. 19614, 06/02/2017. Política, p. 02.