O Estado de São Paulo, n. 45021, 21/01/2017. Política, p. A6

Discrição e ousadia

 

João Domingos

 

Caso venha mesmo a escolher o novo relator da Operação Lava Jato, como tem sido falado nos bastidores, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, vai tirar um peso das costas do presidente Michel Temer e de quem vier a substituir o ministro Teori Zavascki, morto na quinta-feira num acidente aéreo, em Paraty.

Cármen Lúcia evita, com a decisão, que o escolhido por Temer para o lugar de Teori chegue ao STF carregando a suspeita de que deve a indicação a algum tipo de arranjo político feito para melar a Lava Jato. Temer, ministros de sua roda mais próxima e parlamentares são citados em delações de empresários negociadas com o Ministério Público. Como o regimento do STF diz que o substituto herda os processos relatados pelo substituído, qualquer nome a ser escolhido por Temer estaria sujeito a algum tipo de suspeita. Mas a presidente do STF vai encaminhar outra solução para o caso da relatoria da Lava Jato. Assim, tal situação deverá ser evitada.

A decisão de Cármen Lúcia poupa ainda o Senado de passar por um grande vexame. Dos 81 senadores que vão aprovar a indicação do novo ministro, 13 são investigados pela Lava Jato. Seria estranho que definissem o nome de quem vai relatar o processo que decidirá o futuro deles. Sem contar que assim que uma pessoa é indicada para o STF, ela vai aos gabinetes dos senadores, um a um, para apresentar suas credenciais. Em mais de uma dezena dessas visitas estariam frente à frente o eventual réu e o futuro julgador, este pedindo o apoio daquele, o qual logo poderá condenar.

Estas questões são políticas. E parecem já ter encontrado uma solução que evitará constrangimentos por todos os lados.

Fica agora no ar a expectativa de quem o presidente Michel Temer vai escolher para o lugar de Teori. Fala-se nos bastidores do Palácio do Planalto que será um nome técnico, para evitar especulações. Por mais que esse técnico, de notável saber jurídico e reputação ilibada, exigências constitucionais para que alguém chegue ao STF, seja competente, será difícil ocupar o lugar deixado por Teori.

Nos pouco mais de quatro anos em que exerceu o cargo de ministro do STF, Teori teve uma atuação marcada pela discrição, que alguns qualificaram de “à moda antiga”, e pela ousadia nas decisões. Decisões jamais tomadas por seus pares em qualquer época.

Foi dele a ordem de prisão preventiva ao então líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, por suspeita de atrapalhar as investigações da Lava Jato. Teori agiu com tamanha discrição que um assunto tão bombástico como este, da prisão de um senador em pleno mandato, jamais vazou. E a decisão foi tão bem fundamentada que no mesmo dia o Senado fez uma sessão extraordinária destinada exclusivamente a confirmar a sentença do ministro.

Também foi de Teori a decisão que afastou da presidência da Câmara e do mandato parlamentar o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na sentença, ele lembrou que a situação era extraordinária e excepcional. Por isso mesmo, pontual e individualizada. Não havia risco de se estender em massa a outros congressistas. “O imponderável é que legitima os avanços civilizatórios endossados pelas mãos da Justiça”, justificou-se Teori na decisão. Para em seguida dizer que, mesmo não havendo previsão específica na Constituição a respeito do afastamento de parlamentares do mandato, no caso de Eduardo Cunha tal situação se fazia necessária.(...)


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Sucessor terá de assumir processos polêmicos na Corte

 
Breno Pires
Isadora Peron

 

BRASÍLIA - Com a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, três processos polêmicos terão de aguardar a nomeação de um substituto para ter andamento na Corte – um que trata da judicialização da saúde, um de descriminalização de drogas para usuários e outro que autoriza processo contra governadores sem autorização das Assembleias Legislativas. O ministro, que também era relator da Operação Lava Jato no STF, havia pedido vista nesses julgamentos.

Em setembro do ano passado, o julgamento de dois processos que tratam da obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos de alto custo, mesmo que não estejam disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) ou não tenham sido registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi suspenso após um pedido de Teori.

De relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, as duas reclamações têm grande interesse do Palácio do Planalto, de Estados e de municípios por causa das consequências nas contas públicas.

Antes da análise do caso, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, havia afirmado que decisões da Justiça obrigando a oferta de remédios poderiam levar os governos a gastar R$ 7 bilhões a mais somente em 2016.

Outro pedido de vista foi feito por Teori na ação que discute se é constitucional criminalizar o porte de drogas para consumo próprio, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. À época, Gilmar, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin já haviam se posicionado a favor da descriminalização nesses casos.

Em um processo que discute se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) precisa de autorização da Assembleia de Minas Gerais para instaurar ação penal contra o governador do Estado, Fernando Pimentel (PT), três ministros votaram no sentido de que não é preciso do aval, mas Teori pediu vista.

A ação, em que se questiona um item da constituição estadual de Minas, vai basear o trâmite e a consequência das denúncias contra o governador petista, alvo de uma denúncia (acusação formal) do Ministério Público Federal feita ao STJ. A corte que aguarda a decisão do STF. Pimentel pode perder o mandato se o STJ receber a denúncia.

 

Teles. Um dos processos de relatoria de Teori Zavascki que requerem urgência, mas não estão relacionados à área criminal é a análise do pedido feito por senadores da oposição para que o projeto de lei que modifica a Lei Geral das Telecomunicações seja votado no plenário do Senado antes de sanção definitiva. O projeto fora aprovado em dezembro na Comissão de Desenvolvimento do Senado em caráter terminativo.

No plantão judiciário, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, decidiu que só o relator poderia julgar o pedido, e que não haveria problema de isso acontecer após o recesso, “em especial pela judicialização da questão no presente mandado de segurança”.

Na pauta da primeira sessão do STF em 2017, em 1.º de fevereiro, há dez ações da relatoria de Teori sobre matérias orçamentárias, financeiras e repartição de receitas. Cármen Lúcia terá de decidir se assumirá a relatoria, se distribuirá os processos ou os removerá da pauta.

Também há recursos da Lava Jato previstos para julgamento entre as primeiras sessões do ano. Um recurso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que quer anular a prisão preventiva determinada pelo juiz Sérgio Moro, está marcado para a 2.ª Turma do STF, no dia 8 de fevereiro. Ele alega que o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba descumpriu decisão do próprio Teori, que havia arquivado um pedido de prisão feito pela Procuradoria-Geral da República logo após a cassação do peemedebista.

O ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu também terá um pedido de revogamento de prisão analisado, no dia 7 de fevereiro. Nestes dois casos, como nos inquéritos da Lava Jato, ainda não se sabe se o relator será o novo ministro a ser indicado ou se a relatoria dos processos ligados à operação será redistribuída por decisão de Cármen Lúcia, dentre os ministros do Supremo.

 

À ESPERA

Saúde

Em setembro do ano passado, após um pedido do ministro Teori Zavascki, o julgamento de dois processos sobre a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos de alto custo, mesmo que não estejam disponí- veis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) ou não tenham sido registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi suspenso.

 

Governadores

Em processo que discute se o Superior Tribunal de Justiça precisa de autorização da Assembleia de Minas para instaurar ação penal contra o governador do Estado, Fernando Pimentel (PT) (foto), três ministros votaram no sentido de que não é preciso do aval. Teori pediu vista

 

Usuários de drogas

Outro pedido de vista foi feito pelo ministro Teori Zavascki na ação que discute se é constitucional criminalizar o porte de drogas para consumo próprio, de relatoria de Gilmar Mendes. À época, os ministros Gilmar, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin se posicionaram a favor da descriminalização nesse caso.

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Auxiliares têm futuro incerto

 

Considerados figuras chave nas investigações da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), os três juízes que auxiliavam o ministro relator Teori Zavascki na condução dos processos na Corte têm o futuro incerto no tribunal.

Os cargos, de confiança, são uma escolha pessoal de cada ministro da Corte. Agora, com a morte de Teori, não há nenhuma garantia de que os juízes auxiliares Márcio Schiefler Fontes, Paulo Marcos de Farias e Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho permaneçam no caso.

O trio de auxiliares, que acompanhava de perto o trabalho do ministro relativo à Lava Jato, havia suspendido as férias a pedido de Teori para tentar dar mais celeridade ao processo de homologação das delações premiadas de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht.

O ministro-relator havia delegado a eles, por exemplo, a tarefa de dar início às audiências com os delatores da empreiteira para confirmar os depoimentos recolhidos pelo Ministério Público Federal. Após a confirmação da morte de Teori, anteontem, no Rio, as diligências foram canceladas.

Segundo assessores do Supremo, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, poderia endossar a ordem de Teori e autorizar os juízes auxiliares a dar continuidade à homologação das delações ligadas à empreiteira. No entanto, a ministra afirmou anteontem que ainda não tinha avaliado o andamento dos processos da Lava Jato no tribunal.

“Não estudei nada, por enquanto”, disse Cármen Lúcia ao ser questionada sobre que ministro ficaria com a relatoria dos inquéritos. “A minha dor é humana, como tenho certeza de que é a dor de todos os brasileiros depois de perder um juiz como este”, afirmou.

 

Ligação. Mesmo quando não estava em Brasília, Teori mantinha contato permanente com seus auxiliares. Foram eles que, ao tomarem conhecimento da notícia de que um avião havia caído no mar de Paraty, comunicaram a presidente do Supremo de que algo poderia ter acontecido com Teori, já que o ministro relator não atendia às ligações dos auxiliares.

Ontem, a porta do gabinete de Teori permaneceu fechada. Seus principais auxiliares se deslocaram até Porto Alegre, para acompanhar o velório, marcado para hoje no plenário do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4).

No dia anterior, o clima era de comoção no 3.º andar do prédio anexo ao principal do Supremo Tribunal Federal. Servidores entravam e saíam da sala com cara de choro após a notícia da morte do ministro da Corte ser confirmada.

 

Gabinete. Por causa do volume de trabalho das investigações da Lava Jato, Teori decidiu, no ano passado, convocar mais um juiz para auxiliá-lo no gabinete. Normalmente, os ministros do tribunal têm direito a apenas dois juízes.

Ainda no ano passado, antes do início do recesso do Judiciário, o ministro-relator fez um balanço da tramitação dos processos e afirmou que, apesar das críticas feitas à “lentidão” da Corte, não havia “nada atrasado” em seu gabinete.

Atualmente, cerca de 30 pessoas trabalham no gabinete de Teori. A maioria dos funcionários é servidor público concursado. Quando um novo ministro chega à Corte, ele tem a prerrogativa de montar a sua equipe, escolhendo não somente quem serão os seus juízes auxiliares, mas também quem vai ocupar a chefia do gabinete e as demais funções.