O Estado de São Paulo, n. 45021, 21/01/2017. Política, p. A11

Odebrecht terá de entregar lista de doações desde 2000

 
Ricardo Brandt
Fausto Macedo
Julia Affonso

 

A Odebrecht está obrigada a entregar até o fim de janeiro, à força-tarefa da Operação Lava Jato, o total de doações oficiais e de pagamentos de propinas e caixa 2 nas eleições dos últimos 16 anos, período que abrange as quatro disputas presidenciais e as cinco municipais. A obrigação consta em cláusula do acordo de leniência assinado pela empreiteira no fim do ano passado.

O inciso XIV, da cláusula 6.ª do acordo, ao qual o Estado teve acesso, estipula as obrigações da colaboradora. O documento, com 26 páginas, foi assinado no dia 1.º de dezembro com o Ministério Público Federal e protocolado ontem na Justiça Federal, em Curitiba, em uma ação cível em que a Odebrecht é alvo.

O termo de leniência estipula que “no prazo de 60 dias a contar da assinatura” da leniência, seja entregue “uma lista consolidada de cada uma das doações eleitorais feitas pelo Grupo Odebrecht nos últimos 16 anos, com a indicação mínima de valor, data, beneficiário e autorizados do pagamento, devendo indicar eventual indisponibilidade desses dados”.

O grupo tem de entregar também “uma lista consolidada com toso só beneficiários de pagamentos de vantagens indevidas que tenham atualmente prerrogativa de foro por função. Na lista, estão nomes do PT, do PMDB e do PSDB, como o de ministros do governo do presidente, Michel Temer, governadores, prefeitos, senadores e deputados.

Ao todo, a Odebrecht assume 22 obrigações com o Ministério Público para obter os benefícios de colaboradora. O acordo de leniência tem como finalidade instruir investigações de improbidade administrativa.

 

Confissão. Com o maior volume de contratos na Petrobrás – são R$ 35 bilhões em negócios em dez anos, sem contar a Braskem, sua subsidiária –, a Odebrecht confessou fraudes em contratos, pagamentos de propinas, lavagem de dinheiro. No acordo, o grupo declara que “cessou seus envolvimento nos fatos ilícitos descritos” e que qualquer informação falta ou descumprimento de suas cláusulas resulta no rompimento do termo.

Os dados sobre irregularidades nas campanhas interessa à força-tarefa da Lava Jato, que prepara ações cíveis para acionar os partidos pelo prejuízo causado à Petrobrás.

O acordo estipula ainda que, em um prazo de 90 dias – a contar da homologação da leniência –, a Odebrecht tem que entregar ao Ministério Público a “identificação das empresas e contas bancárias no exterior utilizadas em conexão com os fatos ilícitos revelado neste acordo e respectivos saldos, bem como apresentar, mediante demanda, extratos e documentos das operações”.

A rede de offshores e contas usadas pela Odebrecht no exterior foi um dos primeiros elementos de provas que pesaram nas acusações criminais da Lava Jato, antes da descoberta, em março de 2016, do funcionamento do Setor de Operações Estruturadas do grupo, como um departamento de propinas oficial da empreiteira. São contas de empresas que só existem no papel abertas em paraísos fiscais, como Panamá, Suíça, Uruguai, Ilhas Virgens.

Pela leniência, a empresa tem que apresentar às autoridades relatórios detalhados dos ilícitos, com nomes das pessoas e empresas envolvidas, “inclusive agentes políticos, funcionários públicos, sócios, diretores e funcionários de outras empresas”, descrevendo seus papéis dos atos.

O acordo prevê também que a Odebrecht pague R$ 3,28 bilhões pelos danos materiais e imateriais causados por crimes praticados em contratos públicos, dos governos federal, estaduais e municipais. Segundo a cláusula 7.ª, o valor global a ser pago será dividido entre Brasil, Estados Unidos e Suíça, países que integram o acordo de leniência, numa proporção de 80%, 10% e 10% para cada, respectivamente.

Diferente do acordo de colaboração premiada, que é feito por pessoas físicas envolvidas em crimes, a leniência envolve a empresa e funcionários e pessoas ligadas a elas, que são consideradas figuras sem mando ou participação ativa no esquema.

Entre os benefícios do acordo de leniência, uma das finalidades é “preservar a própria existência da empresa e a continuidade de suas atividades”. “Apesar dos ilícitos confessados, encontra justificativa em obter os valores necessários à reparação dos ilícitos perpetrados.”

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Juiz proíbe Maia de concorrer na Câmara

 
Daiene Cardoso
Igor Gadelha

 

O juiz federal substituto Eduardo Ribeiro de Oliveira, da 15.ª Vara Federal do Distrito Federal, determinou ontem que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-DF), se abstenha de concorrer à eleição interna da Casa, marcada para o dia 2 de fevereiro.

O deputado disse que vai recorrer da decisão.

A ação popular foi ajuizada por Marcos Rivas, advogado do Amazonas e pai de Lucas Rivas, assessor parlamentar na Câmara e antigo colaborador jurídico da equipe do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ele também requereu, em caráter liminar, a suspensão do prazo de registro de candidaturas à presidência da Câmara, além d o afastamento imediato da presidência da Câmara sob pena de prisão. Estes pedidos foram negados.

Na ação, Rivas alega que o artigo 57 da Constituição Federal é claro ao proibir a reeleição de presidentes do Legislativo dentro do mesmo mandato. O deputado do DEM, porém, argumenta que a proibição não vale para casos como o dele. Eleito em julho do ano passado, ele cumpre um mandato-tampão após a renúncia do então presidente da Casa, o hoje deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).” “Do nosso ponto de vista a decisão do juiz está equivocada. É uma decisão que não cabe a um juizado de primeira instância.Já estamos recorrendo e confiando na Justiça”, afirmou o parlamentar fluminense.

 

Constituição. Na decisão, o juiz cita o regimento interno da Câmara e a Constituição e destaca que eles não permitem a recondução ao cargo na mesma legislatura. “Sublinhe-se que a matéria atinente à composição das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal mereceu especial atenção da Constituição de 1988, que, com vistas a resguardar o princípio republicano, estabeleceu, inclusive, uma regra de inelegibilidade, consistente em proibir a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, afirmou o juiz, que afastou a tese de que o eleição na Casa seja uma questão interna corporis.

Aliado de Maia, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) chamou a decisão da Justiça Federal de “factoide”. “Essa decisão é uma ilustração da anarquia que vive o País, produzida pela leniência do Parlamento e desmedido ativismo judicial”, afirmou Silva.

Além do processo na Justiça Federal, Maia é alvo de outras duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) protocoladas por adversários: uma é de autoria do Solidariedade, que faz parte do Centrão, e outra do deputado André Figueiredo (PDT-CE), único candidato da oposição à presidência da Câmara.

 

Candidatos. Adversários de Maia defenderam a legalidade da decisão do juiz de 1.ª instância. “Há algumas semanas, pedi pessoalmente ao presidente Maia que adiasse a eleição da Mesa até a manifestação final do STF em razão das ações existentes e a insegurança jurídica evidente dessa questão.

Me parece claro que o STF precisa fazer o controle constitucional que esse caso exige. É clara a vedação constitucional de recondução de Presidente da Câmara dentro da mesma Legislatura.Mas decisão judicial se cumpre”, disse o líder do PSD, Rogério Rosso (DF), que também é candidato.

“É o inicio da discussão da tese que defendemos. A candidatura dele à reeleição é inconstitucional.Ele (Maia) está proibido de ser candidato até que porventura esta decisão seja modificada”, afirmou Figueiredo. “Mas já é uma sinalização clara de que a Justiça tem compreensão de que ele não pode ser candidato”, afirmou.

Embora já esteja fazendo campanha, Maia não admite oficialmente que é candidato à reeleição.

 

’Factoide’

“Essa decisão é uma ilustração da anarquia que vive o País, produzida pela leniência do Parlamento e desmedido ativismo judicial.”

Orlando Silva (SP)

DEPUTADO DO PCDOB