O Estado de São Paulo, n. 45021, 21/01/2017. Internacional, p. A12

Trump começa a comadar os EUA com discurso agressivo e nacionalista

 

Cláudia Trevisan

 

Donald Trump tomou posse ontem como 45.º presidente dos EUA com um discurso sem palavras conciliatórias na direção de seus críticos, no qual apresentou um retrato sombrio do país e do mundo, atacou a classe política, repetiu promessas populistas e reforçou o nacionalismo extremo que marcou sua campanha. A cerimônia foi seguida de protestos.

“A carnificina americana acaba aqui e acaba agora”, disse. “De hoje em diante, uma nova visão governará a nossa terra.

De hoje em diante, só haverá a América em primeiro lugar.” O presidente eleito descreveu os EUA como um país explorado por outras nações, que acusou de roubarem os empregos, a indústria e a riqueza americana.

Abusando de superlativos, prometeu resgatar a supremacia supostamente perdida e tornar a América grande de novo, com a criação de empregos, segurança das fronteiras e prosperidade.

Trump disse que os EUA manterão alianças internacionais e criarão novas para derrotar o “terrorismo islâmico radical, que será erradicado da face da terra”.

A posse foi assistida por centenas de milhares de seguidores de Trump, mas várias pessoas saíram às ruas da capital contra o novo governo. A maioria das manifestações foi pacífica, mas houve violência e choques com a polícia. Pelo menos 200 pessoas foram presas.

Assim que Trump tomou posse, os portais do governo na internet deixaram clara a guinada conservadora da nova administração.

Informações da Casa Branca sobre os impactos da mudança climática foram substituí- das pela previsão do fim de regulações que limitam emissões poluentes e a exploração de carvão e petróleo. Relatório sobre discriminação em razão de orientação sexual desapareceu da página do Departamento do Trabalho.

Sem dar detalhes, a administração Trump também anunciou a construção de um escudo antimísseis para proteger o país de eventuais ataques do Irã e da Coreia do Norte. Em um de seus primeiros atos como presidente, criou o Dia Nacional do Patriotismo.

O bilionário, que fez campanha como um outsider que nunca ocupou um cargo público, iniciou seu discurso com um ataque à classe política, da qual dependerá para colocar em prática grande parte de sua agenda.

Algumas de suas propostas poderão ser aprovadas por decreto, mas muitas dependerão do Congresso, onde seu partido terá maioria.

Derrotada por Trump na disputa de novembro, a democrata Hillary Clinton participou da cerimônia.

Vestida de branco, ela estava acompanhada de seu marido, o ex-presidente Bill Clinton.

Trump não apertou a mão de Hillary quando chegou ao terraço em que a posse ocorreu.

Mas no almoço realizado no Congresso depois da cerimônia, ele disse que estava honrado com a presença do casal Clinton.

“Eu tenho muito respeito por essas duas pessoas”, disse Trump, que durante a campanha ameaçou prender a adversária se eleito.

O tom beligerante do discurso de Trump contrastou com o de seus antecessores, que costumam usar seu primeiro pronunciamento à nação para tentar curar feridas abertas na disputa eleitoral. O bilionário ignorou as divisões provocadas por sua vitória.

“Os discursos de posse têm o objetivo de serem inspiradores, não deprimentes”, disse o cientista político David Cohen, professor da Universidade de Akron.

“Não creio que Trump seja capaz de realizar gestos conciliatórios e não creio que isso mudará.

Teremos quatro anos bastante turbulentos.” Cohen acredita que o pronunciamento indicou uma grande mudança na política externa americana, com maior ênfase no isolacionismo.

O discurso de 16 minutos seguiu a tradição de apresentar os princípios que vão orientar o governo.

O principal tema foi a promessa do resgate de empregos e fábricas que teriam sido “roubados” por outros países.

Foi ela que garantiu a vitória de Trump com os votos do “cinturão da ferrugem” do Meio-Oeste americano, onde muitos edifícios que abrigavam indústrias se transformaram em ruínas.

Apesar de o novo presidente dizer que sua posse atrairia um público recorde, fotos aéreas mostraram um número muito inferior ao registrado na posse de Barack Obama, em 2009, quando 1,8 milhão de pessoas se reuniram em Washington.

A comunidade de Hollywood apoiou em peso a candidatura de Hillary e vários artistas recusaram o convite para se apresentar durante as celebrações. Depois da cerimônia, Trump desfilou ao lado da mulher, Melania, do Congresso até a Casa Branca.

No trajeto, ele quebrou o protocolo ao deixar o veículo blindado para saudar seus eleitores.