Modelo precisa mudar

Rodolfo Costam Renato Souza e Marlla Sabino

06/02/2017

 

 

CONJUNTURA » Soluções apontadas por especialistas para resolver as deficiências do sistema de saúde passam por medidas como a criação de estruturas regionais de serviços médicos e a integração entre as redes pública e privada, além de melhoria na gestão de recursos

 

 

Resolver os problemas de um sistema de saúde universal, que atende cerca de 150 milhões de brasileiros — de acordo com estimativas do governo federal —, e ainda revigorar o sistema de saúde suplementar, não será uma tarefa fácil. Mas a grande importância de solucionar a crise na saúde está levando instituições e especialistas a debaterem profundamente o assunto. Afinal, embora a conjuntura imponha adversidades, são os problemas estruturais que mais preocupam. Na saúde pública, a gestão dos recursos é ineficiente e precisa de uma reestruturação. No setor privado, é preciso discutir maneiras de reduzir os altos custos médico-hospitalares de modo a aliviar as despesas das famílias, além de readequar o modelo de oferta dos planos.

O caos da saúde pública começa nos grandes centros. Mas, no interior do país, os problemas se agravam e a falha na prestação do serviço coloca em risco a vida de milhões de pacientes. A solução deve atingir todos os estados, alcançar os usuários e reformar a estrutura e logística de atendimento. Apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) ser alvo de descrença entre muitos brasileiros, medidas parecidas já deram certo em outras nações, alerta o coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS do Conselho Federal de Medicina (CFM), dr. Donizetti Dimer Filho.

Em muitos países da Europa, observa Dimer, os sistemas de saúde foram universalizados para todos os cidadãos. Segundo ele, as taxas de reclamações em países como Inglaterra e França são baixas e não faltam casos de sucesso. No Brasil, o agravamento da crise na saúde tem preocupado o CFM. Por isso, a entidade recomenda uma reforma de gestão e na estrutura nos hospitais para resolver o problema.

“Para mudar o rosto da saúde pública no Brasil, devemos ter uma reformulação no funcionamento do sistema. Seria importante criar estruturas de saúde regionais, que devem ser instituídas de acordo com as necessidades de cada região. Hoje, temos hospitais de referência nas capitais e uma saúde cada vez mais precária nas cidades menores”, avalia Dimer. Para ele, seria importante agrupar as cidades menores e implementar centros de emergência e unidades básicas de saúde mais próximas da população. “Aqui, o governo sempre investiu menos na saúde do que acontece em outras nações. Um grave problema é a gestão do sistema, que é realizada de forma incompetente.”

Existe, ainda, quem defenda uma integração entre o sistema público de saúde e a rede privada para levar mais qualidade de atendimento aos pacientes. A Fundação Indigo, organização de pesquisa em políticas públicas do Brasil, propõe a criação de vouchers para a saúde. A ideia seria parecida com o ProUni, em que o governo custeia serviços oferecidos por universidades particulares. No caso dos vouchers, eles seriam entregues aos cidadãos para serem utilizados em hospitais particulares.

O diretor-executivo do Indigo, Diogo Costa, acredita que a integração entre os sistemas público e privado geraria economia aos governos e mais qualidade de vida aos pacientes. “Isso criaria a possibilidade de o governo financiar a demanda, e não a oferta. Em vez de ter hospitais, empregados da área de saúde, seria oferecida uma cobertura universal na rede privada. O paciente poderia escolher entre diversos planos populares, com serviços ofertados de maneira gratuita”, analisa. Os convênios, por sua vez, cobririam serviços básicos, como consultas e exames. Já quem precisasse de serviços como internação ou cirurgias, receberia um voucher que poderia ser usado em qualquer hospital privado. “A concorrência trataria de manter os preços baixos e um serviço de qualidade”, diz Costa.

 

* Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo

 

AJuste

“Passamos por uma crise sem precedentes”, avalia Rodrigo Araújo, advogado especialista em direito à saúde. Para ele, o ajuste para a saúde pública passa obrigatoriamente por uma gestão melhor dos recursos públicos. “Antes, o sistema carecia de medicamentos mais caros. Hoje, não tem nem remédio de custo médio ou baixo, como analgésicos”, critica. Em relação à saúde suplementar, ele cobra um maior estímulo para que as empresas ofereçam planos de saúde. “Quase 70% do mercado é composto pelos convênios empresariais. É preciso pensar em alguns benefícios, como tributários, para que mais empresas se sintam estimuladas a oferecer o produto aos trabalhadores”, recomenda.

 

 

Correio braziliense, n. 19614, 06/02/2017. Política, p. 06.