Tensão entre gigantes

Rodrigo Craveiro

06/02/2017

 

 

EUA EM CRISE » Governo de Donald Trump levanta incertezas sobre o futuro da relação entre a China e os Estados Unidos, as duas maiores potências do planeta. Política globalizadora de Xi Jinping e tom protecionista do norte-americano aumentam diferenças

 

 

Durante a campanha pela Casa Branca, o norte-americano Donald Trump acusou a China de roubar empregos dos Estados Unidos e prometeu impor tarifa de 45% sobre todas as importações do país asiático. Chegou a mudar o sotaque para satirizar a forma com que executivos chineses negociam. As duas nações somam 1,7 bilhão de consumidores e um Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de quase US$ 40 trilhões (veja arte). Para especialistas consultados pelo Correio, a retórica agressiva do presidente republicano pode lançar as duas maiores potências econômicas e bélicas do planeta em rota de colisão, com risco de prejuízos para o mercado financeiro global.

Enquanto Trump anunciou a retirada do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP) e adotou tom protecionista, o presidente da China, Xi Jinping, utilizou o Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), em 17 de janeiro, para defender a globalização. “O desenvolvimento da China é uma oportunidade para o mundo. A China não somente tirou benefícios da globalização econômica, como contribuiu com ela”, declarou. As diferenças de Xi e Trump não param por aí. Poucos dias depois de ser eleito, o norte-americano quebrou um protocolo diplomático de quatro décadas e telefonou para a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen. Uma atitude que enfureceu Pequim.

Vice-presidente para Estudos e diretor do Programa do Carnegie Endowment for International Peace, Douglas Paal acredita que o incidente envolvendo Taiwan agravou as relações sino-americanas. “A China se tornará mais focada sobre o que Trump fará na Casa Branca”, afirmou ao Correio. “Por sua vez, Xi Jinping parece pensar que as políticas de Trump lhe dão espaço para, de certa forma, reivindicar a liderança de globalização. Mas o papel doentio cabe à China, que pratica muitos dos comportamentos que danificaram a reputação desse fenômeno”, acrescenta. O especialista duvida que Washington almeje criar graves danos às relações com a China e aposta na tentativa de reforço do elo comercial. “Pode haver grandes diferenças entre intenções e resultados”, alerta.

Nicholas Hope, diretor do Centro Stanford para Desenvolvimento Internacional (SCID) da Universidade de Stanford, disse à reportagem esperar e acreditar que Trump adote uma postura menos destemperada e que “cabeças mais sábias” o convençam de quão equivocada seria uma guerra comercial com a China. “O resultado custaria caro, não apenas para Pequim e para Washington, como para muitos outros países. Qualquer ação que fomente a tensão e sentimentos ruins entre as duas nações seria péssima para a cooperação mútua, considerada essencial ao que poderia ser a parceria decisiva na história econômica deste século”, observa. Ele não duvida que o governo republicano faça tentativas de descartar a política da “China única”.

Apesar de admitir que a eleição de Trump causou grande incerteza nas relações futuras dos EUA com o restante do mundo, Brantly Womack — professor de política da Universidade da Virgínia e autor de China among unequals: asymmetric foreign relations in Asia (China entre desiguais: relações externas assimétricas na Ásia) — afirma que existem “boas razões para não esperar uma desgraça”. Ele lembra que Xi Jinping desempenha o papel de poder responsável regional e global, em contraste com as ansiedades do mundo em relação a Trump. “A China  responderá ao que percebe como provocações americanas, mas será cuidadosa para não ferir seus próprios interesses. Se Pequim puder projetar uma imagem de estabilidade, 2017 poderá ser uma analogia política da crise financeira internacional de 2008”, prevê. Segundo a agência de notícias chinesa Xinhua, o conselheiro de Estado Yang Jiechi tentou pôr panos quentes na política agressiva de Trump e frisou que os Estados Unidos  e a China devem continuar com a cooperação alinhada aos interesses das duas nações e dos dois povos.

Womack explica que a estabilidade relativa levou a uma atualização geral do status da China como potência econômica global. “Se ela permanecer firme na globalização política, apesar de Trump, o seu poderio político pode levá-la ao crescimento econômico”, comentou. Tudo vai depender, no entanto, do ímpeto do presidente norte-americano em fazer valer as suas promessas de campanha. Se cumprir com as ameaças, pode deflagrar uma guerra comercial com a China de proporções incalculáveis.

 

Um país por inteiro

O princípio da “China única” determina que Taiwan, Hong Kong e Tibete são regiões intransferíveis da China. Pequim as considera províncias desobedientes, as quais podem ser controladas pelo uso da força, se necessário.

 

Eu acho...

“Os Estados Unidos e a China estão para entrar em um período de incerteza e de imprevisibilidade, o qual não augura nada de bom para a estabilidade internacional. Com o crescimento do poder da China, ingressamos numa era de rivalidade, em que é importante para Pequim e Washington evitar situações que possam resultar em aumento de hostilidades. Isso exigirá moderação e bom senso dos líderes de ambos os países.”

Ron Tammen, cientista Político da Universidade Estadual de Portland e autor de Power transitions: Strategies for the 21st Century (“Transições de poder: Estratégias para o século 21”)

 

 

Correio braziliense, n. 19614, 06/02/2017. Mundo, p. 10.