O Estado de São Paulo, n. 45022, 22/01/2017. Política, p. A4

Cármen indica que relatoria será dada a atuais ministros

 

Beatriz Bulla
Àlvaro Campos
Ricardo Galhardo
 

O presidente Michel Temer confirmou ontem que só indicará o substituto do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal depois que a Corte decidir quem assumirá a relatoria da Operação Lava Jato. “Só depois que houver a indicação do relator”, disse Temer durante o velório de Teori, em Porto Alegre. O ministro morreu em um acidente aéreo na quinta-feira, em Paraty, no litoral do Rio.

Antes mesmo da declaração, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, dava sinais de que vai remeter os processos da Lava Jato a um dos atuais integrantes da Corte. O mais provável, na visão de fontes que integram o tribunal, é que um dos ministros da Segunda Turma do STF – responsável por analisar as ações da operação – seja escolhido por meio de sorteio para herdar a relatoria.

A definição de quem ficará responsável pela Lava Jato no Supremo abriu uma discussão nos meios jurídico e político sobre o futuro da operação. A preocupação é se o novo responsável pelos processos no Supremo vai manter o caráter técnico com o qual Teori costumava conduzir o caso. A Corte julga investigados com foro privilegiado, como parlamentares e ministros de Estado.

Compõem a Segunda Turma e, portanto, poderiam assumir a relatoria os ministros Gilmar Mendes,  Ricardo  Lewandowski, Dias Toffoli e o decano do tribunal, Celso de Mello. Uma cadeira ficou vaga com a morte de Teori.

Em tese, o posto na Segunda Turma deixado por Teori seria preenchido pelo próximo ministro, a ser indicado por Temer. Há um precedente na Corte, no entanto, para que um dos integrantes da Primeira Turma migre para o outro colegiado. Isso ocorreu em 2015, quando Toffoli pediu para integrar a Segunda Turma do Supremo.

A medida teve o objetivo de evitar empates em julgamentos da Lava Jato e também de retirar do futuro ministro nomeado – que veio a ser Edson Fachin – o ônus de ser indicado com a pressão de quem iria ter em mãos a investigação sobre o esquema de corrupção na Petrobrás. Fachin passou a integrar a Primeira Turma do STF.

A expectativa é de que os ministros adotem a mesma solução agora. Mas, por enquanto, todos aguardam os primeiros sinais de Cármen Lúcia, que já anunciou que só falará sobre isso no retorno a Brasília.

Velório. Ontem, a ministra foi a primeira representante do STF a chegar, logo pela manhã, ao velório de Teori, em Porto Alegre, mas evitou declarações públicas sobre o tema. O assunto, porém, permeou conversas entre autoridades presentes à cerimônia.

Questionado sobre o fato de Temer aguardar a definição sobre o novo relator, o juiz Sérgio Moro disseque “compete ao Supremo” encontrar uma solução. “As instituições estão funcionando. Vai ser resolvido institucionalmente”, disse Moro.

Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, a decisão de remeter o caso a um dos atuais ministros é acertada.

“Não se deve deixar a relatoria para o novo ministro que vai assumir. Seriauma situação política extremamente  delicada”, afirmou Sanseverino.

Em reservado, ministros no Supremo afirmam que não gostariam de assumir a Operação Lava Jato. A avaliação é de que Teori estava longe de especulações sobre eventual ligação com a política e, de forma discreta, conseguia conduzir o caso de maneira independente.

Um exemplo mencionado é a decisão do ministro de anular o áudio em que a presidente cassada Dilma Rousseff conversava com o ex-presidenteLuiz Inácio Lula da Silva e ainda receber um pedido de “escusas” do juiz Sérgio Moro.

O futuro da Lava Jato tem causado apreensão na Procuradoria-Geral da República. Rodrigo Janot revelou a pessoas próximas preocupação com o destino da operação na Corte. Ele mantinha relação próxima com Teori, a exemplo de Moro, que conduz a Lava Jato em Curitiba.

 

Função

“Vai ser resolvido institucionalmente.”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL

 

“Não se deve deixar a relatoria para o novo ministro que vai assumir.”

Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

MINISTRO DO STJ

 

 

PARA ENTENDER

Turmas julgam ações penais

Uma alteração no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF), feita em 2014, transferiu do plenário da Corte para as turmas o julgamento de ações penais e inquéritos originários, destinados a apurar crimes atribuídos a autoridades com foro por prerrogativa de função. Nas turmas são julgadas ações que não demandam a declaração de inconstitucionalidade (essas ações são de competência do plenário). Cada uma das duas turmas é constituída por cinco ministros e presidida pelo mais antigo dentre seus integrantes, que ocupa o posto por um período de um ano, vedada a recondução.

 

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Ofensa ao bom senso

 

De modo geral, nossa opinião pública tem uma irresistível atração por episódios que possam ser associados a crises, ameaças e riscos. Quando se agrega um suposto componente conspiratório, então, a curiosidade cresce em progressão geométrica, jogando ao rés do chão a qualidade das “análises” sobre o acontecimento.

Também temos uma tendência, que as redes sociais acentuam, de explicar as instituições como o resultado da ação individual de seus integrantes. Instituições são bem mais do que isso. São estruturas que sedimentam ao longo do tempo regras de funcionamento e de conduta.

É evidente que se a relatoria da Lava Jato for definida por sorteio, a publicidade e o ritmo de condução do processo vão depender do novo ministro-relator. O estilo de Ricardo Lewandowski é bem diferente do de Gilmar Mendes, o preparo jurídico de Dias Toffoli fica a anos-luz da competência de Celso de Mello. Uns gostam muito dos holofotes, outros nem tanto.

Mas o Supremo tem uma dinâmica que circunscreve a liberdade das iniciativas individuais a determinados parâmetros. Acima de tudo, os ministros lá estão para aplicar a lei sob intensa vigilância da sociedade. Não fazem o que lhes dá na telha. E, se isso acontece, está lá o plenário para corrigir a idiossincrasia.

A história recente do Supremo Tribunal Federal é dignificante. Ministros indicados por presidentes petistas puniram com rigor políticos petistas. Difícil pinçar uma prova mais contundente de independência e zelo. Neste contexto, concluir que a trágica morte do competente ministro Teori Zavascki colocaria em risco a Operação Lava Jato, podendo gerar uma grave crise política e se tornar uma ameaça à democracia, é mais que só uma sandice: é uma ofensa ao bom senso.

 

*É CIENTISTA POLÍTICO PELA USP E CONSULTOR DA FUNDAÇÃO ESPAÇO DEMOCRÁTICO