O Estado de São Paulo, n. 45022, 22/01/2017. Política, p. A6

Pasta da Justiça trava acordo com Suíça

 

Jamil Chade

 

O Ministério da Justiça do Brasil travou a negociação de um acordo de cooperação com a Suíça para acelerar investigações de casos de corrupção na Operação Lava Jato. A proposta da Procuradoria-Geral da República brasileira é criar uma força-tarefa com o Ministério Público do país europeu para depurar milhares de páginas de extratos bancários, levantar identidade de suspeitos e tratar de acordos de delações premiadas ainda não celebrados.

Uma troca de e-mails cujo conteúdo o Estado teve acesso revela exigências feitas pelo governo brasileiro para as autoridades suiças. Para dar prosseguimento à parceria, lançada em março do ano passado, o Executivo do Brasil pediu o nome de suspeitos e a lista de potenciais alvos que poderão vir a ser investigados. A condição causou estranhamento, e o pedido não foi acatado.

A cooperação bilateral foi proposta em março de 2016 pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao MP suíço – em Berna responde pela instituição o procurador-geral Michael Lauber. Em uma reunião na Suíça, ele sugeriu que os dois órgãos reunissem na força-tarefa procuradores, policiais e especialistas. Ao romper um tabu, as autoridades suíças aprovaram a iniciativa e começaram a escolher os integrantes da equipe. Passado quase um ano, porém, o lado brasileiro não conseguiu fazer sua parte nem consolidar a cooperação.

Em novembro, a proposta foi mais uma vez apresentada por Janot em encontro com o presidente Michel Temer, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, o chanceler José Serra e outras autoridades brasileiras. Naquele momento, todos os presentes à reunião indicaram apoio às ideias do procurador-geral.

Dias depois, contudo, os suíços receberam um primeiro e-mail do Ministério da Justiça no qual o governo brasileiro dizia não ter chegado a um consenso sobre o assunto e, portanto, o projeto estava cancelado. Sem entender o motivo do entrave, autoridades de Berna encaminharam a mensagem à PGR. A instituição brasileira pediu explicações a Moraes, que alegou não ter conhecimento do e-mail e prometeu solucionar o impasse.

Condições. Em uma segunda comunicação com os suíços, semanas depois, o Ministério da Justiça indicou que estava de acordo com a cooperação. No entanto, o governo fez as exigências: as listas de investigados e de potenciais suspeitos.

Os suíços estranharam o pedido, visto como intromissão do Executivo nos processos judiciais. A mensagem foi encaminhada, então, ao MP brasileiro, e os europeus optaram por aguardar. Sem a cooperação do governo Temer, a esperança era de que o assunto fosse tratado em um encontro marcado para sexta-feira passada, em Berna, mas, com a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, relator da Lava Jato na Corte, Janot optou por cancelar seus compromissos e voltar ao Brasil.

Questionado sobre o atraso de quase um ano na implementação da força-tarefa conjunta, o MP suíço se limitou a dizer que não teria como responder à demanda da reportagem na sexta e vai se pronunciar apenas nos próximos dias.

Procurados, o Planalto e o Itamaraty informaram que a resposta seria dada pelo Ministério da Justiça. A pasta afirmou que colabora com todos “os esforços e garante auxílio integral às investigações relacionadas à Operação Lava Jato”. Procuradoria-Geral da República não comentou o caso.

Nova Fase. Na PGR, a percepção é de que a leva de colaborações premiadas em andamento amplia de forma inédita as investigações, o que exigirá uma nova fase na cooperação internacional. Fontes indicam que as delações, principalmente a dos 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht, atingirão integrantes do governo Temer.

Para desbloquear a nova fase, caberá ao Brasil apresentar aos suíços os novos nomes das delações e pedir a Berna confirmações sobre a existência de contas e de depósitos em nome de políticos e partidos. Fontes brasileiras dizem acreditar que, com os servidores da Odebrecht confiscados na Suíça, a procuradoria em Berna poderá auxiliar no esforço de confirmar as informações passadas por delatores.

Uma dimensão central da cooperação é a de identificar não apenas para quem o dinheiro foi pago, mas quem de fato foi o beneficiado final. Os suíços já apontaram que campanhas eleitorais e políticos foram abastecidos por recursos em contas no país europeu.

A cooperação entre Brasil e Suíça na Lava Jato começou de forma sigilosa em novembro de 2014, com um pedido de colaboração por parte dos brasileiros. Desde então, a procuradoria suíça abriu mais de 60 processos criminais, congelou cerca de mil contas bancárias em 42 instituições financeiras, prendeu brasileiros, fez operações de busca e apreensão e ainda confiscou servidores da Odebrecht com o equivalente a 2 milhões de páginas de documentos e dados.

No total, os suíços já autorizaram a repatriação de US$ 190 milhões ao Brasil. Mais de US$ 600 milhões estão bloqueados à espera de uma definição do que vai acontecer no País.

 

 

Recursos

- US$ 190 mi é a repatriação autorizada pelas autoridades da Suíça ao Brasil.

- US$ 600 mi permanecem bloqueados no país europeu à espera de definição.


 

PONTOS-CHAVE

Ações tomadas pelos suíços na Lava Jato

 

- Eduardo Cunha

Em 2015, a Justiça da Suíça bloqueou cerca de US$ 5 milhões em contas secretas que seriam de Eduardo Cunha (foto) e de sua mulher, Cláudia Cruz.

 

- Documentos

No ano passado, a Justiça suíça autorizou envio ao Brasil de documentos da Odebrecht relacionados às investigações da Operação Lava Jato no país europeu.

 

- Executivo

Em novembro, MP da Suíça abriu procedimento penal contra o executivo brasileiro Mariano Marcondes Ferraz (foto), em desdobramento da Lava Jato.

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E agora?

 

Eliane Cantanhêde

 

Se até as leis e os próprios artigos da Constituição são passíveis de interpretação e adaptações às circunstâncias ou ao interesse do País, imaginem-se os regimentos.... Não fosse assim, os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, que reúne, em tese, os mais brilhantes juristas, seriam sempre por unanimidade. Não são e, até por isso, há 11 ministros, um número ímpar, para evitar constrangedores empates.

Nestes dias de luto pela morte do ministro Teori Zavascki, justo ele!, a presidente Cármen Lúcia e seus colegas têm se debruçado menos sobre leis e mais sobre o regimento da Corte, buscando algo essencial em política, mas teoricamente evitado no Direito: o consenso. A escolha do novo relator da Lava Jato, a maior investigação de corrupção de todos os tempos, tem de seguir o regimento, mas deve também recorrer às brechas para evitar uma pessoa errada, na hora errada, no lugar errado – o oposto de Teori.

Aguardar a nomeação do novo ministro do tribunal pelo presidente Michel Temer? Fazer um sorteio eletrônico incluindo todo o plenário? Ou um sorteio entre os integrantes da Segunda Turma? Remanejar um ministro da Primeira para a Segunda Turma e ungi-lo relator? Ou Cármen Lúcia analisar as brechas, ouvir os seus pares, recorrer ao seu decantado bom senso e avocar poderes para “determinar a redistribuição” da relatoria da Lava Jato (artigo 68)? Cada uma dessas soluções, contempladas nos artigos 38 e 68 do regimento, tem problemas, suscita dúvidas e pode gerar desgaste. Mas a menos responsável é a do sorteio. Sorteio em casos dessa gravidade é falta de critério, comodismo, até covardia. Aperta-se um botão e sai de lá o sortudo – ou azarado? – relator da Lava Jato? Pode estar no regimento, mas não parece razoável.

Todos os ministros, em tese, têm preparo técnico para a função, mas a questão envolve também independência, serenidade, discrição e credibilidade na opinião pública.

Vamos considerar o não julgamento do fatiamento da Constituição no impeachment de Dilma Rousseff, a decisão pragmática sobre a destituição monocrática do presidente do Senado e o apoio unânime à liminar concedida de madrugada pelo próprio Teori para afastar Eduardo Cunha da Câmara e ao mesmo tempo evitar um mal maior.

Conclui-se que poderá haver uma grande costura para usar o regimento a favor do melhor nome. Que assim seja! Tanto quanto Cármen Lúcia, Temer também está numa enrascada.

Ela, para conduzir a sucessão de Teori na relatoria da Lava Jato. Ele, para nomear o novo ministro do Supremo, o que não estava no seu horizonte. Com o acréscimo de que, se decidir indicar Alexandre de Moraes, terá não só um, mas dois problemas. O outro será a substituição na Justiça, em tempos de massacres nas prisões e oportunismo dos governadores.

Como professor de Direito Constitucional, com livros publicados, Temer sofre a influência do mundo jurídico.

Como ex-presidente da Câmara e do PMDB, está à mercê da angústia de ministros, governadores, deputados e senadores alvo do STF, até da Lava Jato. Aliás, como ele próprio, lateralmente.

Exige um equilíbrio difícil, desgastante, e ele não pode errar. O escolhido não pode ser crítico da Lava Jato nem quem queira pôr fogo no circo – e no Congresso.

Ontem foi o dia do velório, do enterro, das justas homenagens dos principais nomes da República a um ministro considerado exemplar na condução da maior ação anticorrupção jamais feita neste país. A partir de hoje, é esperar que Cármen Lúcia e Temer conduzam essas questões tão delicadas, que envolvem tanta responsabilidade e tantas suscetibilidades, pensando no andamento adequado para a Lava Jato, e também em como 2017 e eles próprios entrarão para a história.

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Ministério diz que aguarda minuta da Procuradoria

 

O Ministério da Justiça informou que aguarda o envio de documentação da Procuradoria- Geral da República que será encaminhada às autoridades da Suíça para concretizar a formação de uma equipe conjunta de investigação de casos de corrupção na Operação Lava Jato.

De acordo com nota divulgada pelo ministério, em uma reunião realizada em novembro passado, na sede da Procuradoria- Geral da República, com representantes dos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores, ficou decidida a formação de uma equipe conjunta de investigação nos moldes solicitados pelas autoridades suíças.

“De comum acordo”, conforme a pasta, foi acertado que a PGR prepararia uma minuta sobre a forma em que se daria a cooperação com o país europeu e a enviaria para as duas pastas.

Segundo o Ministério da Justiça, em 7 de dezembro foi encaminhada pela Procuradoria-Geral uma minuta com versão apenas em inglês. A Secretaria Nacional de Justiça, então, analisou o material e, somente no dia 18 daquele mês, solicitou à PGR que enviasse oficialmente a minuta também em português, “para que todos os requisitos formais fossem observados”.

“Assim que houver o retorno dessa documentação, será possível enviar a minuta para as autoridades suíças e concretizar a formação da equipe conjunta de investigação”, disse o Ministério da Justiça na nota.

Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral não se manifestou sobre o assunto. O Ministério Público da Suíça também não se pronunciou. O Itamaraty indicou que a resposta seria dada pelo Ministério da Justiça. A pasta afirmou que “realiza todos os esforços e garante auxílio integral às investigações relacionadas à Operação Lava Jato”.

Histórico. Em 14 de setembro de 2015, as autoridades suíças solicitaram ao Brasil a formação de uma equipe conjunta de investigação.

Somente pouco antes do afastamento da então presidente Dilma Rousseff, o governo da petista enviou, em 10 de maio do ano passado, a proposta brasileira. Em 17 de agosto, as autoridades suíças comunicaram ao País que a sugestão não foi aceita. De acordo com o Ministério da Justiça, com a negativa da Suíça, decidiu-se, então, criar a equipe conjunta de investigação nos moldes propostos pelo governo anterior. Assim, a Secretaria Nacional de Justiça retomou as negociações.