Políticos reagem com atraso de sete dias

Matheus Teixeira e Renato Souza

11/02/2017

 

 

Governador do Espírito Santo anuncia pacote de punições contra policiais e consegue negociar o fim da greve. Depois do movimento de insubordinação ter chegado ao Rio, o presidente Michel Temer divulgou nota condenando os atos dos PMs

 

 

Mais de uma semana após o início da greve da Polícia Militar do Espírito Santo, que influenciou familiares de PMs do Rio de Janeiro a fazerem um protesto similar, os políticos reagiram contra as paralisações. Enquanto o presidente da República, Michel Temer (PMDB), veio a público pela primeira vez desde o início do caos instalado para comentar o assunto e criticar o movimento grevista, o Executivo daquele estado anunciou o indiciamento de 703 integrantes da corporação acusados de participar do motim. A estratégia capixaba pelo menos parece ter dado certo: os policiais decretaram ontem à noite o fim da greve. No Rio, temendo uma onda de violência, prefeitos assumiram a responsabilidade do estado e anunciaram o pagamento de salários atrasados de policiais.Indiretamente, Temer se justificou por ter comentado o caso apenas sete  dias e 127 homicídios depois, ao dizer que tem tratado da questão diariamente com o governador Paulo Hartung. A crise na segurança coincidiu com a ausência de um titular na pasta responsável pelo tema na Esplanada, o Ministério da Justiça e Segurança Pública — Alexandre de Moraes, que estava à frente do órgão até semana passada, foi indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF). Sem o auxiliar direto que responde pela área, Temer escalou o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, a visitarem hoje o Espírito Santo.

 

Pressão 
Com os indiciamentos, a queda de braço entre governo e polícia deve parar, mais uma vez, na Justiça. Nesta semana, o governo já tinha ganhado a primeira batalha no Judiciário, que havia determinado o fim da paralisação sob a alegação de que a corporação não pode entrar em greve, conforme a Constituição. Apesar de não admitir oficialmente, a abertura de processo contra os 703 PMs fez parte de uma estratégia a fim de pressionar os policiais a encerrarem a greve, pois o governo pode rever a posição e suspender os processos enquanto os acusados não se tornarem réus.Especialistas ouvidos pelo Correio acreditam ser improvável que os indiciamentos resultem em condenações na esfera penal ou na expulsão do serviço público. “O governo tenta resolver o caso por meio do temor, de uma medida de força. O correto seria reunir um grupo de representantes dos policiais e negociar. As chances desse processo avançar para uma responsabilização penal não são muitas. É uma quantidade muito grande de policiais, seria um impacto muito grande na segurança pública”, analisa o professor de direito penal da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Paulo Castelo Branco.
Além disso, o advogado Luis Fernando Siqueira destaca que a tramitação do processo pode se arrastar por um bom tempo, tanto na esfera criminal quanto na administrativa. “Se fosse no DF, levaria em torno de um ano. E tem caso que vai muito além disso”, diz. Ele avalia a atitude do governo capixaba como política.

“Ainda podem recuar. Acho que o objetivo principal foi dar um susto para facilitar a negociação”, analisa Siqueira.Em outras situações extremas, servidores públicos chegaram a ser presos, mas foram inocentados mais tarde. Em 2011, no Rio de Janeiro, 439 bombeiros foram detidos em uma ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) por ocuparem o quartel central da corporação. Meses depois, o Congresso Nacional aprovou a anistia de todos eles. E, antes disso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia suspendido o processo contra os bombeiros.O medo de a onda de violência no Rio tomar proporções parecidas com as do Espírito Santo fez os políticos agirem. Anteontem, diante da informação de que poderiam dar início a uma greve, o governo estadual anunciou para o dia 14 o pagamento de vencimentos atrasados. Ontem, foi a vez de prefeitos se mobilizarem. O de Niterói, Rodrigo Neves (PV), dará um auxílio de R$ 3,5 mil para todos os policiais que atuam no município; o de Macaé decidiu ajudar a pagar o 13º dos oficiais do 32º Batalhão daquele estado.

Crime e castigo

O que diz o Código Penal Militar?
O artigo 149 do Código Penal Militar (CPM) prevê que militares que se reúnem, desobedecendo ordens 
de superiores, armados, em ato  de revolta, podem pegar de 8 a 20 anos de prisão. 
O artigo 142 da Constituição Federal proíbe militares de se sindicalizarem e de realizarem greves.


Etapas do processo
» Indiciamento: nessa etapa o governo denuncia os policiais por crimes. A partir daí é criada uma comissão de policiais para averiguar a conduta dos PMs acusados. A comissão pode ser integrada por policiais da Corregedoria da Polícia Militar. Se a comissão chega a conclusão de que houve crime, deve apontar quem violou a lei. Ou seja, os policiais infratores são identificados.

» Duração: de acordo com o artigo 20 do Código de Processo Penal Militar (CPPM) o inquérito, que investiga a conduta dos policiais dura no mínimo 20 dias, se os acusados estiverem presos e, no máximo, 60 dias se estiverem em liberdade.

» Avaliação do juiz: nesta fase do indiciamento, o juiz do tribunal militar recebe o inquérito e envia ao Ministério Público, que vai avaliar se houve crime. Se os promotores entenderem que não existem provas suficientes, não ocorre a denúncia. Caso o Ministério Público identifique indícios mínimos para caracterizar o crime, a denúncia é feita ao magistrado.

» Decisão do juiz: nesta etapa, o juiz recebe novamente a denúncia e analisa o caso. Se ele entender que houve crime, está aberto o processo em 1ª instância. A partir daí ouve-sem os réus, as testemunhas, os advogados de defesa e os demais envolvidos. Nesta etapa será definida a sentença. É possível recorrer para 2ª instância em caso de condenação. Mas nesta etapa, os policiais já podem ser demitidos do serviço público.

» 2º instância: caso ocorra condenação em 1ª instância e o réu recorra, passa para segunda instância. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, os condenados podem ser presos a partir desta condenação.

Tipologia dos processos:

» Penal: é a responsabilização criminal pelos atos cometidos.

» Administrativo: pode resultar em sanções e até expulsão do serviço público. Não depende de condenação penal para ter um resultado.

» Civil: este tipo de responsabilização pode ser aplicada aos familiares dos policiais. Os acusados podem arcar com processo civil por conta de impedir o serviço público de funcionar. Um exemplo de condenação seria a obrigatoriedade de arcar com os custos do envio de tropas federais para o estado.

» Processo coletivo: é possível que as acusações contra os 703 policiais integrem um processo coletivo. Mesmo que a Justiça decida por ações separadas, para resguardar o direito de defesa e as particularidades dos casos, todos os processos podem tramitar juntos no Tribunal Penal Militar.

 

 

Correio braziliense, n. 19619, 11/02/2017. Política, p. 02.