Reforma da Previdência sem imprevidência

Dioclécio Campos Júnior

11/02/2017

 

 

A previdência social representa um grande avanço no universo trabalhista da humanidade. Consolidou prerrogativas importantes para a cidadania. Porém, ao longo do tempo, sua insegurança operacional tem se revelado preocupante. Requer mudanças das normas do dispositivo legal pertinente, respeitadas as peculiaridades de cada país.Trabalhadores em fase de vida produtiva sustentam a economia da sociedade. São a fonte da energia que não pode ser esgotada, sob pena de se gerar empobrecimento e injustas consequências para o povo. Se desativada, desencadeará crises de difícil controle, pondo em risco a aposentadoria que, na verdade, é o benefício social criado para assegurar o direito inalienável do trabalhador.A palavra previdência vem do latim, praevidentia, significa capacidade de prevenir, antevidência do que pode ocorrer em tempos futuros. Assim, a força do trabalho há de ser mantida e devidamente renovada a fim de que as gerações se sucedam na coerência dimensional da produtividade. De fato, a população de trabalhadores envelhece e atinge a fase de incapacidade produtiva. É um fenômeno natural, biológico. O idoso precisa retirar-se da atividade laboral para uma vida saudável no período de existência que lhe resta. Sua retirada não é protelável e sua substituição pela mão de obra emergente é a única alternativa para que não haja solução de continuidade.


Um dos maiores desafios que o Brasil enfrenta, no momento de profunda crise econômica, é a promoção de incentivos que permitam reverter o caos previsto para o seu sistema previdenciário. Se não houver compromisso efetivo com a cidadania, no processo de reconstrução de uma estrutura econômica já demolida à exaustão, não será possível proceder aos avanços esperados. A instabilidade previdenciária é de origem multifatorial. Envolve componentes humanos, econômicos, demográficos e sociais a serem considerados ao se cogitar a medida cabível para sua reversão.O projeto de reforma da Previdência do atual governo eleva a idade mínima de aposentadoria para 65 anos. O intuito é manter os trabalhadores por mais tempo na ação produtiva. A razão alegada é o aumento da esperança de vida ao nascer, já alcançado no país. No entanto, o nível de produção de uma sociedade não decorre única e tão somente do tempo de vida do cidadão no trabalho. Supõe, acima de tudo, saúde e educação de qualidade na formação do futuro trabalhador, requisitos sem os quais a pobreza nacional seguirá irremovível.Ademais, o cenário demográfico de hoje, que desestabiliza a sobrevivência da sociedade, não tem sido levado em conta. Trata-se da impossibilidade de se recompor a população brasileira nas próximas gerações. As evidências são irrefutáveis. O indicador que fala mais claro é a taxa de fecundidade, que corresponde ao número de filhos por mulher durante todo o seu período de vida reprodutivo. Sem o nascimento de quantidade suficiente de crianças, as futuras gerações estarão numericamente encolhidas, com evidente risco de degradação econômica. Desde os anos 1960, a taxa de fecundidade média nacional entrou em declínio acentuado. Caiu de 6,2 para 1,7. De acordo com estudos científicos, quando a taxa de fertilidade de um país está abaixo de 2,1, a população deixa de ser renovada progressivamente, tornando-se insustentável a economia. Por outro lado, além de gerar menos crianças, o atual modelo da sociedade brasileira não assegura condições para que a esperança de vida ao nascer seja convertida em realidade. Os exemplos são chocantes. Multidão de jovens na idade produtiva encontra-se no apavorante sistema penitenciário. O maior índice de homicídios do planeta é o do Brasil — 29,1 para cada 100.000 habitantes — com um total de quase 60 mil por ano, metade dos quais na faixa etária de 16 a 17 anos. Cerca de 40 mil crianças morrem a cada ano, antes de completarem o primeiro ano de vida. Outras 40 mil desaparecem anualmente.

Em conclusão, a reforma da Previdência só fará sentido se fundamentada nos indicadores sociais e demográficos do país. A solução é criar benefícios que estimulem a retomada da natalidade, tais como a redução de 5 anos na idade mínima de aposentadoria para os casais que tiverem de 2 a 3 filhos bem acolhidos durante a infância e adolescência; o seu atendimento prioritário nas unidades de saúde e educação; e a isenção do pagamento da Previdência quando aposentados.(...)

 

MÉDICO, PROFESSOR EMÉRITO DA UNB, EX-PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, MEMBRO TIRULAR DA ACADEMIA BRASILEIRA DE PEDIATRIA E PRESIDENTE DO GLOBAL PEDIATRIC EDUCATION CONSORTIUM (GPEC) 'E-MAIL: DICAMPOSJR@GMAIL.COM

 

 

Correio braziliense, n. 19619, 11/02/2017. Opinião, p. 11.