ENTREVISTA - Marcelo Carvalho

Antonio Temóteo

13/02/2017

 

 

O Brasil deixou para trás o ciclo vicioso de retração econômica, inflação e juros em alta, avalia o economista-chefe para a América Latina do banco BNP Paribas, Marcelo Carvalho. Com a mudança de governo, o país voltou para o cenário virtuoso. Na opinião dele, que é doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA), a aprovação de reformas garantirá um crescimento de 1% no Produto Interno Bruto (PIB), neste ano, e de 3% em 2018.Carvalho alerta, no entanto, que a pujança da geração de riquezas no país só voltará com a aprovação de medidas que tornem o país mais competitivo, como a reforma trabalhista e a tributária. Para o economista do BNP Paribas, a questão da inflação está equacionada com a perspectiva de reequilíbrio fiscal e pela própria recessão que atinge o país. Segundo ele, a inflação tende a cair abaixo de 4% e, caso se mantenham as expectativas, o Banco Central (BC) reduzirá os juros para até 8% ao ano no fim de 2017.Na opinião de Carvalho, todas as mudanças abrem espaço para que o governo reduza a meta de inflação do país, hoje em 4,5% ao ano. “O Brasil tem sim total condição e ambição de perseguir metas menores, mais parecidas com o padrão do mundo emergente”, comentou. Com a melhora do cenário doméstico, Carvalho se diz otimista em relação às concessões saírem do papel. “Acho que agora mudaram a mentalidade e a abordagem do governo. Antes era uma mentalidade de definir a taxa interna de retorno máximo. E, se não aparece ninguém no leilão, você dá um crédito subsidiado do BNDES”, relembra. Veja os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

 

A economia brasileira já chegou ao fundo do poço?
Se a gente não chegou ao fundo do poço, estamos muito perto. Há uma dúvida de como será o primeiro trimestre, se será positivo ou negativo. Mas não tenho a menor dúvida de que a gente termina 2017 muito melhor do que começou porque todos os fatores apontam nessa direção. Os indicadores de confiança já apontam para uma recuperação. E o mais importante nessa equação é a política monetária. O Banco Central já corta os juros há algum tempo e agora em um ritmo mais intenso e acelerado, que deve perdurar em um futuro próximo. Isso faz muita diferença. É claro que há defasagem, a recuperação da economia não é instantânea, mas tudo leva a crer, e tenho muita confiança nisso, que teremos números positivos nos próximos trimestres.

O BC demorou a iniciar esse processo de queda de juros?
Sempre há esse debate. O importante no fim das contas é que o BC acertou no conjunto do que está fazendo até agora. Você pode debater cada reunião específica, mas, no conjunto da obra, ele acertou. Eu digo isso porque as expectativas de inflação estão muito bem ancoradas. Não só para este ano, como para os próximos. Você tem as expectativas de longo prazo ancoradas em 4,5% ao ano. E, se você olhar a média em vez da mediana, que é um detalhe técnico, já tem gente esperando números abaixo de 4,5%. Isso também está presente no ranking top 5 do BC. No BNP, particularmente, a gente já espera inflação de 4% em 2017. Mais importante do que isso, já há um debate, olhando para os próximos anos, se a meta de inflação não precisa diminuir.

Então o BC está no caminho certo? 
A última decisão do BC foi importante porque trouxe um corte de 0,75 ponto percentual, maior do que o esperado pelo mercado, mas ninguém disse que eles erraram ou foram agressivos demais. E isso se mostra nas próprias expectativas de inflação. Se tivesse sido um erro, a turma diria que o BC estava ‘viajando na maionese’ e a inflação subiria lá na frente. A curto prazo, a curva de juros cairia e subiria no longo. Mas isso não aconteceu. A curva de juros se deslocou para baixo e a curva de inflação ficou bem comportada. O BC, portanto, está com uma estratégia correta.

Você mencionou a possibilidade de o governo reduzir a meta de inflação. Você é favorável a essa mudança?
Sou favorável. Mas há um debate de quando é o momento oportuno para se fazer isso. Pensando nos próximos anos, faz todo o sentido termos a ambição de buscar metas menores. O próprio Ilan Goldfajn (presidente do BC) já afirmou isso e eu sou favorável.

Qual a sua estimativa para juros em 2017?
No início de 2016, tudo dava errado e a gente tinha perspectivas de que os juros subiriam muito. Aí houve o impeachment em maio do ano passado e uma mudança radical de cenário. Naquele momento passamos a esperar inflação na meta em 2017; o BC vai cortar os juros para um dígito, para 9% em 2017. O consenso que estava em dois dígitos gradualmente caiu. Naquela época, todo mundo dizia que estávamos doidos. Mas 9% está no Focus. Mudamos agora para 8% a estimativa de juros para o fim deste ano.

O que te leva a crer que os juros cairão de maneira tão agressiva? Por que o BC terá essa ousadia?
Por várias razões. A primeira está ligada a juros reais. O juro real médio no Brasil é de 5%. Se você tem uma inflação que cai para 4% este ano e juros reais de 5%, já temos juro nominal abaixo de um dígito. Há expectativa de que, se os juros caírem abaixo da média histórica, eles ficarão abaixo dos 5%. Mais do que isso, a política monetária depende do fiscal e do parafiscal. O fiscal vinha extremamente expansionista nos últimos anos, agora segura a onda. Existe um teto para crescimento dos gastos. Não haverá a expansão. Quanto menos expansão fiscal, mais espaço se tem para afrouxar a política monetária.

O mercado vê uma postura mais restritiva do governo em relação à política fiscal, mas existem sinais contraditórios, como a aprovação de reajustes salariais para diversas categorias de servidores. Além disso há o risco de estados e municípios quebrarem. Isso não é um problema?
Há um risco, sim, mas são compreensíveis. Tem mais a ver com o passado do que com o futuro. Os reajustes de salários, segundo o governo, foram acordados na gestão passada e não quiseram mexer nisso. No caso dos estados, é a mesma coisa. O importante é como será a regra do jogo daqui para frente. E a regra parece cada vez mais clara. Tem um teto para crescimento dos gastos, inviável sem mexer na Previdência. Mas o governo já enviou um projeto ousado que será discutido sobre o assunto. Na questão dos estados, não dá para bobear. São três os que estão em situação mais crítica e me parece que o que o governo propõe faz sentido. O pior cenário seria oferecer ajuda sem contrapartidas, não é o que está acontecendo. Há um monte de riscos, mas acho que a direção é muito positiva.

O seu cenário é otimista e muito bem fundamentado, mas o risco político ainda existe?
Existe. Mas, antes de falar dele, me permita falar de outro componente importante da redução de juros. O tal do parafiscal é a política de crédito. Os bancos públicos emprestavam como se não houvesse amanhã há vários anos. Uma política que em 2008 era compreensível, por ser contracíclica, mas durou tempo demais. Tanto é que agora existe a percepção de que é necessário colocar a casa em ordem e já há uma inflexão. Lembrando que mudou não só o volume de crédito, como também o preço, com alta de TJLP. Esse canal do crédito que está entupido e até contracionista é uma reversão do expansionismo exagerado dos últimos anos. Isso faz diferença. Hoje, com política de crédito contracionista, há mais espaço para o BC cortar os juros. Há aqui uma questão mais estrutural do que conjuntural. Os juros no Brasil são altos por vários motivos, mas também porque boa parte do crédito no Brasil é subsidiada. Com redução do crédito subsidiado, há mais espaço para a Selic ser menor.

E o risco político?
O risco político existe aqui e lá fora. A questão política é importante porque tem implicações para a economia. O principal risco aqui dentro são fatos que possam comprometer a capacidade do governo de avançar com reformas estruturais no Congresso Nacional. Enquanto isso não acontece a gente tem uma perspectiva positiva em relação a reformas. Tem o risco, sim. Se são questões que envolvem pessoas importantes, mas não exatamente o Temer, a interpretação do mercado é de que haverá avanço. E é isso que temos visto nos últimos meses. Apesar de todo o barulho político dos últimos meses, o governo avançou com as reformas e isso foi rápido, por exemplo, na questão do teto. Saiu melhor do que entrou. 

O governo propõe reformas que são unanimidade há anos. O que o Brasil precisa fazer para ser um país pujante e atrativo para 
receber investimento?

Se você perguntar para os economistas qual o crescimento potencial do Brasil, a maioria dirá que está perto de 2%. O que é pouco para uma economia emergente. Para crescer mais, a gente precisa sair da beira do precipício e é isso que o governo está tentando fazer de maneira bem-sucedida com as reformas. Está tentando tirar o paciente da UTI. A gente ia bater no muro do jeito que a coisa andava. Mas não é o suficiente. Além do teto e da reforma da Previdência, outras mudanças são necessárias para que o país cresça mais, como as reformas tributária, trabalhista, e a melhora no ambiente de negócios. E já há alguma sinalização nesse sentido. 

Por que a reforma da Previdência é tão importante para o governo e para a sociedade?
Ela tem que ser feita porque existe uma promessa que não poderá ser cumprida, dado o envelhecimento da população, entre outros fatores. O mundo mudou. Quando a Previdência foi estabelecida lá atrás as pessoas viviam menos. Escolhendo um aspecto, a idade mínima é importante. Todo mundo sabe que o brasileiro se aposenta em média, por tempo de contribuição, aos 54 anos. Os trabalhadores se aposentam novos! Temos uma conta que não fecha. A reforma é importante para garantir que o trabalhador de hoje tenha aposentadoria amanhã.

O mercado de trabalho continuará a piorar? Que setores podem gerar empregos?
Olhando os números, fica claro que o mercado reage com defasagem. Quando a economia já não estava uma maravilha no Brasil, o mercado de trabalho continuava aquecido. Mas, quando virou, o movimento foi muito forte e passou de dois dígitos. E acho que ainda piora antes de melhorar. Se a gente está no fundo do poço agora, até o crescimento da economia se traduzir na geração de empregados, estamos falando do segundo semestre deste ano. E será uma recuperação gradual. Alguns setores vão muito bem, independentemente da crise, como o agronegócio, que gera emprego. As projeções apontam uma safra recorde. Esse setor ilustra a afirmação de que a economia reage de maneiras distintas. Acho que setores ligados à indústria tendem a ter um desempenho melhor em relação a serviços e consumo.

Qual sua expectativa para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2017 e 2018?
Para 2017 espero crescimento de 1% e, para 2018, de 3%.

O que justifica o crescimento de 1% da economia em 2017?
O agronegócio vai bem. O setor externo pode ser favorável também. Nesse cenário com Trump (Donald, presidente dos EUA), se você tem mais investimentos em infraestrutura nos Estados Unidos, há maior demanda por aço e minério de ferro. Por acaso, o Brasil é um dos maiores exportadores de minério de ferro no mundo. Esse aumento recente do preço da commoditie reflete uma combinação de fatores. E uma economia chinesa que continua bem. A alta dos investimentos também ajudarão.

As concessões saem do papel em 2017?
Eu acho que sim. Estou otimista com as concessões, mas sempre com a observação de que esse processo é demorado. Estamos falando de vários meses. Se a coisa anda rápido, leva seis meses. Algo para o fim do ano ou segundo semestre. Me sinto otimista porque eu acho que agora mudaram a mentalidade e a abordagem do governo. Antes era uma mentalidade de definir a taxa interna de retorno máximo. E se não aparece ninguém no leilão você dá um crédito subsidiado do BNDES. São várias distorções em que o resultado final não anda. Agora não. São termos de mercado. BNDES tem papel muito menor. O importante é ter regras claras. As concessões terão edital em inglês e em português. E há demanda para que os editais sejam publicados também em espanhol. É uma abordagem mais amigável ao mercado.

A percepção do investidor estrangeiro em relação ao Brasil melhorou?
Eu não tenho dúvida de que mudou e melhorou muito. A gente passou de um cenário de ciclo vicioso para ciclo virtuoso. Antes parecia que tudo dava errado. Economia em recessão, inflação subindo, BC elevando juros e corte no selo de bom pagador pelas agências de classificação de risco. E agora tudo isso com sinal invertido. O interesse do gringo é recente, com cautela. 

“O importante é ter regras claras. As concessões terão edital em inglês e em português. E há demanda para que os editais sejam publicados também em espanhol. É uma abordagem mais amigável ao mercado.”

“Esse é o desafio, quebrar essa espinha dorsal das expectativas de inflação e acho que estamos indo nesse caminho. Seria um desperdício jogar fora essa recessão imensa dos últimos dois anos sem, com isso, trazer a estrutura de inflação para baixo.”

“Os juros no Brasil são altos por vários motivos, mas também porque boa parte do crédito no Brasil é subsidiado. Com redução do crédito subsidiado, há mais espaço para estruturalmente a Selic ser menor.”

“Apesar de todo o barulho político dos últimos meses, o governo avançou com as reformas e isso foi rápido, por exemplo, na questão do teto. Saiu melhor do que entrou. E já tem uma proposta bem ousada de previdência.”

 

 

Correio braziliense, n. 19621, 13/02/2017. Economia, p. 7.