Trump expões nacionalismo

Rodrigo Craveiro

25/02/2017

 

 

 

O local não poderia ter sido mais icônico: a 44ª Conferência Anual da Ação Política Conservadora (CPAC, pela sigla em inglês), em National Harbor, no estado de Maryland. Donald Trump, o primeiro presidente dos Estados Unidos a comparecer ao encontro desde Ronald Reagan, em 1981, fez um dos discurso mais nacionalistas dos últimos tempos. Horas depois de desferir ataques ao FBI – a polícia federal dos EUA –, o republicano anunciou a maior militarização da história do país, disparou contra a imprensa (leia abaixo), retomou a retórica da supremacia norte-americana e do nacionalismo, prometeu acelerar a construção do muro na fronteira com o México e garantiu que imigrantes começaram a ser deportados. Por várias vezes, foi interrompido com aplausos. “A era das palavras vazias acabou. Isso acabou. Agora é o momento da ação”, declarou ao público conservador. “Agora, vocês finalmente têm um presidente. Finalmente. Levou muito tempo. (…) E são patriotas como vocês que fizeram isso acontecer (…), porque vocês querem a América grande novamente.”

Em um dos trechos mais polêmicos do discurso, Trump afirmou que está enviando um “enorme pedido de orçamento para os nossos amados militares”. “Ninguém vai mexer com a gente”, avisou, ao garantir que as forças armadas serão “maiores, melhores e mais fortes do que nunca”. “Ninguém ousará questionar a nossa força militar novamente. Acreditamos na paz por meio da força, e é isso que teremos”, disse, ao jurar que erradicará o “mal” do Estado Islâmico da face da Terra.

O tom nacionalista também ficou evidente quando o republicano admitiu que o muro de segurança na fronteira com o México será construído “em breve” e “muito à frente do cronograma”. “Estamos expulsando pessoas más deste país, pessoas que não deveriam estar aqui – quer se trate de drogas ou assassinatos ou outras coisas.” Ontem, as autoridades mexicanas advertiram os EUA que não receberão migrantes deportados de outros países. “Fomos muito claros nesse sentido e não vamos receber. Não podemo deixar ali na fronteira, porque teremos de recursar. Não há possibilidade de que sejam recebidos pelo México”, destacou.

 

DIVERGÊNCIAS

Barbara Kellerman, professora do Centro para Liderança Pública da Universidade de Harvard e autora de Hard times: Leadership in America (Tempos difíceis: Liderança na América, em tradução livre), afirmou ao à reportagem que é preciso separar a oratória das ações de Trump. “Não temos 100% de certeza de que esse homem será presidente pelos quatro próximos anos”, alertou. Ela lembrou que, desde o anúncio da candidatura à Casa Branca, em junho de 2015, o magnata praticamente mão mudou a sua retórica. “Desde que assumiu o governo, em 20 de janeiro, temos visto que três ou quatro de seus conselheiros mais próximos disseram coisas bem diferentes das que ele declarou sobre áreas específicas, como segurança nacional, defesa e militarização. Nunca na história da Presidência dos EUA tivemos um chefe de Estado que repetia a mesma coisa e seus assessores diziam versões bem diferentes”, lembra.

A especialista de Harvard comenta que, para tornar o discurso uma realidade, Trump precisará não somente do apoio do establishment da Segurança Nacional, mas do aval do Congresso. Segundo ela, existem mais pessoas protestando nas ruas contra o presidente como não se via desde a Guerra do Vietnã. Kellerman considera o nacionalismo uma tendência global, que tomou fortes proporções na Europa após o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia. “As pesquisas mostram que a taxa de aprovação de Trump é a mais baixa de um presidente com um mês de governo. Não sabemos se ele manterá popular essa retórica nacionalista no próximo ano.”

FBI Por volta das 7h20 de ontem (hora local), Trump usou o Twitter para fazer fortes críticas ao FBI. “O FBI é totalmente incapaz de deter os 'vazadores' da segurança nacional que têm permeado nosso governo por um longo tempo. Eles nem sequer podem encontrar os 'vazadores' dentro do próprio FBI”, escreveu. “As informações secretas estão sendo dadas à mídia, o que pode ter efeito devastador nos EUA. Localizem-nos agora”, exigiu, em alusão às acusações sobre encontros de assessores de Trump com agentes da inteligência russa durante a campanha. Para Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), os vazamentos são a confirmação de que as agências de inteligência estão determinadas a continuar com as investigações que possam ser desagradáveis para Trump. “A apuração é apoiada pelo Congresso. Trump quer minar essa prática, quando a Casa Branca não tem direito de ditar os serviços de inteligência. O presidente age de forma imprudente, e suas atitudes podem provocar novos ataques por parte dos serviços especiais e da mídia”, explicou Shevtsova à reportagem.

 

 

Correio braziliense, n. 19633, 25/02/2017. Política, p. 12.