A reforma da Previdência Social

Sacha Calmon

26/02/2017

 

 

 

Li no jornal: “A reforma que o governo está propondo para a previdência social só terá efeito pleno dentro de 20 anos, quando a janela proporcionada pelo atual bônus demográfico estará fechada. O número de brasileiros na faixa de 20 a 30 anos alcançou seu ponto máximo em 2010 e, desde então, diminui a cada dia. Isso explica porque lá por volta de 2040 teremos muito menos contribuintes, e muito mais aposentados e pensionistas, se mantidas as regras em vigor na previdência. Sem a reforma, o país estará mais para Haiti do que para uma nação rica do Norte da Europa”.

Disse um especialista em planos privados de saúde: “Um dos lados mais dramáticos da crise é o que acontece na saúde. Falido, o setor público não consegue mais bancar o aumento de despesas do setor. A procura por atendimento na rede pública aumentou também devido à redução do número de beneficiários dos planos de saúde. De agosto para cá, até que a receita dos planos tem aumentado, mas sem conseguir acompanhar a evolução das despesas. Os planos de saúde perderam mais de 900 mil beneficiários no período de doze meses até setembro de 2016. A maior parte em São Paulo (549 mil) e no Rio de Janeiro (319 mil). Se forem considerados os planos de atendimento médico, sem levar em conta os odontológicos, a redução do número de beneficiários chega a 1,5 milhão, basicamente por causa das demissões nas empresas. Os planos empresariais respondem por dois terços do total de planos de saúde no país. Assim, quando a economia se retrai, cai junto o número de pessoas atendidas”.

O governo precisa ser didático, fazer desde logo um demonstrativo convincente para mobilizar a opinião pública em seu prol. O lulopetismo, desmoralizado, procura cooptar o povo, falando mal da reforma da Previdência, que este ano está sobrecarregada com os auxílios em manutenção dos desempregados pela recessão criada por Dilma.

Em artigo de 2/12/16 no O Valor, Marcelo d’Agosto (“Reforma da Previdência… longe do justo”) fez várias simulações a partir das quais concluiu: “Os números sugerem que a proposta da reforma da previdência é injusta com as empresas e os trabalhadores do setor privado”. A história brasileira, disse ele, teve vários momentos que cobravam decisões duras para a construção de um país justo. Um foi o intenso debate sobre os escravos receberem indenização. A maioria teria condições de organizar suas vidas após a abolição. Milhões de escravos, durante séculos, não puderam acumular patrimônio (educação formal, casebres, equipamentos, umas galinhas poedeiras, um pedacinho de terra, um pequeno plantel de animais) que seria o propulsor das condições iniciais para se organizar e suprir suas famílias.

Foi um erro histórico. Isso instigou inúmeros problemas: morros e regiões urbanas precárias, pais com pequena instrução formal, sem contar a não priorização da educação dos jovens descendentes e o enorme desprezo das elites dominantes, pois Pedro II foi um vaidoso “bananão”! Passou o século 19 mantendo o país no agrarismo, enquanto os EUA se industrializava e fez a guerra da secessão para isso. Agora, estamos noutro momento histórico crucial:  funcionários públicos se aposentando aos 47 anos de idade com salário integral após 25 anos de contribuição, com expectativa de vida de 80, 90 anos.

O debate da reforma da Previdência precisa ser aprofundado com dados atuariais consistentes para que as gerações atuais a entreguem às próximas sem distorções e rombos. Injustiças, as teremos, é inevitável: um jovem sem acesso à educação que tenha começado a trabalhar de servente de pedreiro aos 16 anos (e trabalhado até os 56 anos) já não terá a mesma força física (e na maior parte do tempo não terá contribuído para a Previdência). “O que acontecerá com ele? Ou vai receber o mínimo e terá que continuar na labuta paralela à aposentadoria? Injustiças previdenciárias estão de mãos dadas com injustiças educacionais, de saneamento básico, de acesso à informação etc. O Brasil é um balaio de injustiças”. Se nós (elite decisória, técnica, acadêmica, intelectual, jornalística) não entendermos e estruturarmos soluções viáveis e justas para 206 milhões de pessoas, colocaremos a reforma para que demagogos bolivarianos, a golpes de talhe, a desfigurem. Se priorizarmos os pequenos grupos em detrimento do todo, seremos os mesmos irresponsáveis do fim do século 19, relativamente aos escravos. Há que se enfrentar o funcionalismo público, o Legislativo e o Judiciário (O Estado). É Insofismável!

(...)

 

SACHA CALMON

Advogado

 

 

Correio braziliense, n. 19634, 26/02/2017. Opinião, p. 11.