ENTREVISTA - Rubens Ricupero

Natália Lambert e Paulo Silva Pinto

27/02/2017

 

 

Diplomata, ex ministro da Fazenda avalia que o MRE tem perfil técnico, sem peso no jogo político de distribuição de pastas na Esplanada

 

Amigo próximo do ex-ministro das Relações Exteriores (MRE) José Serra, o economista e diplomata de carreira Rubens Ricupero se surpreendeu com a saída repentina do tucano do Itamaraty, mas, em conversa com o Correio, fez questão de ressaltar que o problema de coluna é real e causa muito sofrimento ao senador. Para ocupar o lugar de Serra, Ricupero não consegue imaginar pessoa melhor do que o embaixador do Brasil em Washington (EUA), Sergio Amaral, um dos nomes cotados pelo presidente Michel Temer.

Entretanto, com o argumento de unificar a base, a possibilidade de Temer fazer uma escolha política é maior, e, quanto a isso, o atual diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP-SP) é bem crítico. “O Itamaraty não pesa nada no jogo interno. Não tem cargos, não tem obras, não tem verbas, e essas coisas são a moeda para pesar na composição interna do governo”, afirma. “O problema não é você ser político ou diplomata de carreira, o problema é a qualidade pessoal. Onde você vai encontrar um político militante que fale línguas e conheça a vida internacional?”, acrescenta.

Aos quase 80 anos, que serão completados na quarta-feira, e com a experiência de ter sido ministro por duas vezes, além de ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Ricupero não se mostra otimista com o futuro. Na opinião do embaixador, as reformas econômicas que estão sendo postas são importantes, mas a verdadeira e essencial é a política para que se mude todo o sistema. “É uma crise que não é mais aguda, é crônica. É como aqueles doentes que a medicina consegue evitar que morram, mas não consegue curar nem dar uma qualidade de vida razoável. Essa é a nossa situação.”

Como foi essa saída de José Serra do Itamaraty?
Não sabia que ele ia sair tão cedo, mas eu o conheço bem. Estive com ele antes e depois da operação. O problema de saúde na coluna é verdadeiro e ele sente muita dor. Para ele, essas viagens longas são muito sacrificantes.

Mas o que é exatamente?
Não sei de detalhes, mas estive com ele depois que foi operado e sei que sofre bastante. Talvez a saída do cargo tenha a ver com um conselho médico. Esse tipo de posição exige pessoas que estejam com muito boa saúde e em condições de viajar. É muito pesado. Quando as pessoas pensam em viagem, pensam como turista, mas as viagens pelo Itamaraty não têm nada de agradável. São cansativas, cheias de trabalho e de tensão, porque são sempre reuniões difíceis. É um desgaste grande. O sujeito tem de ter condições de suportar.

Um dos nomes cotados é do embaixador Sergio Amaral, 
que está om 72 anos. Ele tem essa condição?

O Sergio, no passado, foi operado, mas está bem. Estive com ele há umas três semanas, quando passou as férias no Brasil. O Sergio tem uma vantagem muito grande, pois, além de ser um diplomata de carreira, tem experiência política. Foi ministro duas vezes com o Fernando Henrique. E comigo foi segundo no Ministério do Meio Ambiente e na Fazenda. Eu delegava a ele as coisas mais difíceis: dívida de ruralistas, os problemas com companhias aéreas. Ele tem experiência e uma vantagem muito grande: conhece os problemas econômicos. É muito forte nessa área econômica e comercial.

Pensa em outro além dele?
O que não falta no Brasil são bons nomes, porém, não os conheço tão bem como o Sergio, e cada um fala por aqueles que conhece. Uma pessoa que conheço e que tem minha admiração é o secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão.

Fala-se em colocar um político puro, alguém que ajude na composição da base do governo. Como o enhor vê essa possibilidade?
Primeiro, ajudar a base do governo é algo que eu nunca vi na história das relações internacionais. O Brasil teve muitos políticos no Ministério das Relações Exteriores, mas que se dedicaram integralmente à política externa. Eu fui oficial de gabinete do Afonso Arinos e do Santiago Dantas, ambos deputados, mas eram homens que se dedicavam plenamente à diplomacia. Essa é uma balela sem nenhum fundamento. O Itamaraty não pesa nada no jogo interno. Não tem cargos, não tem obras, não tem verbas, e essas coisas são a moeda para pesar na composição interna do governo. Você pode ter muitos motivos para querer um político no Itamaraty, menos esse. Esse é absurdo, é um motivo que não tem o mais remoto fundamento.

Mas há políticos que foram bons ministros.
Claro, mas é difícil encontrar, na história da diplomacia, um ministro que tenha chegado perto da qualidade do Santiago Dantas. Era um grande intelectual, um homem que tinha conhecimento do mundo, da história, das relações internacionais. Se você olhar a vida pública brasileira, é muito difícil encontrar um político que preencha essas condições. A maioria dos políticos brasileiros só fala português, não fala nem espanhol. Um chanceler que não fala inglês, não vou dizer que não pode ser ministro, mas é um inconveniente enorme porque tem de usar intérprete o tempo todo. Existem alguns políticos que têm conhecimento das relações internacionais, mas não são muitos. Em geral, é uma vergonha, a maioria não tem nem ideia. O problema não é você ser político ou diplomata de carreira, o problema é a qualidade pessoal. Onde você vai encontrar um político militante que fale línguas e que conheça a vida internacional? Que conheça os problemas internacionais de hoje? Porque, se não tiver isso, vai dar vexame.

E existiram políticos que foram maus ministros?
O Juracy Magalhães, que foi o segundo ministro do Castelo Branco, tem aquela famosa frase: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Ele fez essa frase porque, como político, se deixava levar pelo eleitorado, que era o pessoal militar. Ele dizia as coisas por inclinação ideológica. Um diplomata profissional jamais faria isso. A maioria desses políticos que passaram, por exemplo, o Magalhães Pinto ou o Abreu Sodré, foram personalidades que você não é capaz de dizer uma coisa que eles tenham feito, porque não deixaram nenhum tipo de herança. Justamente por isso: se um político não tem um conhecimento da realidade internacional, ele tem que comer na mão dos outros. É uma pessoa que está lá, mas não acrescenta nada. Em um momento crítico das relações internacionais como hoje, com esse problema do (Donald) Trump sobre a América Latina, é preciso ter alguém que tenha um conhecimento bem agudo. Essa é uma das vantagens do Sergio Amaral. Ele está lá, em Washington, acompanhando de perto.

E o Serra estava fazendo uma boa atuação?
Acho que sim, porque ele ficou, mais ou menos, um ano e a primeira parte foi muito preenchida por aquela fase em que se contestava a mudança política no Brasil como um golpe parlamentar. E ele se saiu bem porque isso é uma página virada. No Brasil, hoje em dia, apesar desse trauma, ninguém mais trata desse tema. Ele ajudou também o presidente a se projetar nas primeiras reuniões internacionais. A reunião do G20, na China, depois na Assembleia Geral da ONU, em setembro, na reunião dos Brics. Em todas essas reuniões, o Temer apareceu e ficou bem. Mas não houve tempo, propriamente, para ter nenhuma realização no plano comercial, por exemplo. Por outro lado, as coisas mudaram muito com a subida ao poder do Trump. Toda essa área comercial, no mundo inteiro, está paralisada. Seja lá quem for que venha, vai ter de enfrentar essa realidade.

O Serra chegou a falar, em entrevista ao Correio, que a eleição do Trump, quando ainda era uma possibilidade, seria um pesadelo. Isso é um erro verbal?
Muita gente disse isso. Tenho a impressão de que, mesmo nos Estados Unidos, tem gente que está trabalhando com o Trump que tenha dito isso. Isso reflete o sentimento de que isso não ia acontecer. Não creio nem que eles lá tenham notado, porque uma das boas coisas, até agora, da situação do Trump é que ele nunca falou do Brasil. Quanto menos ele se lembrar de nós, melhor. Ele nunca se lembra de um país por uma boa causa, é sempre para dar umas cacetadas.

E como o novo ministro terá de lidar com o Trump?
É prudente aguardar os acontecimentos e procurar construir pontes com o novo secretário de Estado, Rex Tillerson. Ele tem uma vantagem, conhece bem o Brasil porque era o principal executivo da ExxonMobil e esteve aqui por várias vezes. Embora a ExxonMobil tenha decidido não investir no pré-sal, eles conhecem bem a situação do petróleo. O Brasil faria muito bem em trabalhar junto ao departamento de Estado. E lá tem uma segunda vantagem. Como o secretário de Estado não conseguiu emplacar o Elliot Abrams, que foi vetado porque tinha criticado o Trump, quem está respondendo pelo departamento é um excelente conhecido e amigo nosso, Thomas Shannon, que foi embaixador em Brasília.

"Uma das boas coisas, até agora, da situação do Trump é que ele nunca falou do Brasil. Quanto menos ele se lembrar de nós, melhor. Ele nunca se lembra de um país por uma boa causa, é sempre para dar umas cacetadas”

"Ele (Serra) ficou, mais ou menos, um ano, e a primeira parte foi muito preenchida por aquela fase em que se contestava a mudança no Brasil como um golpe parlamentar. E ele se saiu bem porque isso é uma página virada”


Mas ele saiu meio chateado daqui quando foi cobrado pelo governo brasileiro pelas denúncias de espionagem.
É, houve aquele episódio no governo Dilma, mas ele é uma pessoa que conheço bem. É um profissional e não leva esse tipo de ressentimento. Ele se interessa muito pelo Brasil e temos de aproveitar. Se há uma pessoa que conhece bem o Brasil, é ele. Isso é muito raro no relacionamento com os Estados Unidos.

E a economia? Estamos no caminho certo?
Há alguns sinais que são alentadores. Tenho a impressão de que a tendência é de que esses sinais, pouco a pouco, vão se firmando. No plano político, não há dúvidas de que o presidente tem uma maioria muito grande. Mas há duas grandes incertezas que só o tempo vai esclarecer. Uma é o que ainda vem pela frente na Lava-Jato, que é impossível especular. E a segunda incerteza é que as coisas aprovadas no Congresso foram importantes, mas não foram as mais difíceis. Ainda não se aprovou a reforma da Previdência, nem parece que o panorama seja muito fácil no caso das compensações nos estados. É preciso ainda ver se isso vai se consolidar. A esta altura do mandato, ele parece ter estabilizado um pouco a situação. Há poucos dias, houve o problema do Moreira Franco, mas ele superou porque houve uma decisão favorável do Supremo. Episódios como esse mostram que a estabilidade é precária. Uma estabilidade quase de cada 24 horas.

O senhor acha que o foro privilegiado tem de acabar?
Não tenho dúvida. Eu sou muito mais radical que isso. Não há solução se não houver uma reforma profunda no sistema político, uma legislação rigorosa que impeça a proliferação de partidos, que impeça alianças em eleições proporcionais para evitar fenômenos como o do Tiririca; uma legislação rigorosa sobre financiamento de campanha, limitando as campanhas no tempo, no tipo de propaganda, limitando o uso da televisão pelos partidos, do fundo partidário, o sistema de votação distrital misto. Há um número enorme de reformas que, se não forem feitas, e, infelizmente, não vejo sinal de que elas serão, esse sistema vai se arrastar. Vai melhorar um pouco, porque ninguém vive sempre em depressão econômica. Vai haver momentos melhores e piores, mas será uma constante montanha-russa. Em algum momento, vai haver uma ruptura. Só há dois ou três cenários a longo prazo, e digo a longo prazo porque não tenho o menor interesse em 2018. A eleição em 2018 não vai resolver nada, seja lá quem for eleito.

Nenhum dos nomes postos?
Seja quem for e, em alguns casos, pode ser muito pior. Pode haver um aventureiro, um demagogo e outras hipóteses piores. Ou o Congresso e as instituições fazem a autorreforma, ou o destino desse sistema será o mesmo da Primeira República. Lá, tivemos uma decadência que durou de 1910 a 1930, e acabou com a revolução de 1930 em um momento em que as divisões da própria classe dirigente dentro do sistema foram tão graves que abriram oportunidade para alguém como Getúlio Vargas. Houve a oportunidade para derrubar um sistema que a opinião pública maciçamente rejeitava por causa das falcatruas eleitorais. Se você mudar um pouco o tema, que não é mais a eleição a bico de pena, e colocar a impaciência com a corrupção, com a maneira de agir do Congresso, a situação é exatamente a mesma que havia quando os tenentes começaram os movimentos nos anos 1920. Acho que o nosso caminho, infelizmente, é esse.

Se a decadência for prolongada, economicamente o prejuízo pode ser muito grande, não?
Sim, já tivemos esses dois anos terríveis. Estamos perdendo de novo uma década e vai haver um empobrecimento crescente. Há países que estão assim há muito tempo. A Itália e a Argentina estão assim. De vez em quando, você tem uma aparência de recuperação, mas é aquilo que chamo de espasmos de recuperação entre momentos críticos. É uma crise que não é mais aguda, é crônica. É como aqueles doentes que a medicina consegue evitar que morram, mas nem consegue curar nem dar uma qualidade de vida razoável. Essa é a nossa situação. Um sistema que consegue evitar a morte, mas não consegue curar a doença, nem dar uma qualidade de vida, e um dia morre mesmo. Vai demorar, e quanto mais tempo demorar, maior será a agonia. Esse é o futuro que temos pela frente, porque, com esse Congresso e essa falta de consciência sobre necessidade de reformas profundas, infelizmente, só há um caminho. Os políticos pensam que isso é apenas uma ventania e estão segurando o chapéu pensando que vai passar. Eles vão perder a cabeça.

A reforma da Previdência ajuda?
Ajuda. É pequena porque você sabe de todos esses maus hábitos que existem aqui, pensões absurdas. Qual país que aguenta um negócio desse? Não tem jeito. Com todas essas corporações, nenhuma quer aceitar perder nada, e isso acaba chegando à situação da Argentina, em 2001, em que não vai pagar porque não tem dinheiro. Aí é o extremo, as pessoas vão para a rua, vai ter violência. O caminho é do sofrimento.

A posição de ministro da Fazenda é capaz de mudar alguma coisa?
Nós conseguimos. Não fui eu, a equipe era estupenda. Trabalhavam comigo Pedro Malan, Edmar Bacha, Gustavo Franco, uma grande seleção. Eu não comecei o Plano Real, já tinha sido iniciado, eu herdei. Mas foi no meu período que lançamos a moeda e conseguimos acabar com uma hiperinflação que durava 30 anos. Quando entrei como ministro, em março ou abril de 1994, a inflação estava em 55% ao mês, 2% ao dia, agora, nós estamos falando de 5% ao ano. É outro país. Claro que não fizemos outras coisas, não conseguimos resolver o problema base da situação do Orçamento, reformas mais profundas, mas tínhamos que apagar o incêndio. Por isso, não se pode subestimar a capacidade do governo quando ele tem uma visão mais clara de prioridades e, àquela época, havia uma visão clara. E o Congresso ajudou bastante. Nós conseguimos tudo, inclusive aprovar as medidas provisórias, e nunca teve mensalão ou petrolão de que eu tivesse conhecimento. O que não vejo neste momento é uma visão clara.

Mas o conjunto de medidas — ajuste fiscal, PEC do Teto, Previdência, reforma trabalhista — vai destravar a economia?
Elas ajudam, não creio que sejam fundamentais apenas essas medidas, mas elas ajudam a criar uma confiança, saber que estamos no caminho adequado. Agora, precisa de muitas outras coisas, inclusive de medidas de microeconomia, facilitar questões burocráticas, por exemplo, imposto. Continuamos com sistema tributário absurdo. O número e a complexidade de tributos são uma coisa que pouca gente consegue entender. Isso é um processo, não é uma coisa que se resolverá de uma hora para outra. Se isso não estiver encadeado, não vai se ter fôlego para chegar muito longe.

A sua saída do Executivo foi um episódio traumático. O senhor guarda arrependimento, mágoa?
Não. Foi um dia em que eu estava muito empenhado em dar entrevistas para mostrar que a inflação estava caindo, porque, no primeiro mês, não caiu tanto. Lançamos a moeda em 1º de julho de 1994. A inflação de julho acabou sendo o dobro do que a equipe imaginava e muita gente achava que o plano tinha fracassado. Quando dei a entrevista, era 1º de setembro, e já tínhamos os dados que mostravam que a inflação estava caindo muito em agosto. Quando o Carlos Monforte me perguntou se eu não achava que a inflação de julho mostrava que o plano tinha fracassado, eu disse: “sei que não, porque tenho aqui os dados”. Aí ele me disse: “então, porque nós não vamos dar um furo?” Eu estava esperando o sinal para a última entrevista. Ele disse de novo: “Por que não damos um furo?” Eu disse: “Não posso porque existe um compromisso nosso. Nós só divulgamos um número depois de fechar o mês e ainda faltam três dias.” Coisa assim, faltavam números e contas. Não alteraria nada, mas, enfim, foi quando disse a ele aquela frase infeliz que “não teria escrúpulos, mas o bom, a gente fatura; e o ruim, esconde”. E ninguém reparou, na verdade, que eu estava escondendo o bom. Quer dizer, as pessoas se fixaram no que eu disse e não no que fiz.

Era uma ironia?
O que vale é aquela famosa frase de que temos que nos fixar no que eles fazem e não no que eles dizem. E, na verdade, foi um erro. Nunca escondi. Pedi desculpas, não acusei ninguém e não inventei uma desculpa qualquer. Fui à televisão, pedi desculpa à Nação e, dentro da história brasileira, você não encontra muitos exemplos de quem tenha feito isso. Não só assumi as responsabilidades, como saí inteiramente da vida pública. Seria bom se eles fizessem a mesma coisa, admitissem os próprios erros e as responsabilidades, o que melhoraria um pouco a questão da vida pública no país.

Saudades da vida ao ar livre
Cheguei a Brasília para morar pela primeira vez em 1961. Fui um dos voluntários que integraram o grupo inicial de diplomatas na capital. Éramos cinco ou seis só, ocupando metade de um andar do Ministério da Saúde. O Itamaraty ainda ficava no Rio de Janeiro, e lá permaneceu até os anos 1970. Todos acabaram indo embora, e foram substituídos, só eu fiquei por mais tempo. Quando o Jânio renunciou, eu levei a mensagem do então ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, aos líderes no Congresso. Cheguei a ser preso pelos seguranças, confundido com um agitador. Já com João Goulart presidente, o Hermes Lima, que era chanceler e primeiro-ministro, ligou para minha casa à noite. Eu já estava de pijama. Disse que eu deveria pegar um carro e esperar na base aérea o Robert Kennedy, ministro da Justiça dos Estados Unidos. Ele estava no Panamá e resolveu vir para cá, chegando de madrugada. Veio passar um pito no Jango, que já havia começado a cair naquela época. Para mim, era um privilégio estar em Brasília. No Rio, eu mal conseguiria ver o ministro das Relações Exteriores. Em Brasília, ele até mesmo almoçava na minha casa às vezes. Todo mundo se conhecia na capital, algo que se perdeu hoje. Eu era amigo dos arquitetos, incluindo Oscar Niemeyer. Era também uma época heroica, difícil. Havia tanta poeira vermelha na cidade que a gente precisava ir para casa na hora do almoço trocar a camisa. Eu assistia a um filme novo no Cine Brasília todas as noites, depois voltava caminhando pelo meio do Eixão até meu apartamento na 304 Sul. Fiquei até 1970. Voltei a morar na cidade entre 1977 e 1987. Fui assessor de Tancredo Neves na eleição e subchefe da Casa Civil no governo Sarney. Fui embora e voltei em 1993, como ministro do Meio Ambiente e, depois, da Fazenda de Itamar. Tenho saudades de Brasília, da vida ao ar livre, da possibilidade de usar a piscina praticamente o ano todo. Meus quatro filhos nasceram no exterior, mas se consideram brasilienses.

 

 

Correio braziliense, n. 19635, 27/02/2017. Política, p. 2.