O Estado de São Paulo, n. 45014, 14/01/2017. Política, p. A4
Para defesa de ex-ministro, suspeitas são 'suposições'
 
Fábio Fabrini
Fausto Macedo
Julia Affonso

 

Investigações da Polícia Federal apontam que o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que comandou a Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal no governo de Dilma Rousseff, atuava em conluio com o expresidente da Câmara Eduardo Cunha para liberar empréstimos a empresas em troca de propina. Segundo as apurações, o dinheiro seria para benefício pessoal dos investigados e para abastecer o caixa do PMDB, partido ao qual ambos são filiados.

As suspeitas sobre esquema de corrupção no banco público levaram a PF a deflagrar ontem a Operação Cui Bono? (expressão em latim que significa “a quem interessa?”). Foram feitas buscas em imóveis de Geddel em Salvador e em Camaçari, na Bahia, além de apreensão de mídias e documentos na sede da Caixa, em Brasília.

Os investigadores pediram, mas o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal, em Brasília, negou busca e apreensão no apartamento do deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão de Geddel, sob a justificativa de que o parlamentar tem foro privilegiado.

O ex-ministro, que ocupou cargo na Caixa entre 2011 e 2013, deixou a Secretaria de Governo de Michel Temer em novembro do ano passado, após ser acusado por Marcelo Calero, então colega de Esplanada, de pressioná-lo pela liberação de um prédio na capital baiana.

As suspeitas contra o ex-ministro surgiram após a PF analisar mensagens de um celular apreendido na casa de Cunha durante a Operação Catilinárias, em dezembro de 2015. O deputado cassado, o ex-vice-presidente de Fundos e Loterias da Caixa Fábio Cleto, delator da Lava Jato, e o operador do mercado financeiro Lúcio Funaro são réus na Justiça Federal em Brasília por integrar suposto esquema de desvios na Caixa.

Os relatórios da operação de ontem sustentam que Geddel repassava informações privilegiadas a Cunha e, a pedido dele, facilitava os trâmites de empréstimos às empresas que aceitavam pagar suborno. As propinas, conforme as investigações, eram pagas a empresas de Funaro, que está preso em Brasília.

Empresas. Estão sob suspeita operações bilionárias negociadas pela Vice-Presidência de Geddel com a J&F Investimentos, controladora de diversas empresas, entre elas o frigorífico JBS; o Grupo Constantino, da Gol Linhas Aéreas e das empresas Oeste Sul e Comporte; Marfrig e Seara; Bertin, Big Frango, Digibrás e Inepar. As mensagens também mencionam tratativas de Geddel e Cunha para um acerto financeiro com o PSC, partido presidido pelo exdeputado Pastor Everaldo.

“Os diálogos não deixam dúvidas de que Geddel e Cunha buscavam contrapartidas indevidas junto às diversas empresas mencionadas ao longo da representação, visando à liberação de créditos que estavam sob a gestão da Vice-Presidência de Geddel”, disse a PF. Além das empresas de Funaro, a propina era paga “por outros meios que precisam ser aprofundados, tendo como destinação o beneficiamento pessoal deles (os investigados) ou do PMDB”.

Mensagens. Numa das mensagens, de 30 de julho de 2012, ao citar duas operações de interesse da Marfrig, no valor de R$ 350 milhões, Geddel avisou a Cunha que “o voto sai hj”. No dia seguinte, autorizados os investimentos, ele informou ao então deputado que “já foi, agora é com você”. Na mesma data, segundo a PF, a empresa repassou R$ 469 mil à Viscaya, uma das empresas de Funaro. Para investigadores, trata-se de propina.

Em 23 de agosto do mesmo ano, Geddel escreveu a Cunha que havia pendência para a liberação de dinheiro à J&F: “Fala para regularizar lá”. Seis dias depois, o então vice-presidente da Caixa disse que a questão estava sanada e, em tom de brincadeira, comparou sua “eficiência” à de ministros indicados pelo deputado. “Tá resolvido. Tá na pauta do CD (Conselho Deliberativo da Caixa) de terça. Tá pensando que eu sou esses ministros q vc indicou?”, questionou.

De abril de 2012 a maio de 2013, a J&F creditou R$ 6,7 milhões à Viscaya, de Funaro. A PF destacou mensagens que indicam pagamento de propina a Geddel. Numa delas, após a operação do grupo empresarial ser aprovada, Cunha cita “Jf Geddel” ao tratar com Funaro de transferências financeiras.

“Cunha estaria alertando Funaro sobre os repasses que deveriam ser feitos e, entre eles, o que caberia a Geddel, já que o crédito comercial para a J&F havia sido liberado”, afirmou a PF. Funaro respondeu: “Geddel creditando hj. Esse cara acha que tenho uma impressora”. Para os investigadores, ao reclamar da cobrança, o operador alegava não ter como “imprimir dinheiro”.

 

DIÁLOGOS

 

5 de abril de 2012

Diálogo sobre a BR Vias

 

Lucky (apelido de Lúcio Funaro): Me faz um favor liga para o Geddel e vê em qual e- mail ele quer que vc passe isso ou pra quem vc entrega (...) que se ele não resolver vou f... ele no Michel. Esse porco é um folgado do c...

Gordon Gekko (apelido de Fábio Cleto): Já encaminhei pro e-mail institucional da área do Geddel.

Lucky (Funaro): Que ele (Ged- del) é boka de jacaré para rece- ber e carneirinho para traba- lhar e ainda reclamão. Mas eu agora tenho condição total, se ele me encher o saco, de ir pra porrada com ele.

 

 

29 de agosto de 2012

Diálogo sobre a J&F Investimentos

Cunha: J f não resolveu?

Geddel: Tá na pauta do CD (Conselho Deliberativo) de ter- ça. Vc tá pensando que eu sou esses ministros q vc indicou?

 

11 de setembro de 2012

Diálogo sobre a J&F Investimentos

Cunha: Jf Geddel? Parece que Henrique (José Hen- rique Marques da Cruz, servidor da Caixa) tá ensebando para assinar.

Lucky (Funaro): Esse cara (Geddel) acha que tenho uma impressora (de dinheiro).

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Para defesa de ex-ministro, suspeitas são ‘suposições'

 

O advogado de Geddel Vieira Lima, Gamil Föppel, afirmou que a “malfadada operação” decorre de “ilações e meras suposições não comprovadas”. Em nota, reclamou que a decisão do juiz Vallisney de Souza Oliveira, que autorizou as buscas, foi apressada e “não traz nenhum fundamento idôneo que justificasse” as medidas.

“Além disso, não há indicação pela polícia ou MPF (Ministério Público Federal) de qualquer fato/elemento concreto que pudesse representar corrupção ou lavagem de dinheiro, até porque tais atos jamais foram praticados por Geddel.” Föppel chamou o relatório da PF de “ficcional” e “repleto de suposições”. Argumentou que o documento não aponta concretamente “qualquer valor que tivesse sido recebido por Geddel”. “Geddel nada recebeu. Informa que está, como sempre esteve, à disposição das autoridades”, afirmou.

O ex-ministro não foi localizado pelo Estado. O irmão dele, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), disse que seu imóvel funcional só foi alvo de pedido de busca e apreensão porque Geddel se hospedava lá. Ele disse que não poderia falar pelo irmão.

O PSC, em nota, informou não ter tido acesso a nenhuma informação referente ao caso. “Todas as doações feitas ao PSC obedecem à legislação.” A Caixa informou, em nota, que “está em contato permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração com as investigações”.

O advogado de Eduardo Cunha, Pedro Ivo Velloso, disse que não teve acesso à investigação, mas “rechaça veementemente” as suspeitas. Vera Carla Silveira, que representa Lúcio Funaro, não foi localizada.