O Estado de São Paulo, n. 45014, 14/01/2017. Política, p. A6

Ex-ministro mantém influência na gestão Temer
 

Erich Decat
Carla Araujo
Vera Rosa

 

Alvo da Operação Cui Bono?, o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima mantém sua influência no núcleo duro do Palácio do Planalto, atua nos bastidores e faz contato frequente com os principais integrantes da cúpula do governo. Toda a estrutura montada por Geddel no governo Michel Temer foi mantida, apesar de sua demissão, em novembro passado.

Desde a ausência de Geddel, o dia a dia da pasta tem sido tocado pela secretária executiva Ivani dos Santos, seu braço direito. A Secretaria de Governo é responsável por questões estratégicas, como liberação de recursos para emendas parlamentares, divisão de cargos entre os integrantes da base aliada e articulação de votações de projetos de interesse do Planalto no Congresso.

A “parceria” entre Geddel e Ivani remonta ao período em que o peemedebista foi deputado federal e ocupou a Primeira-Secretaria da Câmara, em 2003 e 2004. Três anos depois, ao ser alçado ministro da Integração Nacional pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele levou Ivani para sua equipe. Antes de assumir o atual posto, ela estava lotada no gabinete da liderança do PMDB na Câmara.

O atual chefe de gabinete da Secretaria de Governo, Carlos Henrique Menezes Sobral, também é considerado um dos “soldados” de Geddel. A exemplo de Ivani, ele ocupou uma cadeira de destaque quando o peemedebista comandou a Integração Nacional. Na ocasião, foi nomeado secretário de Desenvolvimento do Centro-Oeste do ministério.

A relação de Sobral estende-se ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – preso na Lava Jato – tendo sido assessor especial do peemedebista na presidência da Câmara.

Cunha. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público indicam que Geddel atuava em conjunto com Cunha “em negociações ilícitas” envolvendo empresas interessadas na liberação de empréstimos da Caixa, entre 2011 e 2013. Geddel ocupou o cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa no governo da então presidente Dilma Rousseff e, de acordo com o Ministério Público, agia de “forma orquestrada” para beneficiar empresas.

O peso de Sobral na estrutura do governo está ligado às negociações relativas a emendas parlamentares, usadas como moeda de troca em votações de interesse do Planalto no Congresso.

Servidores disseram que, logo após a saída de Geddel – acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de fazer pressão para a liberação de um empreendimento imobiliário em Salvador, no qual tinha apartamento –, integrantes da cúpula do governo pediram para que todos se mantivessem nos cargos. O argumento foi o de que não fazia sentido deixar a pasta esvaziada em meio às discussões de projetos de interesse do Executivo no Congresso.

O presidente Michel Temer já acertou com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) a nomeação do líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), para a Secretaria de Governo. A indicação do tucano deverá ocorrer após a eleição que renovará o comando da Câmara e do Senado, no dia 2 de fevereiro. Após as revelações da Operação Cui Bono?, porém, a permanência dos afilhados de Geddel na pasta é vista como improvável.

No Planalto, o discurso oficial é de que ele é um ex-ministro, mas preocupam os desdobramentos das investigações.

Geddel também continua atuando nos bastidores do Planalto, pois tem a pretensão de concorrer ao Senado, em 2018. Segundo o Estado apurou, um dos principais interlocutores tem sido o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Irmão. A presença física de Geddel no Planalto foi substituída pela do irmão Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), candidato à Primeira-Vice-Presidência da Câmara e um dos deputados mais assíduos nos corredores do palácio.

Lúcio foi citado em pedido feito por investigadores à Justiça de autorização para busca e apreensão de documentos no apartamento funcional onde o deputado do PMDB mora em Brasília. A solicitação foi negada pela 10.ª Vara Federal de Brasília, por ele ter foro privilegiado.

Lúcio afirmou estar “tranquilo” em relação às investigações. / COLABOROU IGOR GADELHA

 

PARA LEMBRAR

Ministro de Lula e de Temer

Após posição crítica ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) assumiu o Ministério da Integração Nacional no segundo mandato do petista. Ficou no cargo entre março de 2007 e março de 2010, quando saiu para concorrer ao governo da Bahia. Derrotado na eleição pelo petista Jaques Wagner, em 2011, Geddel foi nomeado vice- presidente de Pessoa Jurídica da Caixa na gestão Dilma Rousseff, permanecendo no cargo até 2013. Em maio de 2016, ainda no governo interino de Michel Temer, foi empossado na Secretaria de Governo, mas pediu demissão do posto em novembro, depois do envolvimento no caso Iphan.

 

PONTOS-CHAVE

Peemedebista foi citado em escândalos

 

- Anões do orçamento

Em 1993, Geddel Vieira Lima foi citado no escândalo dos anões do orçamento, em que os deputados eram acusados de manipular emendas para desviar recursos.

 

- Lava Jato

Geddel apareceu em troca de mensagens com Léo Pinheiro tratando do atendimento de interesses da OAS em órgãos do governo, entre eles a Caixa.

 

- Caso Iphan

Em 25 de novembro, Geddel deixou a Secretaria de Governo após o ex-colega Marcelo Calero (foto) o acusar de pressão para liberar obras de prédio.

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Brincando com fogo

 

Se hoje o governo de Michel Temer não está envolto num escândalo de grandes proporções, o presidente deve essa ao diplomata e ex-ministro da Cultura Marcelo Calero. Foi ele que, em novembro, pediu demissão do cargo e disse, com todas as letras, por que o fazia: não aguentava mais a pressão do ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) para que revogasse portaria do Iphan que vetava a construção de um prédio em área de patrimônio histórico de Salvador. Geddel tinha interesses imobiliários no edifício. Queria vê-lo subir de qualquer jeito.

Mesmo com a denúncia, Temer manteve Geddel no cargo. Até que o próprio ministro, amigo e confidente de Temer, decidiu também ele pedir demissão. Mesmo assim, não conseguiu se livrar de um processo na Comissão de Ética Pública. Foi punido com uma censura ética por conflito de interesses. O colegiado ainda encaminhou a papelada ao Ministério Público. Quem sabe o MP não descobriria algo mais?

Geddel não se livrou da censura pública nem se livrou do passado. Passado que, se estivesse ainda no governo – Temer disse que tinha se arrependido de ter aceito o pedido de demissão –, teria enlameado o amigo, pois era um dos ministros mais próximos do presidente.

E olha que o passado de Geddel em termos de participação em governos está mais ligado aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff do que a Temer. Crítico do governo do PT no primeiro mandato do partido à frente do Palácio do Planalto, Lula deu um cala-boca em Geddel no segundo mandato, nomeando-o para o Ministério da Integração Nacional em 2007. Por lá ele ficou até março de 2010, quando pediu demissão para se candidatar ao governo da Bahia. Ficou em terceiro lugar na disputa.

No governo de Dilma, Geddel foi nomeado para a Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa em março de 2011, no processo de acomodação de aliados do PMDB. Ficou no cargo até dezembro de 2013. Saiu por decisão própria. A investigação da Polícia Federal que o apontou como elo de um esquema de corrupção alcançou Geddel justamente no período em que ele esteve na Caixa, no governo Dilma.

Notícias sobre a participação de Geddel Vieira Lima em casos cabeludos existem aos montões. Enumerá-las todas gastaria esta página de jornal e ainda faltaria espaço.

Então, saiamos delas. Vejamos como Temer brincou – e ainda brinca – com fogo quando escolheu Geddel e outros personagens da política também assíduos fregueses de noticiários nada abonadores. Mesmo que Temer insista em dizer que suspeitas sobre alguém não são condenações, e não são mesmo, o fato é que elas sempre vão ser uma ameaça para o bom andamento do governo. Boa parte dos sustos e sacolejões que atingiram o governo de Temer surgiu por causa da insistência dele em manter a seu lado pessoas citadas na Operação Lava Jato. O próprio presidente aparece em delações já negociadas com executivos de empreiteiras. Ele nega qualquer coisa. Mas o nome dele está lá.

Nos seis primeiros meses de governo, conflitos éticos derrubaram seis ministros de Temer. Isso não é normal. Além de Geddel e Marcelo Calero, que o denunciou, caíram Romero Jucá (Planejamento), Fabiano Silveira (Transparência), Henrique Eduardo Alves (Turismo), todos por causa da Operação Lava Jato, e Fábio Osório (Advocacia-Geral da União), que saiu dizendo que o governo queria abafar a mesma operação.

Mesmo com as seis baixas, Temer insistiu em brincar com fogo. Manteve ainda alguns citados pela Lava Jato. E, quando teve de nomear novo ministro, não se preocupou com a ficha do auxiliar. Para o lugar de Henrique Alves, ele escolheu o deputado Marx Beltrão, que responde a ação no STF por falsidade ideológica.