Título: Quem tem imóvel obtém crédito com juros mais baixos
Autor: D"angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2011, Economia, p. 18

Instituições oferecem empréstimos com taxas abaixo de 2% ao mês NotíciaGráfico

» Mesmo após o governo ter anunciado um pacote de medidas para ampliar o crédito e aumentar o consumo, os juros dos empréstimos continuam proibitivos. Para quem está endividado, é bom evitar a euforia do momento e pesquisar bastante. Mas ainda é possível encontrar alternativas mais favoráveis ao bolso. O brasileiro que tem imóvel quitado, por exemplo, está descobrindo a chance de se financiar de uma forma bem mais barata, ao dar o bem em garantia do contrato — uma espécie de penhor da casa própria. A grande vantagem é a taxa de juros, entre 1,42% e 1,7% ao mês, mais baixa até que a de empréstimos consignados em folha e a de financiamentos de automóveis. Como os prazos oferecidos são mais longos — em geral, de 15 anos, mas eles podem chegar até a 30 anos —, os consumidores tomam valores vultosos sem que a prestação fique tão indigesta.

Depois do crédito habitacional, é a segunda melhor opção de crédito disponível nas agências bancárias — e com a vantagem de que pode ser usada para qualquer finalidade, sem especificação. Entre os clientes desse tipo de empréstimo, estão pessoas que querem organizar seu orçamento pessoal, trocando dívidas mais caras por outras mais baratas de longo prazo. Mas tem sido a alternativa também de empreendedores que querem abrir o próprio negócio ou ampliá-lo. É muito útil também para a aquisição de um bem mais caro, uma viagem ao exterior ou o financiamento da educação dos filhos no exterior, por exemplo.

A Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária (BM) oferece o produto desde 2007. Mas a maioria das instituições começou a oferecê-lo em 2008 e 2009. De lá para cá, o crescimento foi espantoso. A BM fechará 2011 com um saldo de R$ 1 bilhão contratado. Mas, nos últimos dois anos, foi de 600%. A Caixa Econômica Federal, líder do segmento, emprestou, só neste ano, R$ 1,4 bilhão — cinco vezes mais que em 2010 — e deve fechar dezembro com uma carteira de cerca de R$ 2 bilhões. A expectativa para 2012 é avançar ainda mais e atingir R$ 5 bilhões emprestados. No Banco do Brasil, a modalidade de crédito que usa imóveis como garantia ainda é tímida: a instituição financiou apenas R$ 100 milhões.

Sufoco "É um produto que tende a crescer muito", diz o superintendente nacional para a Pessoa Física da Caixa Econômica Federal, Humberto Magalhães. "Esse tipo de crédito garante liquidez aos imóveis que os brasileiros sempre gostaram de ter como investimento e garante o equilíbrio do orçamento, em caso de necessidade, pois é possível obter valores mais altos, com prazos de pagamento maiores", explica o diretor da BM Sua Casa, Elyseu Mardegan Junior. Segundo ele, boa parte dos clientes quer organizar suas dívidas, incluindo as do cheque especial e do cartão de crédito, transformando-as numa só, de prazo mais longo e com parcelas mais baixas.

O servidor público Paulo Roberto, 58 anos, viu nesse tipo de empréstimo uma oportunidade para se livrar das dívidas. "Resolvi dar o apartamento onde moro, na Asa Sul, como garantia para pagar outros débitos, como empréstimos consignados e cartão de crédito, que estavam me sufocando", conta. Para ele, a maior vantagem é concentrar as faturas em uma só. Mas, apesar de serem os menores juros do mercado, os juros deveriam ser mais baixos, avalia ele. "O banco tem garantia total de que vai receber o dinheiro. Não há risco de calote", opina.

Os bancos podem emprestar a taxas mais baixas porque o risco é reduzido — eles recebem uma garantia real, com base na alienação fiduciária. O valor médio emprestado é em torno de R$ 135 mil a R$ 140 mil, para pagamento entre 10 e 15 anos, em média. Atualmente, os valores dos imóveis dados em garantia giram em torno de R$ 350 mil. O diretor da Caixa reconhece que a segurança dos bancos está na alienação fiduciária. O imóvel fica registrado em nome do banco até a quitação do contrato. Em caso de inadimplência, a instituição pode levar o bem a leilão para angariar os valores necessários à liquidação da dívida. O que sobra é devolvido ao cliente.

Burocracia A servidora pública Andréa Dutra, 37 anos, usou o crédito obtido na BM Sua Casa para comprar um imóvel para os pais, em Caldas Novas. "Hipotequei meu apartamento em Taguatinga para comprar esse outro", diz. Para ela, o atrativo desse tipo de empréstimo são os juros mais baixos. Foi também o que atraiu a aposentada Vera Lúcia Alves Souza Diniz, 58. Ela pegou empréstimo para construir um galpão de frangos em sua chácara, que foi dada em garantia. "Como eu precisava de uma grande quantia, era a minha única opção", explica. Mas Vera Lúcia prefere a prudência. Embora tenha tido lucro, ela não aconselha o empréstimo. "O melhor mesmo é não ter dívidas", recomenda.

As instituições que oferecem esse tipo de empréstimo afirmam que sua concessão envolve análise de capacidade de pagamento do tomador — não basta apenas ter um imóvel. Os bancos têm acesso a todas as dívidas do consumidor com instituições financeiras no país. O diretor da BM lembra, no entanto, que esse não é o tipo de financiamento para quitar dívidas de curto prazo, por ser mais burocrático. Há avaliação do imóvel e elaboração de um contrato de alienação fiduciária, registrado em cartório, às custas do beneficiado. Por isso, pode levar até um mês para ser concedido. "É para recompor a vida financeira da pessoa e sobrar recursos e não para deixá-la enforcada como antes", diz Mardegan.

Mas a propagação de empréstimos garantidos por imóveis quitados esbarra no receio da repetição, no Brasil, da bolha imobiliária que estourou nos Estados Unidos em 2007. Contudo, aos olhos dos especialistas, aqui a realidade é bem diferente: há regras claras e restrições à proliferação. Os dirigentes da Caixa e da Brazilian Mortgages asseguram que não há como a crise norte-americana, que levou à quebra em cadeia de instituições de créditos, se repetir no Brasil. "Os cenários são bem diferentes. Lá, tem a figura da segunda, da terceira hipoteca, e a supervalorização do imóvel", compara o diretor da Caixa, Humberto Magalhães.

No Brasil, o imóvel só pode ser hipotecado para garantia de empréstimo bancário uma vez. "Aqui, a avaliação é feita por empresas de engenharia cadastradas no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), que seguem normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Há critérios de avaliação que a tornam conservadora e extremamente técnica", reforça Mardegan. "Nosso critério é muito científico. Há também limite da cota de financiamento em relação ao valor do imóvel, em torno de 60%", complementa o diretor da Caixa. Nos EUA, chegou-se a conceder empréstimo de 120% sobre o preço do imóvel, lembra Mardegan Junior.

Limite de 30% Os títulos negociados no mercado subprime dos Estados Unidos incluíam todo tipo de dívida, de empréstimos com garantia de hipoteca a limites de cartões de crédito concedidos a clientes sem comprovação de renda e muitos já insolventes. A avaliação dos imóveis era feita pelos próprios corretores, que inflavam valores, de forma a incentivar a concessão de novos empréstimos, ainda maiores. Não havia limite de comprometimento de renda para obter crédito, o que só aumentou o superendividamento da população. No Brasil, qualquer financiamento não pode passar de 30% do imóvel dado em garantia.