Temer vai para cima do delator 

Rodolfo Costa e Paulo de Tarso Lyra 

21/05/2017

 

 

 

No segundo pronunciamento em menos de 48 horas, o presidente Michel Temer elevou ainda mais o tom da defesa. Acusou Joesley Batista de ter cometido “o crime perfeito e ido para Nova York” e pediu que o Supremo Tribunal Federal pericie o áudio entregue pelo empresário para averiguar se houve, de fato, edição do material. E mais. Que, enquanto o resultado da análise não for conhecido, o inquérito contra ele aberto pelo ministro Edson Fachin, por obstrução de Justiça, seja suspenso. “Ouso mencionar que houve até 50 edições, que tentam macular não só a reputação moral do presidente da República, mas tentam invalidar nosso país.” No início da noite de ontem, o relator da Lava-Jato no Supremo, Edson Fachin, aceitou o pedido de perícia na gravação, que será feita pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC). Além disso, a ministra Carmén Lúcia transferiu para quarta-feira, no plenário da Corte, a decisão sobre a suspensão do inquérito.

Temer também foi impiedoso em relação a Joesley, que, além de embarcar para o exterior, comprou dólares na véspera de a bomba estourar. “Graças à gravação fraudulenta e manipulada, especulou contra a moeda nacional. A notícia foi vazada seguramente por gente ligada ao grupo empresarial e, antes de entregar a gravação, comprou US$ 1 bilhão. Porque sabia que isso provocaria o caos no câmbio”, disse.

O presidente destacou, ainda, que o áudio também provocou impactos na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). “Sabendo que a divulgação (da gravação) também reduziria o valor das ações de sua empresa, as vendeu antes da queda da bolsa”, declarou. Temer, por sinal, não fez a mínima questão de esconder a insatisfação e admitiu que o Brasil vive um clima de insegurança. “O Brasil, que já tinha saído da mais grave crise econômica de sua história, vive, agora, e sou obrigado a reconhecer, dias de incerteza. E ele (Joesley) não passou nenhum dia na cadeia. Não foi preso. Não foi julgado. Não foi punido. Está passeando pelas ruas de Nova York”, criticou Temer.

Falta de sintonia

Uma das argumentações que a defesa do presidente pretende levar ao STF é a falta de sintonia entre os depoimentos de Josley e Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais e Governo da J&F (holding do grupo). “Muito do que foi dito nos depoimentos dos senhores Joesley e Ricardo provam apenas uma abundante divergência. O primeiro fala em buscar uma forma de interlocução comigo. Pois não tinha. O segundo fala que era interlocutor frequente. Há muitas mentiras espalhadas em seu depoimento”, disse Temer.

Outra incongruência, pondera Temer, é que, segundo depoimento de Joesley, o presidente teria dado aval para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. “Não existe isso na gravação, mesmo sendo ela adulterada. E não existe porque nunca comprei o silêncio de ninguém”, afirmou. Temer garante que não obstruiu a Justiça e não fez nada contra a ação do Judiciário. “Falo só de um dos pontos de contradição e incoerência. Ou seja, houve falso testemunho à Justiça”, disse.

A expectativa do governo é de que mais esse pronunciamento consiga acalmar os mercados e os aliados. O PSDB espera a decantação da crise e o PSB defendeu o rompimento total ontem (leia mais na página 22). “Foi importante porque ele abordou dois pontos essenciais: o risco que essa crise pode representar para a retomada da economia e a benevolência que as autoridades tiveram com os irmãos Batista, que não foram presos nem tiveram que colocar tornozeleiras”, destacou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).

Já o deputado da oposição Alessandro Molon (Rede-RJ) entende que o depoimento indica que Temer tentará barrar as investigações no STF. “Não deu nenhuma explicação, não falou das imagens gravadas de malas de dinheiro recebidas pelo deputado Rocha Loures. Para que estimular que um empresário mantenha um criminoso preso tranquilo? Com que objetivo? Por que estimular Eduardo Cunha tranquilo? A situação é insustentável e todos sabem disso”, criticou.

O analista político da XP Investimentos Richard Back afirmou que segue a incerteza. “Temer vai sofrer novos bombardeios nos próximos dias. A correlação de forças que o mantém estará sob pressão constante, e o resultado é incerto. E, ali na esquina, tem um TSE. Falar sobre reformas, neste ambiente, é impossível”, disse.

“Graças à gravação fraudulenta e manipulada, especulou contra a moeda nacional. A notícia foi vazada seguramente por gente ligada ao grupo empresarial e, antes de entregar a gravação, comprou US$ 1 bilhão”

“Ouso mencionar que houve até 50 edições, que tenta macular não só a reputação moral do presidente da República, mas tenta invalidar nosso país”.

 

Correio braziliense, n. 19717, 21/05/2017. Política, p.2