Delatores frente a frente

Paulo de Tarso Lyra, Antonio Temóteo, Julia Chaib e Natalia Lambert

08/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Relator do processo contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral marca, para sexta-feira, uma acareação entre três ex-executivos da Odebrecht que deram depoimentos contraditórios sobre doações à campanha de 2014

 

 

As contradições entre os depoimentos dados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelos delatores da Odebrecht foram tão gritantes que levaram o relator do processo de cassação da chapa Dilma-Temer, ministro Herman Benjamin, a marcar uma acareação entre os ex-executivos na sexta-feira. O ex-presidente Marcelo Odebrecht, o ex-vice-presidente de relações institucionais Cláudio Melo Filho e o ex-diretor de operações estruturadas Hilberto Mascarenhas Silva terão de explicar as incongruências sobre o que falaram. A acareação será por videoconferência.

A diferença mais gritante envolve as versões dadas sobre o jantar no Palácio do Jaburu, em 2014, quando o presidente Michel Temer pediu apoio da Odebrecht para as campanhas do PMDB. Segundo apurou o Correio, Melo reafirmou o que já tinha falado na delação premiada à Lava-Jato e disse que Marcelo falou, pessoalmente, que a empresa daria R$ 10 milhões para o partido do então vice-presidente.

E acrescentou que, no mesmo encontro — com a presença dele, Temer, Marcelo e do hoje chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha — ficou definido que R$ 6 milhões seriam repassados ao candidato do PMDB ao governo de São Paulo em 2014, Paulo Skaff, e outros R$ 4 milhões ficariam com Padilha para distribuir entre as demais candidaturas peemedebistas.

Marcelo e Temer — o primeiro em depoimento ao TSE e o segundo, em nota oficial — confirmam que houve o jantar e que nele foi pedido o apoio da empresa para as campanhas eleitorais. Mas garantem que, em nenhum momento, foram discutidos valores. E que isso seria tratado em um encontro posterior de Padilha com Melo Filho. Os advogados de defesa do presidente afirmaram ao Correio que só se pronunciarão depois que o sigilo dos depoimentos for levantado. Ontem à noite, Temer disse que o ministro Herman Benjamin está fazendo o papel dele. “Quero que julgue”, afirmou, na saída de um restaurante na Asa Sul.

Aliados do presidente alegam que cabe aos executivos da empreiteira chegar a um consenso. E que há três versões coincidentes — Padilha, Temer e Marcelo — e uma díspare, a de Cláudio Melo. E acrescentam que, mesmo levando-se em conta a versão de Cláudio Melo, o dinheiro pedido não foi destinado à campanha presidencial. Logo, não é pertinente ao processo que analisa irregularidades na chapa Dilma-Temer.

Envolvido diretamente no caso, o chefe da Casa Civil, ministro Eliseu Padilha, segue hospitalizado em Porto Alegre e tem o retorno previsto para a próxima segunda-feira. Padilha não comentou o depoimento prestado por Cláudio Melo. O ministro deve ser mantido no cargo mesmo que haja um pedido de abertura de inquérito por parte do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. No último mês, Temer afirmou que os ministros que forem indiciados devem ser licenciados e, caso virem réus, afastados.

O recém-empossado ministro da Justiça e Segurança Pública, Osmar Serraglio, disse ontem esperar que nomes do governo não sejam incluídos na lista de Janot. “Eu não adentrei na possibilidade de envolvimento mais claro (dos integrantes da cúpula do governo) e não posso ter opinião agora. Espero que ninguém se envolva”, disse.

 

Propinas

Em outros depoimentos prestados ao TSE na última segunda-feira, Hilberto Silva afirmou que o seu setor, responsável por organizar as propinas pagas pela empresa, movimentou, entre 2006 e 2014, US$3,34 bilhões. Entre 15% e 20% desse montante — aproximadamente US$ 680 milhões — foram para doações eleitorais via caixa dois. Os outros 80% eram propinas de obras da empresa no exterior. Já o ex-diretor de relações institucionais Alexandrino Alencar afirmou que a empresa desembolsou, por caixa dois, R$ 21 milhões para que o PRB, o PCdoB e o Pros apoiassem a chapa Dilma-Temer em 2014.

Em nota, o Pros informou que as doações recebidas nas eleições de 2014 foram devidamente declaradas para a Justiça Eleitoral. O PCdoB comunicou que não se pronunciará enquanto não tiver informações de fontes oficiais sobre o assunto. O PRB negou que tenha recebido qualquer contribuição proveniente de caixa dois da Odebrecht. A empreiteira informou que não faz comentários sobre depoimentos prestados em sigilo.

 

 

Correio braziliense, n. 19643, 08/03/2017. Política, p. 2.