Um pedido coletivo de respeito às mulheres

Julia Chaib, Evelin Mendes e Maiza Santos

09/03/2017

 

 

SOCIEDADE » Brasilienses dão um show e ocupam a parte central da capital em manifestações simultâneas pelo fim da violência contra elas, pela legalização do aborto e contra a aprovação da reforma da Previdência

 

 

A quarta-feira de sol quente — a temperatura chegou a 31,4ºC e a umidade bateu em 34% — levou mais de 5 mil pessoas às ruas de Brasília em uma manifestação com a força, a alegria e a beleza das mulheres. Juntas, elas gritaram pelo fim da violência contra elas, pela legalização do aborto e criticaram a reforma da Previdência. Neste ano, não foram as flores a marca do Dia Internacional da Mulher, mas, sim, a luta. Unificadas ao chamamento internacional de protestos, diversas mulheres paralisaram as atividades para se manifestar na capital federal. Aqui, elas atenderam à convocação feita por coletivos feministas e sindicais trabalhistas.

Houve eventos simultâneos no Teatro Nacional, no Museu Nacional da República e no Setor Comercial Sul, onde, ao meio-dia, um apitaço foi impulsionado por mulheres, que distribuíram apitos às outras que passavam pelo local. O som estridente teve o objetivo de chamar a atenção para as causas das suas lutas e fez parte de uma das agendas internacionais do cronograma de protestos. Elas também carregavam cartazes que pediam por respeito.

A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Olívia Pessoa, 31 anos, estava entre as distribuidoras de apito no Setor Comercial Sul. Próximo ao horário do almoço, ela parou de trabalhar para se somar às outras mulheres. “Este é um momento de união, de uma mobilização forte. Vejo, neste dia, as mulheres gritando, lutando. O lado comercial das flores ficou de lado. Este dia vem com uma agenda de luta”, afirmou. Como desejo para esse dia, ela disse que gostaria que “as mulheres olhem para as outras e reparem na violência que sofrem.”

A coreógrafa Laura Virgínia, 46 anos, também decidiu interromper as atividades para se dedicar ao manifesto. “No mundo está havendo como se fosse uma maré feminista e aqui temos que lutar contra a reforma da Previdência, contra a violência”, afirmou.

Ao mesmo tempo em que ocorria o apitaço, no estacionamento do Teatro Nacional, representantes da CUT e do Sindicato dos Professores do Distrito Federal reivindicavam o reconhecimento do protagonismo das mulheres na sociedade e criticaram as reformas propostas pelo governo de Michel Temer, como a reforma da Previdência.

Para a deputada federal Érika Kokay (PT-DF), mais do que nunca o futuro das mulheres está na capacidade de mobilização. “Temos uma democracia precarizada. E as pautas paras as mulheres têm que se impor pela força das ruas”, defendeu. “Não queremos parabéns. Queremos compromisso dos parlamentares em votar contra pautas que nos afetam.”

Enquanto acontecia o evento no teatro no Museu Nacional da República, outro grupo participava de diversas atividades. Havia oficina de turbantes, pinturas indígenas, aulas sobre políticas públicas para mulheres e apresentações musicais, como a da Banda Batalá, formada exclusivamente por mulheres. “Esse ato tem tudo a ver com o objetivo da banda. Queremos isso, trabalhar a autoestima da mulher e a feminilidade”, disse Alexandra Frota, integrante da banda de percussão.

 

Hora de mudar

Entre as participantes, ansiosa por mais liberdade e conquista de direitos, a estudante Yohanne Victoria, 18 anos, disse que “está na hora de haver mudanças’’. Por volta das 17h, esses grupos de mulheres, que estavam em diversos pontos, se reuniram no Museu da República para dar início a uma marcha em direção ao gramado em frente ao Congresso Nacional. A caminhada chegou a reunir 5 mil mulheres, por volta das 20h30.

Para poder participar do evento, a professora Simone Lisniowski, 41 anos, deixou a bebê em casa. Nas mãos, segurava um cartaz com os dizeres “Respeite a minha filha trans”, em homenagem à outra mãe, explicou a professora, que já foi vítima de violência doméstica. Simone disse que denunciou o agressor por meio da Lei Maria da Penha e procurou ajuda de advogados e psicólogos. Ela também buscou apoio em grupos de mulheres e disse que se tornou feminista. Hoje, participa do coletivo Cirandas pela Democracia, que reúne mães contra a violência policial. “Juntas, nos protegemos”, afirmou. Ela afirma que, no atual governo, não há políticas públicas para as mulheres. “Eu queria que a ordem fosse restabelecida.”

A participar pela primeira vez de um ato público, a estudante Mayara Virginia, 18 anos, disse que se impressionou com as imagens e mensagens que viu. “Somos nós por nós, se a gente não lutar, quem lutará por nós?”, indagou. Ela deseja conquistar mais liberdade de ir e vir. “Que isso se concretize de fato.”

Já para a doutoranda em sociologia Laura Gonçalves de Lima, 26 anos, o 8 de março sempre foi um dia de luta. Para este ano, porém, aponta uma mudança devido ao contexto mundial, analisou. “É diferente, porque, conjunturalmente, estamos vendo mudanças no cenário internacional com forças extremamente conservadoras emergindo, como a eleição do Trump e o Estado Islâmico, que é praticamente uma guerra às mulheres”, afirmou.

Ela destacou que todas devem ter consciência de que o silêncio não protege ninguém. “Ele é produtor de medo. Quando a gente não se define, é o mundo que define a gente e isso é em nosso prejuízo”, sintetizou. Pouco antes das 21h, a marcha se dispersou do gramado em frente ao Congresso. A caminhada pacífica terminou sem qualquer incidente, informou a Polícia Militar.

 

* Estagiárias sob a supervisão de Roberto Fonseca

 

Frase

"Somos nós por nós, se a gente não lutar, quem lutará por nós?”

Mayara Virginia, estudante

 

 

Correio braziliense, n. 19644, 09/03/2017. Brasil, p. 6.