O Estado de São Paulo, n. 45015, 15/01/2017. Política, p. A8

STF tem recorde de ações de impeachment

 
Guilherme Duarte
Rodrigo Burgarelli



O número de pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) atingiu em 2016 o recorde absoluto das últimas décadas. Até o início da crise política que levou à cassação da presidente Dilma Rousseff, esses pedidos eram raros: de 2000 a 2014, houve apenas cinco. Em 2015, dois pedidos foram protocolados no Senado. O número explodiu em 2016, quando houve 11 requerimentos para impedir seis ministros da Corte.

O movimento pode ser visto como uma reação à atuação cada vez mais política que o STF tem adotado nos últimos anos, quando tomou decisões polêmicas envolvendo autoridades de outros Poderes – e muitas vezes em caráter liminar.

De 2015 para cá, por exemplo, a Corte determinou o afastamento do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), proibiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assumir ministério no governo Dilma e chegou até a remover o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de seu cargo de maneira monocrática, decisão que depois foi revista pelo plenário.

“A crise política fez com que a Corte tomasse decisão em casos polêmicos, desagradando aos lados da disputa política. E a presença de grupos cada vez mais atuantes e a facilidade de protocolar pedidos de impeachment levaram a esse aumento”, afirma o cientista político Rodrigo Martins, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).

Entre os ministros que foram alvo das ações no ano passado, o líder é Luís Roberto Barroso, com três pedidos de impedimento. Dois deles têm como base o mesmo fato: a decisão do STF em anular a votação secreta determinada por Cunha para criar a comissão de análise do impeachment de Dilma, no fim de 2015. Barroso foi o relator desse caso no plenário e, segundo os autores dos pedidos, “mentiu por omisso” ao não ler por completo um artigo do Regimento Interno da Câmara que, supostamente, garantiria a constitucionalidade da votação.

“O Supremo está muito ativista. Eles começaram a legislar e interferir nos outros Poderes”, diz o autor de um dos pedidos, Salim Rogério Bittar, de 62 anos. Ele é administrador de empresas em Goiânia e diz que passou a se interessar por política recentemente, após ver o forte impacto da crise econômica no mercado local. “Hoje participo dos movimentos de rua que pediram o impeachment da Dilma. Aí comecei a ler tudo, a me informar. E eu e um grupo de colegas vimos que, nesse caso, o Barroso praticamente inventou o regimento”, diz.

Em seguida, três ministros estão empatados com dois pedidos cada – Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. No caso de Gilmar, seus dois processos são de autoria de juristas conhecidos – um deles é assinado pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Lemos Fonteles e o outro pelo professor de Direito Administrativo da PUC-SP Celso Antônio Bandeira de Mello.

 

Acusações. Fonteles e seus coautores acusam Gilmar de se manifestar sobre processos na imprensa, de uso de linguagem indecorosa, de participar de julgamento em casos em que devia ter se declarado suspeito e de envolvimento em atividade político-partidária ao oferecer, por exemplo, café da manhã para o atual presidente Michel Temer e para sua base aliada no Congresso enquanto o afastamento definitivo de Dilma ainda não havia sido determinado.

Os outros dois alvos de pedido de impeachment no STF em 2016 foram Luiz Fux e Marco Aurélio. A acusação contra Fux foi formulada por um grupo de procuradores federais em maio do ano passado que acusam o ministro de ter mantido privilégios para o Judiciário por meio de uma liminar que manteve o pagamento de auxílio-moradia de até R$ 4 mil mensais para juízes de todo o País.

Dois dos procuradores que assinam a petição, Carlos Studart e Pablo Bezerra Luciano, embora reconheçam um crescente ativismo por parte do Supremo, discordam que a razão de sua petição tenha a ver com isso. Segundo eles, trata-se de uma reação ao corporativismo da Justiça. “Um ministro do STF não pode conceder uma liminar e passar mais de dois anos impedindo o plenário de apreciar sua decisão. Um ministro do STF não deve ter esse poder todo”, diz Studart.

 

Regras. O rito do processo de impeachment de ministro do STF e do procurador-geral da República é definido pela Lei do Impeachment, de 1950, a mesma que estabelece as regras para o impedimento do presidente da República. A diferença, porém, é que no caso dos ministros e do PGR, apenas o Senado decide sobre o cabimento ou não dos pedidos, que podem ser escritos por qualquer cidadão. Nunca ocorreu um impeachment de membro do Supremo.

Em períodos autoritários, porém, ministros foram removidos por ato de outros Poderes. Em 1965, foram aposentados compulsoriamente pela ditadura militar os ministros Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva.

Dos 11 pedidos de impeachment protocolados neste ano, a maioria foi rejeitada por decisão da Mesa, sem que nem sequer uma comissão de análise fosse eleita. Apenas três ainda tramitam: um pedido contra Toffoli, um contra Lewandowski e um contra Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin. A reportagem procurou todos os ministros para se pronunciar sobre seus casos, mas a assessoria do STF informou que, em razão do recesso do Judiciário, não foi possível fazer contato com nenhum deles

 

DATA VENIA

● Número de requisições para o afastamento de ministros do STF disparou após o início da crise política

Pedidos de impeachment

2001 - 1

2003 - 1

2005 - 1

2008 -1

2015 -2

2016 - 11

Roberto Barroso -3*

Anulação da votação secreta que instaurou a 1ª comissão do impeachment de Dilma

*Em um dos pedidos, também foram representados os ministros Rosa Weber e Luiz Fachin

 

Gilmar Mendes -2

Manifestação sobre processos fora dos autos, uso de linguagem indecorosa, julgamento em casos em que devia se declarar suspeito

 

Ricardo Lewandowsk -2

Acolhimento para votar em separado a inabilitação de função pública no processo de impeachment de Dilma Roussef

 

Dias Toffoli -2

Seria devedor do Banco Mercantil do Brasil e julgou processos relativos à instituição financeira

 

Luiz Fux -1

Manteve pagamento de auxílio-moradia de até R$ 4 mil mensais para juízes de todo o País por meio de liminar sem submeter o caso ao plenário

 

Marco Aurélio -1

Mandou a Câmara desarquivar o processo de impeachment contra o então vice-presidente Temer em abril do ano passado

 

Passo a passo do impeachment dos ministros do STF

 

A denúncia de um ministro do STF por crime de responsabilidade pode ser feita por qualquer cidadão no Senado

● Mesa do Senado decide se arquiva o processo ou se cria uma comissão especial para analisar a denúncia. A maioria dos pedidos acaba aqui

● Se a comissão for criada, ela elabora um parecer que é votado no plenário. Se ele for rejeitado, processo é finalizado

● Mas, se aprovado, será dado prazo para que o acusado responda à denúncia em 10 dias

● Comissão dá um parecer final, que será votado por maioria simples no plenário. Se passar, o ministro é afastado

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Senado recebe 12 pedidos para afastar Janot

 

Guilherme Duarte
Rodrigo Burgarelli

 

Em dois anos, 12 pedidos de impeachment foram protocolados contra o atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no Senado. Desde o ano 2000, só haviam sido feitas três petições similares, a última em 2003. Metade das representações contra Janot são de autoria do senador Fernando Collor (PTCAL). Um deles acusa Janot de atuar de maneira parcial, escolhendo subjetivamente quem seriam os políticos denunciados no contexto da Lava Jato.

Em 2015, Janot denunciou formalmente Collor, acusando-o de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A PGR não quis comentar as acusações. Em mensagem ao Estado, a assessoria ressaltou que “os membros da instituição se pautam pela legislação em vigor e atuam de forma técnica e impessoal”. A reportagem tentou contato com Collor por e-mail e telefone, sem êxito.

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Temer recorre a Gilmar para se aproximar de Cármen Lúcia

 
Isadora Peron
Beatriz Bulla

 

Diante da tentativa da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, de obter protagonismo em temas de relevância nacional, o presidente Michel Temer tem aproveitado a interlocução com o ministro da Corte e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, para tentar se aproximar dela.

Segundo interlocutores de Temer, o peemedebista considera a presidente do Supremo “indecifrável” e recorre a Gilmar em busca de um elo entre Executivo e Judiciário. Desde que assumiu a presidência do STF, Cármen ajudou a costurar uma solução para o impasse após o afastamento de Renan Calheiros (PMDB) da presidência do Senado e tenta assumir destaque na mediação das crises do sistema carcerário e a financeira dos Estados.

 

Neste último ponto, a ministra irritou o Planalto. Em meio a uma negociação entre o Estado do Rio de Janeiro e a União, Cármen concedeu duas liminares favoráveis ao governo fluminense que evitaram bloqueios de contas. O Rio ficou com uma carta na manga nas tratativas com o governo federal. Até aliados de Cármen dentro do Tribunal consideraram a decisão equivocada, e os despachos desagradaram a Temer e à equipe econômica, que buscaram a presidente do Supremo para explicar a situação. A avaliação do Planalto é de que a decisão poderia gerar um efeito cascata.

Cármen e Temer marcaram uma reunião, que ocorreu no sábado, dia 7, na residência da ministra. Em sinal de deferência, Temer se deslocou do Palácio do Jaburu até o Lago Sul. Depois do encontro, ela suspendeu a tramitação das ações sobre o Rio e deve homologar o acordo, que voltou a ser feito, entre União e Estado.

A boa relação entre Cármen e Temer, porém, é a versão oficialmente propagada por assessores do Planalto e do Supremo.

Internamente, Cármen é criticada por tomar a dianteira de problemas sem entregar soluções concretas. Um ministro do STF ouvido pelo Estado considera, por exemplo, que ela já poderia ter entregue uma medida efetiva para o sistema carcerário – e não apenas ter feito visitas a penitenciárias.

Servidores que já trabalharam com a ministra avaliam que ela centraliza a resolução dos problemas. Por isso teria demorado quatro meses para nomear uma juíza para a diretoria do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, considerada uma de suas prioridades.

Um ministro afirmou, reservadamente, que Cármen Lúcia, ao centralizar as decisões, agiria como a presidente cassada Dilma Rousseff, uma vez que protela suas ações e soluções.

 

Proximidade. Visto no Planalto como o interlocutor do governo no Judiciário, Gilmar tem mantido uma relação cada vez mais próxima a Temer. Segundo auxiliares palacianos, os dois costumam conversar praticamente todas as semanas. A proximidade foi explicitada na semana passada, quando o ministro pegou carona na comitiva presidencial para voltar a Portugal, onde passava férias com a família.

A viagem, porém, gerou críticas à conduta de Gilmar, que vai presidir, no TSE, o julgamento da ação que pode cassar o mandato de Temer e tornar Dilma inelegível. Como presidente da corte eleitoral, caberá a ele decidir quando levar o caso a julgamento no plenário. O ministro rebateu as acusações e disse ter relações institucionais.

Conhecido por falar fora dos autos, o ministro já externou publicamente uma série de opiniões sobre o caso. Foi ele quem começou a defender, por exemplo, que seria possível separar as contas de Temer e Dilma.