Em duas frentes

Gabriela Freire Valente

10/03/2017

 

 

ESTADOS UNIDOS » Donald Trump comemora a queda na entrada irregular de estrangeiros pela fronteira com o México, mas cinco estados se articulam para derrubar na Justiça a nova versão do decreto que barra imigrantes de países muçulmanos

 

 

Em meio a uma batalha travada em duas frentes para implantar sua dura política sobre imigração, o governo Donald Trump apontou ontem a redução de 40% na detenção de estrangeiros que tentavam entrar ilegalmente pela fronteira com o México como resultado das medidas adotadas pelo republicano nas primeiras semanas de mandato. Paralelamente, porém, autoridades de ao menos cinco estados começaram a movimentar-se para barrar, por via judicial, o novo decreto do presidente para fechar as portas do país a cidadãos de seis países de maioria muçulmana — emitido depois de uma primeira ordem executiva ter sido suspensa pela Justiça federal.

Para o secretário de Segurança Interna, John Kelly, a queda de 40% nas detenções registradas na fronteira sul, ao longo de fevereiro, mostra que a “aplicação das leis” e a “dissuasão” promovidas por Trump “têm um impacto”. Os dados dos serviços de segurança americanos indicam uma baixa em comparação com janeiro, a primeira após quase duas décadas de alta constante nesse período do ano. “Ao contrário, em 2017 assistimos a uma queda no número de detenções, de 31.578 para 18.762”, informou Kelly. “Essa é uma notícia encorajadora”, completou.

Embora o secretário atribua o fenômeno às medidas de Trump, que fez do reforço na segurança da fronteira um dos carros-chefes da campanha eleitoral vitoriosa, a queda nas tentativas de entrada irregular nos EUA vinha sendo observada desde alguns meses. As autoridades registraram números elevador de prisões entre outubro e novembro de 2016 — período que coincide com a reta final da disputa pela Casa Branca —, mas os índices começaram a baixar já em dezembro. Em janeiro, a redução observada foi de 27%.

A retórica agressiva do presidente contra imigrantes ilegais pode ter contribuído para dissuadir estrangeiros que pretendiam migrar para os EUA, e até para aumentar os valores cobrados pelos coiotes (traficantes de pessoas)  para fazer a travessia — o aumento chegaria a 130%, em algumas regiões. O número de prisões de cidadãos mexicanos, principal alvo dos ataques de Trump, ao tentar cruzar a fronteira, no entanto, está em declínio há meses.

Um estudo realizado pelo Pew Research Center, com base em dados das autoridades de fronteiras americanas, mostra que o volume de mexicanos detidos nessas condições em 2016 foi inferior ao de cidadãos de países da América Central. Em 2015, o número cidadãos do México nos registros de detenções chegou ao nível mais baixo em quase 50 anos.

 

Processos

Enquanto os números parecem atestar a eficácia do endurecimento dos controles na fronteira sul — proposto por Trump para atender a questões econômicas e relativas a crimes, como tráfico de drogas e armas —, a outra frente da política de imigração continua a esbarrar em desafios jurídicos. Três dias depois de o mandatário assinar uma nova versão da ordem executiva que proíbe temporariamente a entrada de refugiados e de novos imigrantes oriundos de Síria, Irã, Somália, Iêmen, e Líbia, ao menos cinco estados americanos se uniram em mais um esforço para barrar a medida.

Depois de o republicano ter visto a primeira versão do decreto suspensa por via judicial, o procurador Bob Ferguson, do estado de Washington, anunciou que apresentará uma moção para que o juiz federal James Robart aplique a suspensão à nova ordem executiva. Procuradores dos estados de Nova York, Oregon e Massachusetts decidiram se unir aos esforços de Ferguson para desafiar o bloqueio. O Havaí abriu uma ação judicial própria, e uma audiência foi marcada para a próxima quarta-feira — um dia antes de as medidas descritas pelo decreto entrarem em vigor.

Apesar da pressão contra a manobra do governo para garantir a sobrevivência da ordem executiva, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, manifestou otimismo. “Nós sentimos confiança com a forma que isso foi elaborado”, afirmou.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), pretende discutir os impactos da política migratória de Trump em sessões públicas, na semana que vem, em Washington.

 

Frase

"A queda no número de detenções é uma notícia encorajadora”

John Kelly, secretário de Segurança Interna dos EUA

 

40%

Índice de redução das prisões de estrangeiros na fronteira dos EUA com o México, em fevereiro, segundo o Departamento de Segurança Interna

 

 

Correio braziliense, n. 19645, 12/03/2017. Mundo, p. 12.