Gastos milionários com licença-prêmio

Thiago Soares e Luís Nova

10/03/2017

 

 

FUNCIONALISMO » Ao lado do Acre, o DF é a única unidade federativa que ainda converte o benefício em dinheiro nas férias ou no momento da aposentadoria. Governo já tentou acabar com a pecúnia, sem sucesso. Câmara Legislativa e Tribunal de Contas também pagam

 

 

Mesmo diante da grave crise financeira, o Governo do Distrito Federal (GDF) ainda gasta boa parte dos  recursos públicos para pagar a licença-prêmio. O benefício conhecido também como pecúnia é concedido aos servidores locais como um bônus em forma de férias ou dinheiro no momento da aposentadoria. Esse auxílio, no entanto, é concedido atualmente apenas no DF e no Acre. O impacto financeiro em novembro, por exemplo, passou de R$ 16 milhões em pagamentos para 339 recém-aposentados. Somente em três anos, o Buriti desembolsou quase R$ 370 milhões. A situação se repete em todos os poderes, justamente em um momento em que se discute os supersalários pagos nas estatais.

Mesmo em menor escala de gastos, a Câmara Legislativa destinou quase R$ 7 milhões para honrar as licenças-prêmio da Casa. Em 2015, foram quase R$ 8 milhões, e, em 2014, mais de R$ 1,3 milhão. Para este ano, a previsão de gastos é de R$ 6 milhões. O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) executou, em 2016, R$ 9,4 milhões em pecúnia (veja Valores do benefício). No âmbito federal, esse benefício não é concedido há quase 25 anos, substituído pela Licença para Capacitação em 1992, perdendo caráter indenizatório.

A cada cinco anos trabalhados, o servidor público local tem direito a repouso remunerado de três meses. Entretanto, ele não é obrigado a tirar o período de folga, dando a possibilidade futura de converter o benefício em pecúnia. Porém, esse dinheiro só é sacado na aposentadoria, o que acaba se tornando um fundo de garantia vinculado ao último salário. Dessa forma, se um funcionário público em fim de carreira recebe R$ 18 mil e trabalhou 20 anos, ele tem direito a 12 salários do último contracheque. Nessa situação, o recém-aposentado recebe mais de R$ 200 mil de uma só vez.

O pagamento das licenças-prêmio convertidas em pecúnia custaram aos cofres do GDF R$ 180,3 milhões em 2014 e R$ 120,5 milhões, em 2015. Em 2016, o valor desembolsado para o pagamento de pecúnia foi de R$ 69,7 milhões e ainda resta honrar R$ 136 milhões. Por causa do alto gasto com o funcionalismo, a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) informou que o Executivo local começou a atrasar o repasse do benefício para garantir a folha de ponto dos servidores ativos e pensionistas.

De acordo com a pasta, atualmente, há atrasos no pagamento das pecúnias processadas para servidores da administração direta do governo que se aposentaram após setembro de 2015. A falha se refere aos meses de setembro a dezembro de 2015 e a todo o ano de 2016. Agora, o GDF estuda um calendário para o acerto dessas despesas. Em 24 de fevereiro, o governo local pagou os atrasados de 2015 de servidores da saúde, o que corresponderam a R$ 1.141.924,44.

Na visão do doutor em ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, a concessão de pecúnia local é nada mais do que um desperdício do dinheiro público. “O Distrito Federal caminha na contramão daquilo que seria adequado para fazer uma boa governança e na contenção de despesas. Na década de 1990 esse benefício sinalizava um equívoco pelo fato de afetar as contas públicas a longo prazo. Todas as unidades federativas, à exceção do Acre e do DF, caminharam para o fim”, afirma. O especialista considera absurda a vigência do benefício.  “Esse tipo de concessão acaba tirando benefícios de toda a população. No caso do DF, os governantes sempre puderam contar com um orçamento significativo do governo federal, comparado a outras unidades federativas. Essa flexibilidade fez com que houvesse falta de planejamento”, completa José Matias.

 

Pressão

Mesmo com os altos custos acarretados pela conversão de licença-prêmio em pecúnia, atualmente, não há previsão de se acabar com o benefício. Em setembro de 2015, o governador Rodrigo Rollemberg, dentro do pacote de medidas para tirar o GDF de uma situação financeira crítica, anunciou mudanças na licença-prêmio. No modelo proposto, o funcionário que completasse o quinquênio de trabalho e não gozasse da licença-prêmio até o fim daquele ano não poderia mais receber o valor em dinheiro na hora da aposentadoria. A ideia, porém, não emplacou.

Na última terça-feira, o secretário da Casa Civil, Sérgio Sampaio, criticou a concessão do benefício. “É algo que acabou no governo federal há mais de 20 anos. São quase R$ 200 milhões anuais. Já propusemos alteração na lei, mas, infelizmente, não conseguimos.”

O secretário-executivo da 1ª Secretaria da Câmara Legislativa, Eduardo Menis, explicou que esse é um direito adquirido pelo servidor local. “A lei permite o regime jurídico que temos que seguir. Claro que o valor impacta um pouco no orçamento, porém, temos de pagar”, ressalta.

O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Pública Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do DF (Sindireta), Ibrahim Yusef, reclama que o grande fluxo de concessão de pecúnia está ligado à falta de liberações do período de licença. “Temos casos de servidores que pediram para tirar as férias e não tiveram a solicitação concedida. O fato é que o GDF não faz concursos públicos e, assim, não concede a licença-prêmio. Se o Executivo entendesse que, no futuro, não seria possível pagar, ele passaria a conceder as folgas”, disse. Segundo Ibrahim, a categoria não vê a pecúnia como privilégio. “O servidor público não tem Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Portanto, ela serve como complemento no momento da aposentadoria”, defende.

Por meio de nota, a Secretaria de Planejamento Orçamento e Gestão (Seplag) explicou que parte das licenças-prêmios podem não ser concedidas em conjunto, em respeito ao artigo 141 da Lei Complementar 840/2011, segundo a qual as concessões não poderão exceder um terço da lotação do órgão. "A concessão é descentralizada, isto é, depende de cada órgão — a quem cumpre analisar a possibilidade do gozo da licença, respeitando a continuidade das atividades durante os afastamentos. Vale destacar que não há qualquer dispositivo legal que exija que o servidor goze a licença-prêmio durante os anos em serviço", destacou. Sobre o quadro pessoal, a Seplag esclareceu que  permanece impedida de realizar novas nomeações pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

 

Discrepâncias

Os supersalários da administração indireta vieram à tona em janeiro, quando a Controladoria-Geral do Distrito Federal cobrou das empresas a publicação dos vencimentos dos empregados. A partir daí, foi possível constatar discrepâncias como os salários de um motorista da Caesb, que atua na Diretoria de Comercialização e, no mês passado, recebeu R$ 23.213,83 limpos. Na mesma folha, há um advogado com ganho líquido de R$ 65.885,74. Diante disso, GDF enviou nesta semana à Câmara Legislativa uma proposta de emenda à Lei Orgânica que permite a aplicação do teto constitucional na remuneração dos funcionários de estatais.

 

O que diz a lei

» O artigo 142 da Lei Complementar nº 840/2011, conhecida como Estatuto do Servidor Público do DF, estabelece os critérios para a concessão da licença-prêmio por assiduidade. A legislação prevê que, a cada cinco anos ininterruptos de serviço, o funcionário efetivo tem direito a três meses de licença remunerada. A contagem do prazo é interrompida quando o servidor sofre sanção disciplinar de suspensão ou pede afastamento sem remuneração.

» A norma também estabelece que cada falta sem justificativa atrasa a concessão da licença em um mês. O número de servidores beneficiados simultaneamente não pode ser superior a um terço da lotação de cada setor ou órgão do GDF. Os servidores com direito a licença-prêmio que não usufruírem do benefício podem receber os valores em dinheiro no ato da aposentadoria — a conversão em pecúnia. Em caso de falecimento, o repasse dos valores é feito aos beneficiários da pensão.

 

 

Correio braziliense, n. 19645, 12/03/2017. Cidades, p. 17.