Estado de São Paulo, n. 45015, 15/01/2017. Metrópole, p. A19

A revolução e a reação a Francisco dentro do Vaticano

 

André Borges
Luísa Martins

 

A apenas 32 quilômetros da Praça dos Três Poderes, onde se tomam todas as decisões da República, uma nova facção criminosa tenta controlar violentamente uma das maiores favelas da América Latina, a comunidade Sol Nascente. Embrião de grupos organizados que hoje promovem massacres em presídios e duelam para assumir o controle do tráfico no País, a Comando Sol Nascente (CSN) domina o comércio de drogas na região. A cocaína, no entanto, deixou de ser a única especialidade dos criminosos que atuam nos arredores de Brasília.

Neste trecho da Ceilândia onde os dados oficiais mostram que mais de 93% dos moradores vivem em terrenos irregulares, sem asfalto e sem coleta de lixo adequada, membros da facção Comando Sol Nascente (CSN) passaram a diversificar sua atuação para além dos papelotes de cocaína. Entrou no radar do crime o comércio ilegal de terras, um negócio lucrativo, que já chegou a atrair a atuação de policiais a pastores de igrejas.

Hoje, a população de mais de 95 mil habitantes do Sol Nascente, já vulnerável pela falta de renda e infraestrutura mínima em saúde, educação, transporte e saneamento, se vê amedrontada pelas ameaças e pela derrubada de casas sem aviso prévio pelo poder público. O lucro fácil e rápido obtido com a oferta de lotes irregulares a preços de R$ 20 mil a R$ 30 mil instigou a grilagem. As penas brandas são outro atrativo das invasões. Se a prisão por tráfico leva a pelo menos cinco anos de cadeia em regime fechado, o chamado “esbulho possessório” não costuma render mais do que um processo criminal e alguma cobrança de indenização.

A incursão de traficantes na grilagem foi identificada pela Polícia Civil, depois de dezenas de investigações. Uma liderança do CSN já está detida no Complexo Penitenciário da Papuda. Os crimes prosseguem.

As principais vítimas são mulheres que vivem sozinhas e idosos, considerados mais frágeis. São vários os casos de expulsão de moradores de suas casas, para que essas sejam novamente vendidas. “Além do retorno financeiro alto, a verdade é que praticamente ninguém vai preso por grilagem de terra. Por isso, os traficantes passaram a atuar nessa área”, diz Fernando Fernandes, delegado da Polícia Civil que atua na favela.

 

Questão religiosa. Nas terras planas do Sol Nascente, cuja população teria superado, em 2013, a da Favela da Rocinha, no Rio (onde viviam 69 mil pessoas, segundo dados mais recentes do IBGE, de 2010), ainda há muito espaço para crescer. A busca por esses espaços também passou a ser assunto recorrente em alguns templos improvisados nas ruas enlameadas da comunidade. Um esquema que envolve igrejas evangélicas de fachada é investigado pelos policiais e já chegou a alguns charlatães.

Pelo menos dez locais de culto usados para negociar uma área de mais de 100 mil metros quadrados foram erguidos lado a lado por falsos pastores, que persuadiam fiéis a comprar os terrenos “em nome do Senhor”. O local era conhecido como “Nova Jerusalém”.

Fernandes diz que Maria das Dores Ferreira dos Santos era pastora e chegou a ser presa pela Polí- cia Civil, flagrada aterrando lotes e oferecendo a “terra prometida” a devotos.Foi solta tempos depois. A reportagem tentou contato com Maria, sem sucesso.

Com ou sem promessas de lotes, nas ruas planas da favela o mercado da fé continua a ser disputado palmo a palmo. Em um trecho esburacado de apenas 800 metros, a reportagem contou 20 fachadas de templos religiosos.

“Os fiéis suam para ter seu dinheirinho em uma caderneta de poupança ao longo dos anos e, depois, acabam sendo vítimas de estelionato pelos próprios ditos pastores”, diz Fernando Fernandes. “É claro que há pastores e igrejas sérias nessa região, mas o que temos visto aqui não é obra de Deus.” O telefone do delegado, que costuma receber denúncias de moradores que foram vítimas de golpe, passou a receber também ligações de políticos ligados à bancada evangélica, preocupados com os desdobramentos das investigações. Na Polícia Civil, diz Fernandes, há pelo menos mais dez em curso sobre a atuação de pretensos pastores em vendas de terrenos. “Aqui não tratamos de ações de movimentos sociais ou projetos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O que existe realmente é uma organização criminosa”, afirma o delegado.

A ocupação de terras no Sol Nascente ganhou força no início dos anos 1990, quando a região era ocupada basicamente por chácaras e nascentes de água. Em 2008, ganhou ares oficiais e até uma sigla própria.

Ao estilo brasiliense, passou a ser o SHSN, ou Setor Habitacional Sol Nascente. Ali, 48% da população mora há pelo menos 15 anos, apenas 2,95% têm ensino superior completo e 45% não acessam a internet. Mais de 6 mil crianças menores de 6 anos estão fora da escola.

 

Nome

940 hectares tem a favela. Segundo a versão mais corrente, seu nome teria se inspirado em uma propriedade que pertencia a uma família japonesa. O Sol Nascente seria uma referência ao Japão, a “terra onde nasce o sol”.