O Estado de São Paulo, n. 45009, 09/01/2017. Metrópole, p. A14

PCC de Roraima 'exigiu' saída de rivais

 

Fabio Serapião

 

Documentos e conversas interceptadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público revelaram a facilidade que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tinha para conseguir celulares e ordenar crimes de dentro de presídios em Roraima já em 2014, quando a Operação Weak Link avançou sobre a ramificação da facção no Estado. Além disso, exigiam a saída de rivais da cadeia – o que teria motivado a fuga de pelo menos 145 detentos. Investigadores de combate ao crime organizado acompanham o crescimento do PCC em Roraima há pelo menos cinco anos.

Entre os alvos da operação à época, 75 atuavam de dentro dos presídios e apenas 17 tiveram de ser detidos fora do sistema.

A operação também detectou a expulsão de integrantes de outras facções da Penitenciária Agrícola Monte Cristo, promovida pelo PCC. Maior penitenciária do Estado, a Monte Cristo foi palco da morte de 33 presos na sexta-feira. O massacre é atribuído ao PCC e visto como um desdobramento da disputa entre a facção paulista e o Comando Vermelho que resultou na morte de 56 detentos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, em Manaus.

 

Taylor e Sumô. Em Roraima, as duas principais lideranças do PCC são Ozélio de Oliveira, o Sumô, e Diego Mendes de Andrade, o Taylor. Sumô é apontado como o mentor do grupo e comanda o crime no Estado de dentro da Casa de Custódia de Piraquara, no Paraná. Por sua vez, Taylor cuida do aliciamento de novos integrantes e da divulgação da doutrina, enquanto cumpre pena na Penitenciária Federal de Mato Grosso do Sul.

No dia 2 de maio de 2014, as duas lideranças do PCC participaram de um conferência com outros traficantes interceptada pela PF. Na conversa, Sumô faz uma explanação sobre a situação do sistema prisional em Roraima e conta o início da facção e um episódio de quando o PCC começou a “pregar” a sua “ideologia”. Naquele momento, diz Sumô, os detentos de outras facções tiveram o “direito” de pular o muro da Monte Cristo. Segundo o criminoso, em 40 dias foram 145 fugas.

Em outra conversa no fim do mês de março daquele ano, Sumô fala com Wax Nunes de Lima, um “salveiro” do PCC, responsável pela transcrição, transmissão e salvaguarda dos “salves” emitidos pelo comando da facção. Os dois falam sobre como conseguir celulares nas prisões. Sumô comenta a facilidade para se conseguir telefone nos presídios de Roraima e diz que onde está preso, no Paraná, são “somente” dois celulares por galeria.

“Eu morro de inveja de vocês aí que todo mundo tem um, isso aqui custa 5 mil real (sic) um aqui dentro moleque”, explica Sumô. “Caro que só né! Padrinho, aqui 5 mil é que nós paga pro cara comprar pra nós aparelho”, responde Wax.

Outra conversa de maio, de um integrante da facção criminosa apontado como “Vandrinho”, revelou a negociação de armas de dentro da cadeia. Segundo a PF, o traficante usa os termos “abacaxi” e “canetas” para se referir a granada e pistolas, respectivamente.

Na mesma interceptação, Vandrinho afirma que a facção criminosa precisa medir forças com a polícia. “Porque parceiro nós tem de somar contra a opressão, contra esses bota preta aí parceiro (sic)”, afirma o traficante.

 

Weak Link. O nome da operação da Polícia Federal e Ministério Público contra o PCC em Roraima faz referência ao termo em inglês que significa elo fraco. A escolha faz alusão ao objetivo da operação que, segundo a PF, era evitar que outros criminosos entrassem para a organização e servissem de sustentação de sua estrutura, como elo mais fraco.

 

‘DIREITO’ DE FUGA

Sumô: Quando nós banimos ali o Estado (das prisões de Roraima) a gente pregou a nossa ideologia, que é a paz, justiça, liberdade, igualdade e união, muitos ali tiveram o direito de pular o muro, o outro saiu até aqui no Fantástico irmão, pularam. Quantos que pularam no total ali em 40 dias ali, oh Taylor?

Taylor: 145 irmãos, 145 meu padrinho.

Sumô: 145 só pros irmão ter uma ideia como o barato foi louco. Hoje é ... uns quartel do lado porque o barato ficou louco mermo.

 

CRONOLOGIA

Semana fatal nos presídios

 

1º de janeiro

Detentos iniciam uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, e matam 56 internos, em crimes marcados pela crueldade e destruição dos cadáveres. Autoridades atribuem assassinatos à disputa entre a facção Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado.

2 de janeiro

Quatro morrem na Unidade Prisional do Puraquequara, na zona oeste de Manaus, em crimes também ligados a facções e com decapitação das vítimas.

4 de janeiro

Dois presos morrem no presídio de Patos, a 300 quilômetros de João Pessoa, Paraíba. O governo local descartou ligação com a briga de facções no Amazonas e disse que os crimes aconteceram durante o banho de sol na unidade. Líderes do PCC no Estado já estariam isolados.

6 de janeiro

33 presos morrem na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, Roraima. Governo fala em acerto interno do PCC. Em outubro, dez já haviam sido mortos na maior unidade do Estado, em crimes também atribuídos a disputas entre facções.

8 de janeiro

Cadeia que havia sido reativada para receber membros ameaçados do PCC tem ao menos quatro mortes confirmadas. Motins haviam marcado a primeira semana de reativação da Cadeia Raimundo Vidal Pessoa, no centro de Manaus. No mesmo dia, três corpos são encontrados nas proximidades do Compaj e polícia apura ligação com o massacre.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Justiça esvazia cadeia e manda 161 detentos do semiaberto para casa

 
Fabio Serapião
Beatriz Bulla

 

Após o massacre com 33 mortos na Penitenciária Agrícola de Boa Vista (Pamc), a Justiça de Roraima decidiu esvaziar um Centro de Progressão Penitenciária (CPP) em Boa Vista e liberou 161 detentos para prisão domiciliar.

O local foi considerado inseguro para os presos e para os agentes penitenciários.A medida foi solicitada pelo diretor do Centro de Progressão Penitenciária Wlisses Freitas da Silva, que pediu à Justiça que fossem tomadas providências por causa da “impossibilidade de garantir a segurança” dos presos e dos agentes penitenciários.

“Este estabelecimento prisional passa por momentos tensos e de grande apreensão por conta dos últimos acontecimentos”, escreveu o diretor.Todos os presos beneficiados pela medida já estão no regime semiaberto, com autorização para saída durante o dia para trabalhar.

“Assim, são presos que já se encontram em processo de reintegração social”, entendeu o juiz da Vara de Execução Penal Marcelo Lima de Oliveira. O magistrado também destacou que os detentos receberam o benefício da saída temporária de Natal, entre os dias 24 e 30 de dezembro, e não houve relato de crimes cometidos no período.

A decisão é de sábado. Desde ontem, os presos não precisam mais voltar ao centro de detenção para o pernoite. A prisão domiciliar será válida até sexta-feira, e os beneficiados pela medida deverão permanecer em casa após as 20h. Eles também não podem se mudar nem se ausentar de Boa Vista sem autorização judicial, tampouco mudar de residência sem comunicar o juiz. Ficam impedidos de frequentar bares ou casas noturnas e de portar armas.

Na decisão pela prisão domiciliar, o juiz considerou que o problema de segurança não está relacionado aos presos do local, mas a “ameaças externas de facções criminosas”. “Ora, se a própria unidade prisional destaca de forma veemente que não tem como resguardar a segurança dos reeducandos e dos próprios agentes penitenciários, não é possível a estes juízes fechar os olhos para tal realidade”, escreveu o magistrado.

No relato à Justiça, o diretor do CPP afirmou que há baixo número de servidores, e o plantão é feito por três ou quatro funcionários. Ele fala ainda em falta de armamento adequado para “cessar algum tipo de confronto” entre os presos. “Pois neste presídio não dispomos de vigilância externa nem muralhas ativadas por policiais militares, coletes balísticos e armamentos suficientes para todos os agentes penitenciários”, escreveu o diretor.

 

Amazonas. A Justiça amazonense também determinou, anteontem, a soltura de quatro presos que estavam no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. André da Silva Moraes, Francival de Almeida Silva, Thiago Correa da Costa e Valdemar Torres de Souza Neto estavam presos em regime fechado por atraso no pagamento de pensão alimentícia.

A decisão foi tomada após pedido da Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM), que alegou “perigo excessivo” por causa do convívio com condenados por crimes comuns. O juiz Leoney Figlioulo Harraquian decidiu liberar os presos com o compromisso de que apresentem um documento com a quitação do pagamento das pensões. / Colaborou Marianna Lima