Bagagem despachada vira briga judicial

Rodolfo Costa e Hamilton Ferrari

14/03/2017

 

 

Juiz fundamenta liminar no que diz o Código de Defesa do Consumidor sobre venda casada. Outros pontos da resolução da Anac são mantidos, como a possibilidade de desistência da compra de passagem em até 24h sem custos. Agência vai recorrer da decisão

 

A cobrança por despacho de bagagens de até 23kg, que começaria hoje, conforme norma da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), foi suspensa ontem por decisão do juiz federal José Henrique Prescendo, da 22ª Vara Federal Cível do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). A liminar foi concedida com base no pedido do Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo, que ajuizou, na semana passada, ação pedindo a anulação da cobrança.

A decisão do magistrado foi fundamentada pelo Código de Defesa do Consumidor com base na venda casada. “Considerar a bagagem despachada como um contrato de transporte acessório implica obrigar o consumidor a contratar esse transporte com a mesma empresa que lhe vendeu a passagem, caracterizando a prática abusiva de venda casada vedada pelo CDC, pois ninguém compraria a passagem por uma companhia e despacharia a bagagem por outra”, avaliou Prescendo.

Dessa forma, o despacho de bagagens deverá respeitar as normas atuais — malas de até 23kg podem se despachados sem cobrança extra — em voos domésticos. A decisão de Prescendo também derruba o artigo da resolução da Anac que ampliaria o limite máximo da bagagem de mão. “Mesmo o dispositivo que amplia de 5kg para 10kg a franquia de bagagem de mão não representa uma garantia ao consumidor, uma vez que pode ser restringida pelo transportador, fundamentado na segurança do voo ou da capacidade da aeronave”, justificou o magistrado.

A liminar, entretanto, não derruba todas as normas na Resolução nº 400 da Anac. Entram em vigor hoje a possibilidade de desistência da compra da passagem em até 24h sem custos; o prazo de até sete dias para as empresas restituírem a bagagem em caso de perda em voos domésticos; e o prazo de sete dias para as empresas ressarcirem o consumidor em caso de confirmação do extravio da bagagem.

Os argumentos de quem defende a proposta de cobrar por bagagem despachada de até 23kg é que, no mercado internacional, a medida é amplamente aceita, por promover competição, redução de preços das passagens e investimentos. Mas, para alguns consumidores, a mudança não traria benefícios. A técnica elétrica Raquel Valquíria Alves, 25 anos, por exemplo, reclama que as empresas no Brasil, de um modo geral, têm o costume de se apropriar de medidas que podem reduzir custos ao consumidor, mas sem efetivamente baratear os serviços.

“As passagens no Brasil já são extremamente caras e a criação de uma nova tarifa não vai reduzir os valores. As empresas vão aumentar para quem despachar e manter o preço para quem viajar só com a mala na mão. A promessa de redução é muito vaga”, analisou Raquel. A avaliação dela não é muito diferente do pensamento do servidor público Ramiro Gonçalves, 31, e da estudante Regiani Rocha. Para eles, a decisão prioriza as companhias aéreas em detrimento aos clientes. “É errado, porque ninguém viaja mais sem mala. Acho que o consumidor precisa ter o direito de levar pelo menos uma. As empresas só querem lucrar mais”, criticou Regiani.

Providências

A depender da Anac, a cobrança por bagagem despachada ainda vai entrar em vigor. A autarquia comunicou que “respeita as instituições”, mas adotará as “providências necessárias para garantir os benefícios que acredita que as regras oferecem a toda a sociedade brasileira”. “As novas normas buscam aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais, trazendo novos estímulos para a competição entre as empresas aéreas, com mais opções de preços aos passageiros e seus diferentes perfis”, informou.

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) lamentou a decisão. Para a entidade, a medida cria insegurança jurídica no setor aéreo e vai na “contramão das práticas adotadas no mundo inteiro, onde a livre concorrência permitiu uma aviação de maior qualidade e menor preço.”

 

 

Correio braziliense, n. 19649, 14/03/2017. Economia, p. 7.