Previdência social e segurança jurídica

Almir Pazzianotto Pinto

16/03/2017

 

 

A questão crucial da proposta de reforma da Previdência Social, encaminhada ao Poder Legislativo, consiste no aprofundamento do clima de insegurança jurídica dominante no país. Para a filosofia do direito, a primeira finalidade da lei consiste em garantir liberdade e segurança às relações humanas. O direito não pode ser o “corpus de normas de conduta que exprimem a vontade da classe dominante”, como pretendia Andrey Vyshinsky (1883-1954), o poderoso ministro dos Negócios Estrangeiros da extinta União Soviética.

A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar da Previdência. Dedicou ao tema três escassas linhas na letra h do art. 121. A Carta de 1937 foi, também, muito sucinta. Previu apenas a “instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidente do trabalho” (art. 137, m). A Constituição de 1946 traçou as linhas básicas do atual sistema previdenciário no art. 157, XVI, quando incluiu, no capítulo que tratava da Ordem Econômica e Social, “previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte”.

A Constituição de 1967 (Emenda nº 1/69) manteve a sobriedade dos textos anteriores ao determinar “previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado” (art. 165, XVI). Na versão original a Constituição em vigor consagrou à Previdência Social os artigos 201 e 202, o primeiro desdobrado em 5 incisos e 9 parágrafos, o segundo em 3 incisos e 2 parágrafos. Os dispositivos foram alvos de modificações introduzidas pelas Emendas Constitucionais 20/98, 41/2003 e 47/2005.

Ainda hoje, a Constituição garante aposentadoria aos 65 anos de idade para o homem, aos 60 para a mulher e reduz o prazo em 5 anos para trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exercem atividades em regime de economia familiar, aqui incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. As normas constitucionais foram regulamentadas pelas leis 8.212 e 8.213, ambas de 1991. A primeira dispõe sobre a organização da seguridade social e institui o plano de custeio; a segunda disciplina os planos de benefícios.

Para os segurados, entretanto, as garantias constitucionais e legais não bastaram para se sentirem tranquilos e seguros. As investidas com o objetivo de retardar a conquista da aposentadoria se manifestaram por meio de emendas constitucionais e da criação do fator previdenciário, objeto da Lei 9.876/99, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

A questão suscitada pela proposta de reforma da Previdência é até onde chegará o governo? Seria esta a última e a definitiva alteração do sistema previdenciário, causada pela existência de propalado deficit nas contas? Perguntam os trabalhadores se conseguirão se manter empregados até completarem a idade de 65 anos e após contribuírem durante 50? O almejado equilíbrio de contas seria alcançado e mantido ao longo das próximas décadas?

Na vida não devemos subestimar a utilidade do espelho retrovisor. Com a ajuda dele tentamos entender o passado e prever o futuro. A retrovisão da Previdência nos demonstra que o sistema não é confiável. Quem hoje, com 16 ou 18 anos de idade, ao se inscrever no INSS e passar a contribuir compulsoriamente com 8% da remuneração, enquanto o empregador recolhe 20%, depositará fé na imutabilidade das novas regras? Provavelmente, sentir-se-á temeroso de futuras alterações para pior, conforme as mudanças políticas que estão por acontecer.

Presenciamos o fenômeno da colocação de vinho novo em odres podres (Mateus; 9; 16). Não seria o momento de se pensar em algo inédito, como transformar em voluntária a filiação obrigatória dos segurados? O dinheiro que assalariados e empregadores recolhem ao INSS, gasto com pesada máquina burocrática, seria agregado ao salário para permitir ao trabalhador cuidar de sua poupança e construir a economia que lhe valerá na velhice. A Constituição não tem sido empecilho às mudanças de regras.

(...)

 

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

 

 

Correio braziliense, n. 19651, 16/03/2017. Opinião, p. 11.