Malvada carne

Antonio Temóteo e Rodolfo Costa

18/03/2017

 

 

PF desbarata esquema de pagamento de propina para emissão de certificados sanitários a empresas de alimentos; ministro da Justiça aparece em uma das interceptações; parte dos recursos iriam para PMDB e PP; envolvidos negam irregularidades

 

 

Um esquema de pagamento de propina para emissão de certificados sanitários foi desbaratado ontem pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) durante a Operação Carne Fraca. Segundo os investigadores, fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento deixavam de fazer as fiscalizações necessárias para liberar o funcionamento das empresas e recebiam propina de executivos de diversas empresas. Entre elas estão BRF e JBS, duas das maiores processadoras de alimentos do mundo. A PF ainda suspeita que parte dos recursos ilícitos eram destinados para o PMDB e para o PP.

O delegado Maurício Moscardi Grillo afirmou que não estava claro o motivo que levou fiscais a repassar parte dos valores que recebiam de maneira ilícita para os partidos em troca de fazer vista grossa para a venda de carnes e embutidos estragados ou vencidos. Ele detalhou que também não foram identificados os políticos beneficiados. Entretanto, os depoimentos colhidos a partir das conduções coercitivas, as informações descobertas a partir das buscas e apreensões, além dos possíveis acordos de colaboração que podem ser firmados com os alvos presos devem subsidiar novas fases da operação.

Durante as investigações, a PF interceptou uma ligação do ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), quando ainda era deputado, com Daniel Gonçalves Filho, ex-superintendente Regional do Ministério da Agricultura no Paraná (PR). Daniel é considerado pelos investigadores como chefe da organização criminosa e à época o ministro pediu que ele ajudasse a avaliar um problema de um frigorífico em Itaporã (PR). A PF, porém, não encontrou indícios de ilegalidade na conduta do ministro, que não é investigado.

Outros parlamentares do PMDB do Paraná também foram citados nas investigações. Um deles é o deputado federal Sérgio Souza, que integra a Frente Parlamentar Agropecuária. Além dele, o deputado João Arruda teve um assessor grampeado quando chamava um fiscal rigoroso de “capeta”. O deputado estadual Stephanes Junior (PMDB-PR), filho do ex-ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, é outro citado por alvos das interceptações e teve um de seus auxiliares conversando com fiscais investigados.

Nos despachos, o juiz federal Marcos Josegrei, titular da 14º Vara Federal de Curitiba, destaca que Sérgio Souza possuía influência política para manter Daniel Gonçalves como superintendente no estado. O líder da organização criminosa, segundo os investigadores, recorreu a um de seus assessores, Ronaldo Troncha, para se manter no cargo depois que foi afastado.

Suspeitas
O juiz Marcos Josegrei, entretanto, avaliou que não há nada de irregular ou ilegal nos fatos e que há muita “especulação” em torno do papel dos parlamentares, que não foram investigados. Em nota, Sérgio Souza destacou que Troncha não é mais seu assessor e que os fatos datam da época em que ele não trabalhava em seu gabinete. O presidente Nacional do PMDB, senador Romero Jucá (RR), informou em nota que desconhece o teor da investigação, mas não autoriza ninguém a falar em nome do partido.

O PP informou que apoia minuciosa investigação e o rápido esclarecimento dos fatos. Os outros parlamentares citados nas investigações não foram localizados pela reportagem. Em nota, a JBS informou que qualidade é a sua maior prioridade e a razão de ter se transformado na maior empresa de proteína do mundo. A companhia detalhou que exporta para mais de 150 países, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, e é anualmente auditada por missões sanitárias internacionais e por clientes.

A empresa ainda informou que, no despacho da Justiça, não há menção a irregularidades sanitárias da JBS. Nenhuma fábrica da JBS foi interditada. Ao contrário do que chegou a ser divulgado, nenhum executivo da empresa foi alvo de medidas judiciais. Em comunicado enviado ao mercado, a BRF afirmou que está colaborando com as autoridades para esclarecimentos dos fatos. Além disso, reiterou que cumpre as normas e possui regulamentos referentes à produção, comercialização dos produtos e rigorosos processos e controles, além de não compactuar com práticas ilícitas.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) considerou lamentável a denúncia de que alguns dos principais frigoríficos do país, com o apoio de uma rede de fiscais agropecuários, estariam envolvidos num esquema de venda ilegal de carnes ao consumidor.

“O ministro soube hoje, como um cidadão igual a todos, que teve seu nome citado em uma investigação”
Trecho da nota distribuída por Osmar Serraglio

 

 

Correio braziliense, n. 19653, 18/03/2017. Política, p. 2.