Cresce no País número de municípios que dependem do Bolsa Família 

Anna Carolina Papp, Renée Pereira e Rodrigo Brugarelli 

05/02/2017

 

 

Orçamento. De 2008 para cá, proporção de valores do programa social em relação aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios subiu de 25% para 40%, aponta levantamento do ‘Estadão Dados’; em algumas cidades, porcentagem ultrapassa 100%. 

A queda nas transferências federais tem deixado os municípios cada vez mais dependentes do Bolsa Família. De 2008 para cá, a proporção de recursos do programa social em relação ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - principal fonte de renda das prefeituras - subiu de 25% para 40%, segundo levantamento feito pelo ‘Estadão Dados’.

Em várias cidades, no entanto, esse porcentual supera os 100%, como é o caso de Icó (CE) e Riachão das Neves (BA). Em oito anos, o número de municípios nessa situação - onde a renda do Bolsa Família passou a bater o FPM - subiu de 7 para 187. O repasse do Bolsa Família - criado em 2003 no governo Lula - é feito diretamente para a população, enquanto o FPM vai para a conta das prefeituras para custear despesas e fazer investimentos em serviços públicos e infraestrutura local.

Entre 2008 e novembro de 2016, a renda do Bolsa Família cresceu 140% (de R$ 10 bilhões para R$ 26 bilhões) enquanto o FPM subiu 53% (de R$ 42 bilhões para R$ 64 bilhões), segundo o levantamento do Estadão Dados. “Esse quadro é pernicioso para a gestão”, afirma o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski.

Segundo ele, apesar de o programa social ser bem-vindo para a população carente, o dinheiro pouco se reverte em impostos para as prefeituras. Isso porque os beneficiários gastam o dinheiro em estabelecimentos pequenos e informais, diz ele. “Nesse cenário, os municípios perdem dos dois lados: com a queda real dos repasses do FPM e com a baixa arrecadação.”

Serviços públicos. O resultado dessa equação recai sobre a qualidade dos serviços públicos, que no interior do Brasil já é bastante combalida. Um exemplo disso está estampado na última pesquisa feita pela CNM, com 4.708 cidades. A maioria afirma que as áreas mais atingidas pela crise fiscal do País são educação e saúde.

No dia a dia, falta dinheiro para pagar professores, para a manutenção de ônibus escolares e para contratar médicos. Ainda segundo a pesquisa, quase metade dos municípios brasileiros sofrem com a falta de medicamentos em postos e hospitais.

“Os motivos da crise dos municípios são os mesmos que vemos nos Estados. O que varia é a intensidade”, afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Segundo ele, no entanto, ao contrário dos governos estaduais, as prefeituras têm pouca margem para reduzir gastos. “O grosso das despesas é de pessoal.” Nos últimos anos, de acordo com dados de mercado, o número de funcionários públicos vinculados às prefeituras mais que dobrou.

Outro problema, diz Velloso, é a baixa capacidade de recolhimento de tributos municipais, como Imposto sobre Serviços e Imposto Predial e Territorial Urbano. “Em tempos de crise, que a prefeitura mais precisa de dinheiro, ela é pressionada pela população para cortar esses impostos.”

PARA ENTENDER

O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é uma transferência constitucional da União, composto pela arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. A distribuição dos recursos aos Municípios é feita de acordo com o número de habitantes, onde são fixadas faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente individual. Pelas regras, os municípios menores devem ficar com a fatia maior do fundo. “O FPM é uma forma de arrecadação dos municípios e tem caráter redistributivo. Quanto menor for a cidade, maior será o FPM (proporcionalmente)”, explica o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski.

O Estado de São Paulo, n. 45036, 05/02/2017. Política, p. B1