Hora de reaproveitar

Maíza Santos

19/03/2017

 

 

CRISE HÍDRICA » Especialistas alertam para a importância do reúso da água para atividades que não exigem pureza ou qualidade

 

 

A escassez de água no Brasil força a busca por soluções a curto prazo. Se antes era um problema restrito às áreas com condições climáticas ruins — como o sertão nordestino, que historicamente sofre com a falta de chuva e secas prolongadas —, agora, o problema afeta cada vez mais outras regiões. A solução pode ser uma medida antiga, mas pouco aproveitada: reúso de água para atividades que não exigem qualidade ou pureza do recurso. Os especialistas, no entanto, apresentam os desafios.

Uma das formas mais fáceis de reaproveitamento é a das águas cinzas — utilizada em atividades domésticas, como lavar louças, roupas e tomar banho —, que servem para o uso não potável como lavar quintal, calçadas, dar descarga ou regar plantas.

Sérgio Koide, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em recursos hídricos, explica as diferentes formas de reutilização da água. “A negra é a que passa no sanitário, que precisa ser tratada. Águas cinzas passam por um processo que não contamina. A da cozinha tem gordura, não serve, precisa ser tratada. A de banho e de lavanderia servem, mas podem, eventualmente, sofrer contaminação também porque alguém pode estar doente. A de lavar roupa não tem problema, mas para que se use tem que ter um sistema de descarga independente do resto.”

O Distrito Federal, desde o ano passado, vive a pior crise hídrica da história. A população sofre com o racionamento e tem procurado medidas que diminuam o impacto. É o caso de Maria de Fátima Torres, 46 anos, moradora de Ceilândia. “Quando chove, eu coloco baldes na calha para aparar água da chuva, comecei a fazer isso depois do racionamento, não dá para guardar muita porque não tem espaço, mas ajuda bastante nesse período de racionamento, dá para lavar as duas áreas de casa, dar descarga. Já usava a água da máquina de lavar há muito tempo para lavar o chão”, conta.

O bioarquiteto e permacultor Sérgio Borges Paim Pamplona, 51 anos, investiu na técnica e foi além. Seu sítio, no Jardim Botânico, é todo abastecido por água da chuva. “A Caesb não chega aqui, não tem rio ou córrego perto, também não tem poço. A gente construiu, há 15 anos, um sistema de captação de água da chuva. É um custo que vai sendo diluído ao longo dos anos, o mais caro é o armazenamento.”

 

Desafios

Outra forma importante de reutilização da água é o reúso industrial. “Os efluentes (resíduos líquidos) da indústria são reinseridos no processo industrial, principalmente nas grandes empresas, menos nas médias e nas pequenas quase nada”, explica Percy Soares, especialista em políticas e indústria da Confederação Nacional de Indústrias (CNI).

Para ele, o alto custo do processo ainda é um desafio. “É um projeto que depende do tamanho da empresa, do setor, se é uso nobre ou não. O destino da água reflete na qualidade e o tipo de tratamento que ela vai precisar. É um custo alto para as empresas, por isso, a necessidade de reduzir o uso”, completa.

Soares explica a importância da iniciativa no setor industrial. “Hoje, nós temos normas técnicas, não tem uma legislação específica. Tem muitos projetos de lei tramitando no Congresso. No Senado, tem três voltados para o setor industrial. A importância é regulamentar o reúso para investimento privado, para incentivar a segurança jurídica nos contratos de compra de água, fruto de reutilização.”

Koide explica que a reutilização indireta da água é prática comum no Brasil, mas novidade na capital, onde se tornará realidade a partir da captação de água no Lago Paranoá. Ele lembra que parte do esgoto é depositado no Lago. “O Lago está depurando a qualidade, mas a gente vai usar o que já foi esgoto, isso é reúso indireto e seguro.”

 

Consumo

70% agricultura

22% indústrias

8% doméstico

 

768 milhões

de pessoas não têm acesso à água tratada.

 

2,5 bilhões

de pessoas têm ruins ou péssimas condições sanitárias

 

1,3 bilhão

de pessoas não têm acesso à eletricidade

 

De quatro pessoas no mundo, apenas uma tem acesso ao saneamento básico

 

Conflitos violentos pelo controle da água são registrados em 70 regiões do planeta

 

Consumo mundial da água dobra a cada 20 anos

 

Fonte: ONU

* Estagiária sob a supervisão de Roberto Fonseca

 

 

 

Correio braziliense, n. 19654, 19/03/2017. Brasil, p. 8.