Campanhas "anabolizadas"

Paulo de Tarso Lyra

20/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Seis candidatos a governador, alguns dos quais eleitos, 11 senadores e 7 deputados federais, que receberam 70 milhões de votos, são citados nos depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht como beneficiários de doações oriundas de propina

 

 

A pré-lista vazada das delações que foram entregues pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, mostra que, dentre candidatos a governos estaduais, ao Senado e à Câmara, eleitos ou não, o país está diante de quase 70 milhões de votos obtidos em campanhas “anabolizadas” pela propina da Odebrecht. Até o momento, apareceram nas delações da Odebrecht seis candidatos a governador — o número pode chegar ao dobro disso —, 11 senadores e 7 deputados federais. Todos eles são citados nos depoimentos dados por ex-executivos das empreiteiras como beneficiários de doações oriundas de propina, seja por meio do caixa 2 ou em doações legais declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O levantamento feito pelo Correio, com base no desempenho eleitoral dos políticos nos mais recentes pleitos que disputaram, não leva em conta as eleições presidenciais de 2014. Se o desempenho de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) — ambos também sob investigação na Lava-Jato — fosse levado em conta, o total de votos sub judice subiria para mais de 170 milhões de votos. Votos, não eleitores, porque o paulista que votou em Aécio Neves para presidente, provavelmente votou em Alckmin para o governo estadual e em José Serra para o Senado.

“Essa situação é ruim porque aumenta o nível de descrédito da população brasileira com a democracia e as instituições”, lamentou o professor de Ciência Política da Unicamp Milton Lahuerta. Ele lembra que o desgaste não é atual e reforça a polarização no debate político, que se transformou em conflituoso e belicoso. “No momento em que os atores políticos não são mais capazes de conduzir os fatos, os fatos passam a atropelar os agentes políticos”, afirmou.

Lahuerta acredita que a desqualificação da atividade política não ajuda a nossa incipiente democracia. E agrava os esforços dos eleitos para buscar a autosobrevivência. “Você deixa de ter partidos e políticos com projetos claros de um país e passa a multiplicar legendas e candidatos preocupados com a autorreprodução”. Isso justificaria, segundo ele, a montagem de esquemas ilegais de financiamento eleitoral.

 

Eleitor traído

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral sequer entrou nesse levantamento do Correio, já que não disputou eleição em 2014 e está sem mandato desde que deixou o Palácio da Guanabara. Mas a argumentação dada pelo juiz federal no Rio, Marcelo Brétas, relacionando o voto dado pelo eleitor para que o peemedebista governasse o estado por oito anos, está diretamente conectada ao sentimento de perplexidade do eleitorado.

“Se forem confirmadas as suspeitas iniciais levantadas pelos investigadores, independente da gravidade dos fatos e suas consequências sobre as finanças públicas tanto do Estado do Rio de Janeiro como da União, estaremos diante de um gravíssimo episódio de traição eleitoral, em que um indivíduo se mostra capaz de menosprezar a confiança em si, depositada por milhões de pessoas, para cargos nos Poderes Legislativos (do Estado e da União) e Executivo (do Estado) e em tantas eleições.”

O cientista político e professor do Insper Carlos Melo lembra que, ao serem eleitos, os políticos não têm independência para agir diante da quantidade de acordos que precisam fechar para garantir as próprias vitórias. Ele acrescenta que o método de doação feito por grandes empresas, como a Odebrecht, deixa uma margem ainda menor de manobra. “Essas grandes corporações acabam doando para todos os candidatos, dos diversos partidos”.

Além disso, nos últimos dias, o esquema de corrupção ficou mais complexo ainda. “O sistema conseguiu montar um esquema de doação ilegal registrada no TSE”, acrescenta Melo. Com base nisso, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) tornou-se réu no STF e o ex-governador Sérgio Cabral está preso em Bangu, na Zona Oeste do Rio.

 

 

Correio braziliense, n. 19655, 20/03/2017. Política, p. 4.