Abandonada, nova sede do DF já custou R$ 1 bilhão 

André Borges 

05/02/2017

 

 

Controladoria apontou irregularidades no contrato e GDF anulou Habite-se da construção

Um condomínio de luxo em uma área de 182 mil metros quadrados, com prédios de alto padrão, 3 mil vagas de estacionamento, áreas livres, jardins, espaços para restaurantes, bancos, lojas e supermercado.

Há dois anos, toda essa estrutura erguida para abrigar, em um único local, a sede do governo do Distrito Federal e seus 13 mil servidores, está fechada, sem nunca ter sido utilizada.

No lugar da promessa de revolucionar a gestão pública e reduzir os custos da capital federal, o Centro Administrativo do DF, construído em Taguatinga, a 22 quilômetros do Palácio do Buriti, se converteu em uma vila fantasma, onde uma manada de elefantes brancos já dragou cerca de R$ 1 bilhão em investimentos.

Por trás de um dos maiores escândalos de irresponsabilidade de gestão pública em todo o País está um relacionamento de intrigas infindáveis entre o governo do DF, que atravessa a pior crise financeira da história, e a concessionária Centrad, formada pelas empreiteiras Odebrecht e Via Engenharia, ambas investigadas na Operação Lava Jato por envolvimento com esquemas de corrupção.

O plano de colocar vários órgãos públicos de Brasília em um único CEP teve início em um contrato de parceria públicoprivada firmado em 2009 pelo então governador José Roberto Arruda, que acabaria preso pela Polícia Federal naquele ano, acusado de envolvimento com pagamento de propina.

A ideia era simples. A Centrad construiria o complexo com recursos e financiamentos próprios. Depois disso, poderia explorar comercialmente toda a estrutura de serviços pelo prazo de 22 anos. O governo do DF pagaria uma parcela de R$ 22 milhões por mês para a concessionária.

Parte desse valor pagaria uma prestação pela infraestrutura e outra parte, pelos serviços prestados. Ao fim dos 22 anos, portanto, o governo do DF desembolsaria cerca de R$ 6 bilhões pelo Centrad.

Após passar por uma cruzada de processos administrativos e judiciais, a obra começaria efetivamente só em 2013. No ano seguinte, mais precisamente no dia 31 de dezembro de 2014, o então governador Agnelo Queiroz, no último dia de seu mandato, foi até o Centro Administrativo do DF e disse que a estrutura estava inaugurada, sem haver, contudo, nenhum tipo de estrutura de escritório disponível, como mobília, rede de telefonia ou equipamentos de informática.

Naquela mesma ocasião, a gestão Agnelo tratou de liberar o Habite-se do projeto, o que permitiria que a Centrad começasse a receber suas mensalidades do governo. Esses pagamentos jamais ocorreriam.

Habite-se. Ao assumir o Palácio do Buriti, o novo governador, Rodrigo Rollemberg, passou a criticar duramente os termos do contrato firmado com as empreiteiras e a entrega da obra. Em janeiro de 2015, uma liminar da 4.ª Vara de Fazenda Pública do DF suspendeu a carta de Habite-se do empreendimento e travou os pagamentos que o governo começaria a fazer para a Centrad.

No mês seguinte, o Habite-se foi declarado nulo, por causa de “ausência de execução de medidas mitigadoras dos impactos no trânsito da região”. A concessionária chegou a conseguir uma decisão favorável em julho de 2015, para que o governo começasse a pagar as mensalidades, mas nada foi repassado.

Leany Lemos, secretária de planejamento, orçamento e gestão do DF, diz que a posição do governo é clara. “Uma PPP só existe quando algo é entregue corretamente, para que você receba a prestação de serviços.

Não foi o que encontramos. Por isso, vivemos esse drama”, disse.

“A Controladoria apontou mais de 20 casos de irregularidades e pendências na obra e no contrato. A ordem de serviço foi dada um ano depois de iniciada a obra. As garantias não foram constituídas, não foram assinadas até hoje. A orientação do nosso jurídico, portanto, é de que temos que assumir todos os erros do contrato e do projeto.” Sem receber as mensalidades desde janeiro de 2015, a Centrad decidiu jogar a toalha e, em outubro de 2016, propôs a “rescisão amigável” do contrato.

Nas contas da empresa, há cerca de R$ 1,4 bilhão a receber do DF, sendo R$ 1 bilhão relativo aos gastos com as obras e outros R$ 400 milhões ligados a custos com financiamento e os dois anos de mensalidades da parceria público-privada.

Por meio de nota, a Centrad informou que “a demora do governo em solucionar questões sob sua responsabilidade e a inadimplência com a concessionária levaram a essa etapa de negociação”, mas que Rollemberg ainda não se manifestou. “O investimento feito até agora no complexo ficou integralmente a cargo da Centrad e o GDF ainda não fez qualquer pagamento devido ao parceiro privado.” O governo do DF declarou que analisa a possibilidade de reformular os termos do contrato ou de fazer sua rescisão. Na prática, é sabido que se esgotaram quaisquer chances de manter o contrato e o fim da parceria é visto como a única alternativa.

A questão é saber em que condições. Tudo indica que a confusão vai parar na Câmara de Arbitragem do DF.

Elefante branco

3 mil é o número de vagas de estacionamento previstas para o Centro Administrativo do DF 182 mil m² é a área total do condomínio de luxo, com prédios de alto padrão, áreas livres para jardins, restaurantes, agências bancárias, lojas e supermercados.

O Estado de São Paulo, n. 45036, 05/02/2017. Economia, p. B6