Dilema republicano

Gabriela Freire Valente

20/03/2017

 

 

ESTADOS UNIDOS » Relatório sobre o impacto do fim do Obamacare preocupa os governistas, e senadores podem frustrar o novo plano de Trump de subsidiar os seguros de saúde. Desafio é alterar o texto sem contrariar legisladores com perfis distintos

 

 

Há dois meses à frente da Casa Branca, o presidente Donald Trump tem enfrentado um caminho turbulento para implementar as promessas de campanha. Depois de vencer as eleições de 2016 com o argumento de que o sistema de subsídios a seguros médicos da gestão de Barack Obama — conhecido como Obamacare — era um “desastre total”, a proposta do republicano de revogar e substituir o projeto foi confrontada por números tão alarmantes quanto os termos usados por ele para classificar a política de saúde vigente. Cerca de 24 milhões de norte-americanos devem ficar sem cobertura, em menos de uma década, com a proposta do novo governo. Em meio à repercussão negativa sobre a projeção feita pelo Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), líderes republicanos estudam as alterações para garantir a sobrevivência da proposta. Mesmo com maioria em ambas as câmaras do Congresso, o projeto conta com  apoio unânime entre os membros da bancada governista, e um eventual fracasso na aprovação da medida pode trazer duras consequências para a agenda da Casa Branca.

Além de servir de munição para os ataques da oposição democrata, as estimativas do CBO alimentaram as dúvidas de republicanos moderados e conservadores sobre a questão. O plano dos governistas é aprovar a proposta na Câmara dos Deputados na próxima quinta-feira e encaminhá-la ao Senado, onde a vantagem sobre a oposição é de apenas duas cadeiras.

Senadores como Rand Paul (Pensilvânia), Susan Collins (Maine) e Lisa Murkowski (Alasca) estão na lista dos que podem se rebelar contra a liderança do Partido Republicano e arruinar os planos de aprovar a substituição do Affordale Care Act (ACA), a lei que fundamenta o Obamacare, pelo American Health Care Act (AHCA), projeto elaborado pelos governistas. O desafio para a liderança republicana é justamente fazer alterações que satisfaçam legisladores com perfis e com preocupações distintas. Enquanto Paul, um conservador, se queixa do fato de o AHCA ser bastante semelhante ao ACA, Collins teme que a redução na cobertura de saúde deixaria os americanos vulneráveis.

Laurel Hardbridge Yong, professora de ciência política da Universidade Northwestern, em Illinois, avalia que a negociação dos governistas não é uma tarefa simples. “Qualquer coisa que seja feita para agradar um lado, aliena ainda mais o outro”, observa.

 

Olhos na campanha

Parte dos republicanos se preocupa com o possível impacto negativo de uma redução na oferta de seguros subsidiados pelo Estado sobre o resultado das eleições legislativas de 2018, quando os democratas tentarão recuperar a maioria no Senado. Howard Greenwald, sociólogo e professor de políticas públicas da Universidade do Sul da Califórnia, o risco de o tiro sair pela culatra existe, mas não está claro como a eventual substituição do Obamacare deve moldar o comportamento dos eleitores. “As pessoas que serão mais afetadas serão os usuários do Medicaid, um programa destinado a pessoas de baixa renda”, avalia. “De modo geral, pessoas de baixa renda votam em números menores nas eleições, diferentemente dos idosos de classe média, que costumam ser usuários de um outro programa, o Medicare”, pondera.

Greenwald observa que o projeto proposto pelos republicanos retira elementos impopulares do ACA, como a obrigatoriedade da contratação de um seguro para cidadãos com determinada faixa de renda ou as determinações sobre a extensão da cobertura ofertada pelas seguradoras. “Nesse momento há pessoas que ficarão muito felizes com a possibilidade de comprar um plano mais barato ou não serem obrigadas a contratar nenhum serviço”, afirma Eric Wright, professor de sociologia e de saúde pública da Universidade Estadual da Geórgia, ressalta que muitos americanos só passaram a sentir os efeitos do Obamacare nos últimos meses e que o aumento de custos ou atribuições deve ter uma consequência negativa para o governo. A estratégia democrata consiste em reforçar a percepção de que os efeitos colaterais da substituição do sistema seriam uma responsabilidade de Trump e de seus aliados. “A maioria dos analistas de políticas de saúde tem preocupações significativas sobre o que as mudanças propostas provocarão no sistema de saúde. A maioria concorda que nós veremos um aumento no número de não segurados, possivelmente até em níveis vistos antes da implementação do ACA e, nesse sentido, seria um retrocesso”, avalia Wright.

 

Frase

"As pessoas que serão mais afetadas serão os usuários do Medicaid, um programa destinado a pessoas de baixa renda”

Howard Greenwald, sociólogo e professor de políticas públicas da Universidade do Sul da Califórnia

 

 

Correio braziliense, n. 19655, 20/03/2017. Mundo, p. 12.