País recua em índice de desenvolvimento

Natália Lambert

22/03/2017

 

 

SOCIEDADE » IDH ajustado pela desigualdade faz o Brasil perder 19 posições. Dados, referentes a 2015, mostram que ficamos estagnados depois de 25 anos de crescimento contínuo no indicador geral, mantendo o 79º lugar no ranking de 188 nações. Situação deve piorar

 

 

Apesar de ser sentida faz tempo, no dia a dia, pela população brasileira, só agora a crise econômica que o país enfrenta chegou aos indicadores de qualidade de vida e desenvolvimento mundiais. Depois de 25 anos de crescimento contínuo, o Brasil manteve o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) estável em 0,754, de acordo com o relatório divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O principal motivo para a estagnação do índice é a queda na renda das famílias. A tendência, segundo especialistas, é de que a análise seja ainda pior no ano que vem, já que a base de dados deste ano é de 2015.

Desde 1990, quando o IDH começou a ser medido, o Brasil cresceu 23,4%. No ranking de 188 nações, o país se encontra na 79ª posição e permanece na categoria de alto nível de desenvolvimento humano. Entretanto, a estagnação é preocupante, já que, de todas as nações, 159 apresentaram algum crescimento, 16 ficaram estáveis e 13 diminuíram. “O aumento do Índice de Desenvolvimento Humano é muito sensível e baseado em questões estruturantes. Ano a ano, a maioria dos países melhora no IDH. A gente tem que pensar o porquê de, no Brasil, as coisas terem parado depois de tanto tempo de melhora ininterrupta. É um alerta para a gente olhar com atenção, entender e pensar o que precisa ser feito. Se a gente quer ser um país melhor, qualquer coisa que nos freie é preocupante”, alerta Andréa Bolzon, coordenadora de desenvolvimento humano nacional do PNUD.

 

Renda

O economista especialista em mercado de trabalho Rodolfo Torelly explica que a recuperação da renda das famílias é um processo muito lento e, provavelmente, isso ainda vai afetar os dados de IDH nos próximos anos. “Foram 22 meses de perda de emprego formal e queda nos salários finais de admissão. A renda das famílias e o desemprego subiram por duas vertentes: a perda de postos de trabalho e o fato de que as pessoas que não tinham emprego e começaram a procurar por necessidade”, comenta. Para Torelly, a estagnação só foi possível porque havia uma “gordura” que foi gasta nesse momento de crise profunda.

Marcelo Freitas, 22 anos, é um dos brasileiros que vive intensamente a crise. Há quatro meses sem emprego, saiu da cidade natal, Parauapebas (PA), para tentar novas oportunidades em Brasília. Com quatro parentes divide o aluguel da casa, na qual a renda é basicamente gerada pela tia, que é cabeleireira, e a irmã, que conseguiu, recentemente, um emprego em uma loja. “Até o mês passado, apenas minha tia mantinha a casa. Eu e o restante da família estamos na busca de emprego, mas até a locomoção se tornou um problema”, lamentou.

Apesar de continuar na faixa de Alto Desenvolvimento Humano, quando o IDH brasileiro é ajustado ao índice de desigualdade, o país perde 19 posições e se enquadra no grupo de nações que mais são penalizadas. O número cai para 0,561. É o terceiro país que mais tem queda, empatado com a Coreia do Sul e o Panamá, perdendo somente para o Irã, que cai 40 posições, e Botsuana, 23. Em relação ao Coeficiente de Gini (desigualdade de renda), o Brasil é o décimo pior do mundo, ficando, na América Latina e Caribe, atrás somente do Haiti, Colômbia e Paraguai.

Na opinião do economista e diretor da FGV Social Marcelo Neri, se a perspectiva para o ano que vem é que o IDH seja pior, a estimativa para o índice corrigido pela desigualdade é assustadora. Segundo Neri, a estagnação é enganosa e não retrata de fato o que houve em termos de desenvolvimento humano no Brasil desde 2015. De acordo com o índice de Gini, no ano passado, o país registrou o primeiro aumento da desigualdade em 22 anos, chegando a 0,522, com alta de 1,6% em relação ao ano anterior. “A desigualdade está aumentando bastante. Os mais pobres são os que mais estão perdendo. Estamos involuindo, perdendo o jogo. Em termos sociais, a crise é muito pior que a econômica”, comenta o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Por meio de nota divulgada pela Presidência da República, o presidente Michel Temer destacou que “os dados divulgados pela agência da Organização das Nações Unidas (ONU) ilustram a severidade da crise da qual apenas agora o país vai saindo”. “O resultado do conjunto de transformações em curso, sob a liderança do presidente Michel Temer, deve refletir-se, ao longo das próximas edições do índice, em uma melhoria, tanto absoluta, como relativa de nosso número”, acrescenta o documento.

 

Para saber mais

O que é o IDH

Anualmente, desde 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) faz uma análise entre 188 países e territórios sobre o desenvolvimento humano e o desenvolvimento sustentável. Antes, o único conceito que definia se um país era desenvolvido era o Produto Interno Bruto (PIB).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) engloba três questões estruturais: saúde (expectativa de vida), conhecimento (média de anos de estudo e anos esperados de escolaridade) e padrão de vida (Renda Nacional Bruta per capita).

A lista é dividida entre os países com um padrão muito alto, alto, médio e baixo de desenvolvimento. O número vai de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). O primeiro colocado do ranking é a Noruega, com um IDH de 0,949, e o último é a República Centro-Africana, com índice de 0,352.

 

 

Correio braziliense, n. 19657, 22/03/2017. Brasil, p. 8.