O Estado de São Paulo, n. 45006, 06/01/2017. Metrópole, p. A12

Com vagas sobrando e obra inacabada, governo anuncia mais presídios federais

 

André Borges
Rafael Moraes Moura
Erich Decat

 

Mesmo com vagas sobrando nos quatro presídios sob sua gestão e uma penitenciária inacabada, o governo federal prometeu ontem a construção de mais cadeias como forma de conter os problemas no sistema carcerário, evidenciados nesta semana pelo massacre de 60 presos em dois presídios de Manaus. As cinco prisões, ainda sem prazo definido, foram anunciadas pelo presidente Michel Temer como uma das medidas que constarão do Plano Nacional de Segurança. A ação já é alvo de críticas de especialistas.

Segundo o presidente, o governo federal investirá R$ 2,2 bilhões no sistema penitenciário em 2017. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, deverá dar mais detalhes hoje. Ontem, o PSOL anunciou que pretende contestar no Supremo Tribunal Federal (STF) a liberação, por meio de medida provisória, de R$ 1,2 bilhão para o sistema.

Moraes ressaltou que não há data para a conclusão das novas cadeias. “A licitação nem foi aberta.” Ele defendeu, contudo, a modernização dos presídios e a aplicação de penas alternativas para crimes menos graves.

“No Brasil, temos 42% de presos provisórios.” Em uma tentativa de afastar o Planalto do massacre no Amazonas, Temer ressaltou que a segurança interna dos presídios cabe aos Estados, mas lembrou que há uma “necessidade imperiosa” da União ingressar nesse sistema de segurança.

No entanto, a celeridade que o governo federal promete dar agora aos projetos penitenciários não passou perto da construção do quinto presídio de segurança máxima. Anunciada em novembro de 2013, a nova cadeia no Complexo da Papuda, em Brasília, deveria ter sido entregue em dezembro de 2014.

À época, o projeto foi alçado como peça fundamental para “fortalecer o combate ao crime organizado”. Sua estrutura teria “equipamentos de última geração, como aparelhos de raio X, coleta de digital e detectores de metais de alta sensibilidade”.

Depois de poucos meses do início das obras, o projeto foi paralisado. A empreiteira que fazia o empreendimento, a RV Ltda, faliu. Foram pelo menos nove meses de paralisação até que a segunda colocada na licitação, a GCE, assumisse a construção.

Hoje, as obras estão com 65% da execução física. A previsão atual de entrega é outubro de 2017. E o valor da obra, segundo o governo, saltou de R$ 34,8 milhões para R$ 39 milhões. A administração federal ainda tem outros quatro estabelecimentos de segurança máxima. Cada um com 208 vagas, mesmo número previsto para a Papuda.

Segundo o Ministério da Justiça, a ocupação média atual em cada uma das penitenciárias federais é de 190 presos. Isso significa que, apesar da lotação de criminosos de alta periculosidade em detenções estaduais, haveria cerca de 70 vagas disponíveis.

A construção desses presídios federais cumpre determinações da Lei de Execução Penal e começou em 2006. A função dessas estruturas é garantir o isolamento de chefes do crime organizado e aliviar a tensão no sistema carcerário estadual.

Segundo Moraes, “a racionalização e a modernização do sistema penitenciário” são o terceiro eixo do futuro Plano de Segurança.

“O primeiro objetivo é reduzir homicídios dolosos e de violência contra mulher. O segundo é o combate integrado à criminalidade.” Nessa linha, uma das ações que já vem sendo colocada em prática é o mapeamento nos Estados de homicídios.

Em relação ao segundo eixo, ele informou que haverá a busca pela ampliação da cooperação com países vizinhos e criação de núcleos de inteligência em todos os Estados. Ao lado de Moraes, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, informou que o governo investirá R$ 450 milhões na monitoria de fronteira.

Críticas. Para Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o anúncio feito pelo Ministério da Justiça de construir outros cinco presídios federais é “uma medida para aparecer, a toque de caixa, para resolver um problema de imagem”. “Os presídios que já existem são subutilizados. Mais importante seria discutir quem a gente prende. O encarceramento em massa deve ser questionado”, ressaltou. “O governo Temer rompeu o diálogo com os especialistas e com a sociedade civil. Só está ouvindo as Polícias Militares.”

Outros especialistas concordam e avaliam as medidas como “paliativas” e “oportunistas”. “Elas não vão dar conta daquilo que é mais importante, que é repensar a política”, avaliou a pesquisadora Soraia Mendes, especialista em presídios da UnB. “Ao mesmo tempo em que o governo sinaliza que quer reduzir a taxa de homicídio, não observa que aquelas pessoas que estão sendo mortas são as que estão indo para o cárcere por causa da guerra das drogas. Reduzir a taxa de homicídio em relação a quem? Quem morre no Brasil é preto e pobre e quem está preso é preto e pobre.” / COLABORARAM BRENO PIRES e FABIANA CAMBRICOLI

 

CRONOLOGIA

17 de outubro

Primeiro prazo

Gestado desde sua posse no Ministério da Justiça, Alexandre de Moraes deu indicações no Rio de que o Plano Nacional de Segurança Pública seria lançado. Depois, falou em “no máximo, três semanas”.

 

10 de novembro

Eixos adiantados

Em Goiás, durante uma reunião com autoridades do Estado, ele apresentou as prioridades do plano: redução de homicídios, combate ao narcotráfico e à violência contra mulher e racionalização de cadeias.

 

25 de novembro

Discussão no mesmo

foco Em São Paulo, discutiu propostas e ouviu sugestões no Ministério Público Estadual. Mas voltou a dizer que o foco seria a redução de homicídios e a racionalização do sistema prisional.