Uma base ainda sob controle do Planalto

Paulo de Tarso Lyra

24/03/2017

 

 

GOVERNO » Aprovação do projeto de terceirização com placar bem abaixo do que o necessário para uma PEC anima a oposição no Congresso, mas analistas avaliam que Temer conseguirá mobilizar os aliados na hora de votar a reforma da Previdência

 

 

Apesar da margem relativamente apertada na aprovação do projeto de terceirização na Câmara dos Deputados — 231 votos favoráveis e 188 contrários —, a base do governo de Michel Temer ainda tem gordura para aprovar as reformas que precisa, especialmente a mais difícil de todas, a da Previdência. Desde que Temer assumiu o Planalto, em maio do ano passado — ainda de forma interina, já que o impeachment só aconteceu em agosto —, a base aliada tem apresentado uma fidelidade de praticamente 55%.

A consultoria Arko Advice calcula a fidelidade com base no quórum de 513 deputados, não dos parlamentares presentes. O melhor momento ocorreu em julho, com 62,81%, e o pior, em dezembro, com 42,57%. Naquele mês, o governo sofreu a única derrota até o momento: a aprovação da renegociação das dívidas estaduais sem a necessidade de contrapartida para os governadores.  “A base aliada mandou alguns recados claros de que é preciso negociar. Mas fez isso em uma matéria que não teria riscos para ser aprovada”, afirmou o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.

Para Noronha, as estratégias do governo para aprovar as diversas matérias são diferentes. No caso da Previdência, por exemplo, o Planalto, especialmente o presidente Michel Temer, tem se empenhado pessoalmente em negociar com os parlamentares. Ao longo desta semana, por exemplo, o presidente reuniu-se com líderes da base aliada na Câmara e no Senado, além de uma ampla reunião com os ministros para ordenar que eles cabalassem votos nos respectivos partidos.

Além disso, Temer retirou, na terça-feira, da proposta original da reforma, os servidores públicos estaduais e municipais. Com isso, atendeu ao pedido dos deputados, que reclamavam receber muita pressão nas bases eleitorais. Deixou a batata para que prefeitos e governadores façam a reforma que acharem mais adequada. “Para mim, não faz muita diferença. Nossos servidores são celetistas, não estatutários”, disse ao Correio o prefeito de Araraquara, Edinho Silva.

O cientista da Arko lembrou que a própria estratégia adotada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se aplicaria em caso da reforma da Previdência. A matéria foi colocada em votação com quórum relativamente baixo em plenário — cerca de 420 deputados. Em reformas constitucionais, é necessário um número bem mais alto. A margem de segurança é acima de 490 parlamentares presentes.

“Além disso, não dá para acreditar que, por mais que haja dissidências na base de apoio ao governo, a oposição tenha 188 votos dela para barrar matérias que interessam ao Planalto”, completou Cristiano. “No caso da reforma, o governo vai mobilizar todas as suas forças como fez para aprovar a PEC do teto de gastos, quando saiu vitorioso com uma margem segura de votos”, acrescentou o cientista político.

 

Interlocução

A vice-presidente da consultoria Ideia Inteligência, Cila Schulmann, lembra que a comunicação de Temer com o Congresso é muito melhor do que a apresentada pela ex-presidente Dilma Rousseff, que estava desgastada perante a classe política, os agentes econômicos e a população. E que isso é fundamental porque, diferentemente de seus antecessores, o presidente não tem o capital político de quem foi eleito pelas urnas.

“Ainda assim, ele está apresentando propostas, especialmente econômicas, corajosas e necessárias para que o país avance”, destacou Cila. Ela afirmou que é fundamental a participação do presidente pessoalmente nas conversas, porque os parlamentares se queixavam de estar “apanhando” nas redes sociais.

Sindicatos e a oposição lançaram o slogan para ser exposto nas bases parlamentares “votou não volta”, sinalizando que quem é favorável à reforma da Previdência não se elegerá no ano que vem. Na opinião de Cila, esse timing precisa estar nítido na cabeça do governo. “Quanto mais o governo demorar a aprovar as reformas, pior ficam os cenários, porque vai se aproximando o período eleitoral e a pressão sobre os parlamentares vai aumentar”, aposta Cila.

O Planalto manteve a tranquilidade um dia após a aprovação do projeto da terceirização. “Quantas reuniões o presidente Temer fez com a base para fechar apoio ao projeto? Nenhuma. No caso da Previdência, é diferente. Ele está se empenhando pessoalmente na negociação política”, reforçou um assessor palaciano.

A noção do calendário eleitoral está presente. Por isso, o governo mantém os planos de aprovar a reforma, nas duas Casas, antes do recesso de julho do Congresso.

 

 

Correio braziliense, n. 19659, 24/03/2017. Política, p. 2.