Lavagem de dinheiro sujo
Chico Otaviano
27/01/2017
 
 
Conexão Uruguai  
Grande volume levou operadores a recorrer a doleiro em país vizinho

O esquema de corrupção chefiado pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral — investigado na Operação Eficiência, realizada ontem — era tão grande que o peemedebista se viu obrigado a buscar apoio de um operador fixado em Montevidéu para lavar dinheiro sujo. Cabral já tinha uma fortuna de US$ 6 milhões, escondida no exterior, em 2007, quando assumiu o governo fluminense. Desde então, com o volume de propinas tendo alcançado “valores surreais”, como afirma o Ministério Público Federal, teve de pedir ajuda a um doleiro internacional para lavar o dinheiro.

Foi neste momento que o esquema ganhou um novo personagem, ainda misterioso para os investigadores: “Juca Bala”, um operador brasileiro que vive em Montevidéu. Dele, os irmãos Renato e Marcelo Hasson Chebar, os delatores da Operação Eficiência, sabem apenas que se chama Vinícius Claret, conforme mencionado em entrevista coletiva na manhã de ontem. Sem ele, Cabral não teria viabilizado transferências ilegais que somaram US$ 100 milhões.

Claret, o “Juca Bala”, denunciado pelos dois irmãos, pode ter uma conexão com pelo menos outros dois conhecidos doleiros do Brasil. Uma testemunha já o apontou aos investigadores como um dos operadores no Uruguai de Darío Messer, considerado um dos maiores operadores do mercado paralelo de câmbio da América Latina. Darío, por ter cidadania paraguaia, conseguiu manter essa liderança fora das fronteiras brasileiras e, portanto, sem a necessidade de prestar contas às autoridades nacionais.

MENSAGENS CRIPTOGRAFADAS

Outra ligação constatada na documentação apurada pela Operação Eficiência é com o doleiro Raul Fernando Davies, que também deslocou o eixo das suas operações para o Uruguai para fugir da vigilância das autoridades. Uma terceira linha de investigação envolve o advogado uruguaio Oscar Algorta, que já apareceu em etapa anterior da Operação Lava-Jato como o laranja utilizado por Nestor Cerveró para comprar um apartamento em Ipanema. Algorta também pode ter uma conexão com “Juca Bala”.

Vinicius Claret entrou no esquema de lavagem de Cabral quando os irmãos Renato e Marcelo Chebar não conseguiram sozinhos realizar toda a operação de Cabral pelo volume crescente de dinheiro envolvido. Até 2007, Renato e Marcelo usavam operações dólarcabo (entrega de valores em reais no Brasil para que fossem creditados recursos em dólar no exterior) usando a própria clientela. Com o gigantismo do esquema de Cabral, foram obrigados a procurar outro doleiro que possuísse maior porte e estrutura para as operações. Foi assim que “Juca Bala” passou a gerenciar do Uruguai o esquema de lavagem.

Os delatores garantiram que não tinham nem sequer o telefone de Juca, pois falavam com ele através do messenger, usando para isso um sistema criptografado de troca de mensagens.

Renato disse que, durante as operações, encontrou-se com Juca em pelo menos três ocasiões, mas sempre no hotel onde se hospedava em Montevidéu. Juca, segundo ele, tinha uma estrutura no Rio de Janeiro para o recebimento em espécie dos valores da propina de Cabral.

SENHA MELANCIA

O esquema de lavagem de dinheiro, segundo os delatores, ocorria da seguinte forma: de posse dos reais enviados por Sérgio Cabral através de Carlos Miranda, Renato e Marcelo entravam em contato com Juca pelo MSN, por meio do programa Pidgin (de mensagem criptografada), para fechar a taxa de câmbio. O megadoleiro, segundo eles, também utilizava os codinomes Ana Holtz e Peter.

Uma vez definidos os valores, uma equipe composta normalmente por um liquidante e dois seguranças se dirigia ao escritório dos delatores e usavam uma senha, como “melancia”, para retirar os valores que deveriam ser posteriormente creditados no exterior. Havia outra senha para identificar o nome do portador dos valores.

O globo, n. 30489, 27/01/2017. País, p. 4