Era de incertezas

Maiza Santos

26/03/2017

 

 

MEIO AMBIENTE » Especialistas alertam para a importância de medidas preventivas em tempos de crise hídrica e aumento da temperatura global. Ministro demonstra preocupação com as mudanças climáticas em andamento

 

 

Além do tratamento dado à água, existe um agravante na ação humana a ponto de mudar os rumos da natureza. O aquecimento global — aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra — provocou um aumento recorde das temperaturas climáticas no mundo, no ano passado. O fenômeno, que se deve, principalmente, ao aumento das emissões de gases na atmosfera, tem preocupado especialistas. Nos últimos três anos, o recorde de temperatura foi batido, sendo 2016 o ano mais quente da história.

Segundo Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o mundo está entrando em uma era de incertezas. “Apesar de aumentar a temperatura e o clima da Terra sofrer alterações, os eventos climáticos estão tão frequentes que é difícil antecipar os impactos. Em 2015, 28% dos municípios brasileiros entraram em situação de calamidade pública por secas, enxurradas, inundações, tornados. Já estamos sofrendo com os impactos, as consequências podem ser severas, precisamos diminuir as emissões de gases do efeito estufa, que provocam mortes e impactos econômicos, e investir em estratégias de adaptação para essas mudanças”, adverte.

Rittl aponta o El Niño — fenômeno de aquecimento anormal das águas do oceano pacífico tropical, que afeta o regime de chuvas — como uma das explicações para o aumento exagerado das temperaturas. “Embora ocorra com frequência e seja conhecido, parece ter sido turbinado pelo aquecimento global e contribuiu para o aumento da temperatura resultando em um ciclo vicioso. Foi mais potente desta vez e estamos sujeitos a ele e também ao seu oposto, a La Niña”, explica.

Para o especialista, é preciso investir em medidas preventivas. “Nas áreas onde vai chover, que a gente se prepare antes de acontecer. O custo da prevenção é maior do que reparar a emergência. Quando houve um desastre na região serrana do Rio com mais de mil mortes provocadas pela chuva, ao mesmo tempo, na Austrália, os moradores de áreas de risco receberam uma carta informando que deveriam se retirar de suas casas por risco de alagamento. É preciso conhecer cada vez mais o grau de risco, tanto na mudança de padrão do clima, quanto na frequência de desastres naturais, para que se saiba como agir”, alerta.

André Nahur, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, chama a atenção para o período de seca e racionamento vivido em diferentes regiões do país, inclusive na capital. “Houve um aumento de 3ºC na temperatura de algumas regiões do Brasil. O mundo inteiro vive ondas de calor. Os especialistas estão alertando para uma redução no regime de chuvas em todo o país. O Nordeste, até 2050, terá uma redução de pelo menos 40% nas precipitações e o Centro-Oeste, entre 30% e 40%”, informa.

A previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) é que, até 2030, a demanda por água no mundo deva aumentar em 50%. Enquanto isso, 80% das águas descartadas pela indústria, comércio, agropecuária e residências são devolvidas à natureza sem tratamento, poluindo às destinadas ao consumo humano. Apenas 20% dessas águas residuais são tratadas.

Durante o seminário Águas do Brasil: 20 anos da Lei das Águas, realizado na Câmara dos Deputados na última terça-feira, com o objetivo de debater a questão hídrica nacional, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, demonstrou preocupação com as mudanças climáticas e destacou a importância de repensar o consumo hídrico no país. “O momento que vivemos, de crise hídrica em várias regiões do país, inclusive na capital, sofrendo com o racionamento, nos motiva a questionar nossas legislações, políticas, modelos de gestão e padrões de consumo”, disse.

Rittl critica ainda os níveis de desmatamento no Brasil que colocam em risco o cumprimento das metas de redução estabelecidas no acordo internacional de 2009. “São inaceitáveis os altos índices de desmatamento em um país que não depende de novas áreas para produção de alimentos. Existem áreas abandonadas de pastagem que, se tratadas, podem servir para a produção.”

 

 

Correio braziliense, n. 19661, 26/03/2017. Brasil, p. 6.