Rombo de R$ 149 bilhões 
Bárbara Nascimento e Daiane Costa 
27/01/2017
 
 
Previdência urbana volta a ter déficit, após 7 anos no azul. Para analistas, problema é estrutural

BRASÍLIA E RIO- O rombo da Previdência Social atingiu, em 2016, o pior patamar em 22 anos: R$ 149,7 bilhões, ou 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi a primeira vez na História em que o déficit ficou acima de R$ 100 bilhões. E a Previdência urbana, depois de sete anos de superávits, voltou a registrar saldo negativo, de R$ 46,3 bilhões, ou 0,7% do PIB. Para economistas, o rombo na Previdência urbana deve-se a sua estrutura, que permite aposentadorias precoces e com valores muito altos para os padrões internacionais, inviabilizando sua sustentabilidade ao longo do tempo. E ele só não se agravou antes porque o boom da formalização do mercado de trabalho, entre 2009 e 2015, aumentou a arrecadação e mascarou o problema.

— Se você pegar desde o final dos anos 1990 até 2015, a Previdência urbana sempre apresentou déficit, com exceção dos anos gloriosos do mercado de trabalho. Essa trajetória já estava desenhada, e reformas necessárias para garantir a sustentabilidade do sistema foram adiadas porque agiu-se como o bêbado embriagado, que acha que o mundo é como ele vê naquele momento. Os antirreformistas sempre disseram que o problema do déficit é das aposentadorias rurais e esqueceram de observar que o problema estrutural era crescente — analisa Paulo Tafner, economista especializado em Previdência.

ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO PREOCUPA

Segundo Tafner, a tendência é que, nos próximos anos, o rombo da Previdência urbana supere o da rural — que fechou 2016 em R$ 103,4 bilhões —, pois, além de o valor do benefício rural ser menor, hoje nove em cada dez trabalhadores que se aposentam vivem nas grandes cidades. Na opinião do economista, mesmo se aprovada, a reforma da Previdência não conseguirá estancar esse déficit imediatamente:

— Se aprovada a (reforma da) Previdência como enviada ao Congresso, primeiro o déficit deixa de crescer e serão necessários entre cinco e oito anos para zerá-lo. Sem reforma, a situação será ainda pior.

O coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine, completa:

— Enquanto se conseguiu manter o ritmo de arrecadação alto, o crescimento da despesa passou desapercebido. Você tem uma tendência, sem reforma da Previdência, de que esse crescimento da despesa continue.

Especialistas apontam ainda o fator envelhecimento da população. Para Luis Eduardo Afonso, economista da FEA/ USP, mesmo que o PIB volte a crescer e o mercado de trabalho recupere parte da formalização perdida nos últimos dois anos, a projeção de um crescimento maior da parcela idosa da população, se concretizada, é suficiente para fazer com que esse déficit siga uma trajetória de alta:

— De acordo com o IBGE, enquanto a população economicamente ativa deve crescer 0,6% ao ano até 2050, o grupo com 65 anos ou mais crescerá num ritmo bem mais acelerado, de 4,2% ao ano.

O déficit geral da Previdência é resultado de R$ 358,1 bilhões em receitas e R$ 507,8 bilhões em despesas. O rombo deste ano representou um salto de 74,5% em relação ao de 2015, de R$ 85,8 bilhões, ou 1,4% do PIB. O rombo real (já descontada a inflação) foi de R$ 151,9 bilhões. Além disso, colaborou para o déficit R$ 43,4 bilhões em renúncias fiscais, quase um terço do total.

O secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, explicou que colaboraram para o déficit histórico fatores conjunturais, causados pela crise, e estruturais, pois cada vez mais pessoas têm condições de se aposentar:

— Tem um aspecto da demografia: a sociedade envelhece e gera cada vez mais benefícios, mas também tem questões conjunturais. Se em um ano em particular você tem uma geração de empregos menor, isso afeta (o resultado).

O argumento do envelhecimento populacional serve de base para a reforma da Previdência defendida pelo governo, que tramita no Congresso. A proposta de emenda constitucional (PEC) fixa uma idade mínima de 65 anos e 25 anos de contribuição para requisitar a aposentadoria. Além disso, estabelece que, para receber o benefício integral, o trabalhador tenha contribuído por 49 anos. O Ministério da Fazenda espera conseguir aprovar o projeto ainda no primeiro semestre. Caetano disse que sua expectativa “pessoal” é que a aprovação ocorra até setembro.

O secretário disse ainda que, sem renúncias fiscais, como o Simples Nacional e os benefícios para microempreendedores individuais (MEI) e entidades filantrópicas, o rombo cairia de R$ 149,7 bilhões para R$ 106,3 bilhões.

Nagamine defende reavaliar as renúncias. Mas ele ressaltou que eliminar incentivos que estimulam a formalização, por exemplo, pode fazer com que os trabalhadores voltem para a informalidade, ou seja, não haveria o esperado incremento de receita.

O especialista em Previdência Leonardo Rolim acrescentou que colaborou, ainda, para a disparada do déficit, a greve do INSS em 2015. Isso porque as perícias ficaram paradas e vários benefícios que deveriam ter sido pagos naquele ano foram jogados para 2016. Ou seja, o rombo do ano passado acabou inflado.

GOVERNO TEM PRESSA NA REFORMA

A professora da UFRJ Denise Lobato Gentil, especialista em seguridade social, defende, no entanto, que o déficit recorde da Previdência urbana reflete a condução da política macroeconômica, que tem contribuído para o desemprego e a informalidade, derrubando a arrecadação:

— Toda economia em recessão entra em déficit, e já estamos numa depressão. Esse resultado ruim é efeito de uma política de governo recessiva, com taxas de juros altíssimas, corte de crédito aos bancos públicos e enormes desonerações tributárias, mesmo com receita em queda.

Ela diz ainda que, ao tratar do déficit previdenciário, o governo desconsidera a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que poderiam ajudar a estancar o déficit rural:

— São mecanismos criados para enfrentamento de depressões econômicas como a que vivemos, para que financiem a previdência rural.

Afonso, no entanto, afirma que o uso desse recurso é inviável, pois a Cofins “tem por natureza a seguridade social como um todo”. Para cobrir a aposentadoria rural, o governo teria de tirar esses recursos de onde estão alocados hoje, o que criaria outros problemas. Atualmente, o trabalhador rural é segurado especial. Ele só precisa comprovar que trabalhou no campo para ter direito à aposentadoria a partir dos 60 anos (homem) e 55 anos (mulheres). A reforma prevê que esses trabalhadores passem a pagar uma contribuição individual e cumpram 25 anos de contribuição, com 65 anos de idade mínima.

Outro item que pode gerar resistência diz respeito ao agronegócio. A reforma acaba com a isenção de 2,5% sobre as receitas decorrentes das exportações. Pelas projeções do governo, isso pode gerar uma economia anual de R$ 6 bilhões.

O ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, disse ontem que o governo espera que a reforma da Previdência seja aprovada o mais rapidamente possível pelo Congresso, que retoma os trabalhos em 2 de fevereiro. Nos bastidores, a área econômica, em especial a Fazenda, espera ver a reforma aprovada até julho nas duas Casas, um calendário muito otimista na avaliação de governistas.

— Esperamos que a reforma seja aprovada no menor tempo possível. Mas temos que respeitar o tempo do Congresso — disse Oliveira. Colaborou Cristiane Jungblut

Frase

“A Previdência urbana sempre apresentou déficit, com exceção dos anos gloriosos do mercado de trabalho. Reformas foram adiadas porque agiu-se como o bêbado embriagado, que acha que o mundo é como ele vê naquele momento.” 

Paulo Tafner

Economista

O globo, n. 30489, 27/01/2017. Economia, p. 17