Rombos das contas públicas deve ser maior

Rosana Hessel

27/03/2017

 

 

CONTAS PÚBLICAS / Técnicos da equipe econômica estão divididos sobre necessidade de alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Fontes do governo estimam que o deficit pode chegar a R$ 227,2 bilhões. Nem aumento de impostos e contingenciamento irão resolver

 

 

Técnicos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento estão divididos em relação à alteração da meta fiscal deste ano. Interlocutores do governo contam que essa possibilidade não está descartada pela pasta comandada por Dyogo de Oliveira, nos próximos meses, apesar de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reiterar que ela será cumprida. No mercado, crescem as apostas de que o rombo das contas públicas deste ano será maior do que os R$ 154 bilhões registrados pelo governo central (que reúne Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) em 2016. Por conta disso, nem aumento de imposto será suficiente para cumprir a meta, de um deficit primário de até R$ 139 bilhões. Pelos cálculos de uma fonte do governo que acompanha o Orçamento, o quadro fiscal atual é muito pior do que parece. Dados preliminares revelam que serão necessários pelo menos R$ 88 bilhões para o cumprimento da meta. Mais, portanto, do que o rombo adicional de R$ 58,2 bilhões anunciado por Meirelles e Oliveira na última quarta-feira. Logo, o deficit primário de 2017 passaria dos R$ 197,2 bilhões para R$ 227,2 bilhões, sem cortes de gastos e aumento de imposto.

Para chegar ao rombo extra de R$ 58,2 bilhões, o governo considerou R$ 54,8 bilhões de perda de receita e aumento de R$ 3,4 bilhões de despesas, ao atualizar as projeções de crescimento da economia. Essa diferença é resultado da reavaliação de receitas e despesas do governo após a revisão dos parâmetros macroeconômicos previstos no Orçamento, o que fez a previsão de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) cair de 1,6% para apenas 0,5%.

Só que, nessa conta, precisam ser considerados outros dados, como a perda de uns R$ 30 bilhões de arrecadação anual com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de retirada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Isso elevaria o rombo extra para os R$ 88 bilhões. A Receita Federal evita comentar a estimativa de perda de arrecadação com essa medida que havia antecipado, de R$ 20 bilhões, porque Meirelles garantiu que esse valor seria reduzido. Especialistas não têm dúvidas de que a perda de receita com ICMS pode chegar a R$ 30 bilhões por ano, porque está havendo uma enxurrada de processos de empresas que pedem, na Justiça, o ressarcimento dos impostos pagos indevidamente.

Os advogados Fabricio Medeiros e Fabio Goldshmidt, sócios do escritório Andrade Maia, contam que o volume de processos é tanto que o sistema eletrônico da Justiça no Rio Grande do Sul ficou fora do ar no último dia 14. “O número de clientes para esse tipo de processo está crescendo bastante nos últimos dias”, afirma Goldschimidt.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê um deficit primário de R$ 139 bilhões nas contas do governo central e o deficit anunciado é de R$ 58,2 bilhões. Para evitar entregar o rombo de R$ 197,2 bilhões, o governo precisará fazer um contingenciamento de gastos e aumentar impostos. Essas medidas serão anunciadas amanhã. O ministro tem dito que deverá haver aumento de PIS-Cofins sobre os combustíveis. Ele descartou alta no Imposto sobre Operação Financeira (IOF) cambial.

O governo também pretende rever as desonerações para empresas que não estão tendo impacto na economia. Uma estimativa feita pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, mostra que a renúncia de tributos, neste ano, somará R$ 284,8 bilhões. A equipe econômica vem trabalhando nos últimos dias para evitar que o corte no Orçamento fique acima de R$ 20 bilhões.

Meirelles pretende incluir na conta receitas extraordinárias de leilões de concessões vencidas de hidrelétricas, que poderiam chegar a R$ 14 bilhões. Analistas, contudo, têm dúvidas de que esse dinheiro entrará este ano. Outro dado preocupante é o aumento nas receitas com dividendos, de R$ 7,7 bilhões para R$ 9,4 bilhões. Fonte do governo diz que isso também corre o risco de não se concretizar em sua totalidade.

A dificuldade em conseguir recursos para aumentar a receita leva técnicos a considerarem como única saída a mudança da meta. A relutância em admitir isso é que o atual governo terá de lançar mão de um expediente constantemente usado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

 

Revisão

Especialistas alertam que, apesar da revisão de parâmetros, a receita estimada pelo governo está superestimada. O Produto Interno Bruto (PIB), na melhor das hipóteses, poderá crescer apenas 0,3%, pela estimativa da Tendências Consultoria e da SulAmérica Seguros. A 4E Consultoria está mais pessimista: prevê contração de 0,2%. Já a Gradual Investimentos estima alta de 0,12%. “Impossível o governo cumprir a meta fiscal deste ano. Estimamos deficit primário de R$ 165 bilhões”, conta Newton Rosa, economista-chefe da Sul América. André Perfeito, economista chefe da Gradual, também acredita que o deficit será superior ao do ano passado. “As contas do governo continuarão no vermelho até 2019”, avisa. O especialista em contas públicas Fabio Klein, da Tendências, não descarta o aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis, apesar de a Fazenda negar. “O governo vai procurar alternativas de aumento de imposto que possam ser elevadas por decreto, como é o caso de IOF, PIS-Cofins e Cide”, aposta. Ele reconhece, contudo, que isso não será suficiente. “O governo terá que mexer na meta, senão será obrigado a fazer um contingenciamento muito forte. Não há espaço para isso”, afirma. Klein estima que o resultado primário ficará em R$ 148 bilhões se o governo conseguir fazer um contingenciamento de R$ 47 bilhões.

Na avaliação do economistachefe da MB Associados, Sergio Vale, seria um erro o governo alterar a meta fiscal. “Para manter a credibilidade, é melhor encontrar meios entre corte de gastos e aumento de impostos”, afirma. Para o economista José Luis Oreiro, o ônus político de aumentar impostos será maior do que o de mudar a meta fiscal.

 

 

Correio braziliense, n. 19662, 27/03/2017. Economia, p. 6.