Uma corte divergente 
André de Souza 
25/01/2017
 
 
Ministros de turma do STF de onde deve sair relator da Lava-Jato têm atuação diferente no tema

Cármen Lúcia e Celso de Mello foram mais duros com investigados; Dias Toffoli e Gilmar Mendes aceitaram mais recursos

-BRASÍLIA- O provérbio “cada cabeça, uma sentença” se revelou verdadeiro na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por julgar processos da Lava-Jato e de onde deverá sair o novo relator da operação após a morte do ministro Teori Zavascki, na última quintafeira em acidente de avião em Paraty (RJ). Da análise de 32 casos divulgados publicamente em que investigados recorreram ao STF contra decisões do juiz federal Sérgio Moro — responsável pelos processos da operação na primeira instância —, é possível notar que cada ministro teve uma atuação diferente. Alguns, como Cármen Lúcia e Celso de Mello, foram mais duros com os investigados. Por outro lado, os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e o próprio Teori foram mais favoráveis aos pedidos dos réus.

Os 32 casos abrangem habeas corpus e reclamações. A reclamação é um tipo de ação bastante usada pelos acusados da Lava-Jato para contestar decisões de Moro. O número de decisões sobre a Lava-Jato na Segunda Turma, no entanto, pode ser maior. O GLOBO pediu ao STF informações sobre todos os processos da LavaJato relatados por Teori Zavascki, mas a Corte não deu qualquer detalhamento.

Entre os investigados que recorreram ao STF há políticos, ex-funcionários da Petrobras, doleiros, executivos e ex-executivos de empreiteiras que tinham contratos com a estatal. Os pedidos mais comuns são a revogação de prisão preventiva e a suspensão de processos que tramitam na primeira instância.

Além de Teori, apenas dois ministros integraram a Segunda Turma desde o início da análise dos casos da Lava-Jato: Celso de Mello e Gilmar Mendes. Enquanto esteve à frente do caso, Teori negou 19 pedidos e aceitou parcialmente 13. Com a morte dele, na semana passada, está indefinido o destino da Lava-Jato no STF. Além dos recursos contra decisões de instâncias inferiores, há três ações penais e 40 inquéritos abertos no tribunal contra autoridades com foro privilegiado, como parlamentares e ministros.

Celso de Mello, o mais antigo integrante do STF, negou 22 pedidos e aceitou parcialmente três. Ele também foi o que mais se ausentou: sete vezes. Gilmar Mendes, que sempre integrou a turma desde o começo da Lava-Jato, negou 12 pedidos, aceitou um, aceitou parcialmente outros 15 e se ausentou três vezes. Em um caso, julgado em 24 de fevereiro de 2015, Gilmar foi a favor de analisar um habeas corpus do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, mas a maioria da Segunda Turma negou o pedido sem sequer analisar o mérito da questão. Assim, não é possível dizer se ele foi a favor ou contra a liberdade do investigado.

Cármen Lúcia participou da Segunda Turma até 6 de setembro do ano passado. Depois disso, assumiu a presidência do STF. Enquanto atuou na turma, foram julgados 30 dos 32 casos. Ela negou 24, e aceitou parcialmente quatro, ou seja, nestes quatro casos foi favorável a revogar a prisão dos investigados, mas substituindo-a por medidas cautelares, como prisão domiciliar, uso de tornozeleira eletrônica e entrega do passaporte. Em outros dois julgamentos, ela esteve ausente.

Cármen trocou de lugar com Ricardo Lewandowski, que deixou a presidência do STF e, em 13 de setembro, passou a integrar a Segunda Turma. De lá para cá, o GLOBO identificou dois casos julgados: uma reclamação do doleiro Adir Assad, que queria ser solto, e outra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tirar de Moro os processos contra ele. Nos dois casos, Lewandowski seguiu o relator e a maioria da Segunda Turma, negando os pedidos.

Desde que Toffoli entrou na Segunda Turma, houve 23 casos julgados. Ele negou sete, aceitou 14 parcialmente, e se ausentou em duas ocasiões. Entre 9 de setembro de 2014, quando Lewandowski encerrou sua primeira passagem pela Segunda Turma para assumir a presidência do STF, e 17 de março de 2015, quando Toffoli deixou a Primeira Turma para assumir um posto na Segunda, houve apenas quatro ministros trabalhando no colegiado. O normal são cinco.

O motivo do desfalque foi a demora da então presidente Dilma Rousseff para indicar o substituto do ex-ministro Joaquim Barbosa, que havia deixado o STF em 2014. Somente em 14 de abril de 2015 Dilma apontou o ministro Edson Fachin, que passou a fazer parte da Primeira Turma no lugar deixado por Toffoli.

O levantamento do GLOBO considerou como casos diferentes um mesmo recurso que pudesse beneficiar mais de uma pessoa. Isso porque, dependendo da situação, o pedido de um investigado pode ser aceito, e o de outro recusado. Em 10 de fevereiro de 2015, por exemplo, a Segunda Turma revogou a prisão preventiva do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, substituindo-a por medidas cautelares. Em 17 de março, rejeitou estender a medida para quatro executivos da empreiteira OAS. Em todos os cinco casos, a decisão foi unânime, com Teori, Cármen e Gilmar votando da mesma forma. Celso estava ausente, e Toffoli ainda não integrava a Turma.

Em outras situações, a decisão aplicada ao autor original do recurso foi estendida a outros. Em 28 de julho, a Segunda Turma revogou a prisão preventiva do empreiteiro Ricardo Pessoa, da construtora UTC, e a substituiu por medidas cautelares. No mesmo dia, estendeu a medida para oito executivos de diversas empreiteiras.

Além dos casos julgados na Segunda Turma, o GLOBO localizou duas reclamações relatadas por Teori na Lava-Jato que foram julgadas pelo plenário do STF, composto por 11 ministros. Isso ocorreu por envolver a então presidente Dilma Rousseff e o então presidente da Câmara Eduardo Cunha. Pelos cargos que ocupavam, seus recursos só podiam ser analisadas pelo plenário, e não pela Segunda Turma.

No caso de Cunha, que hoje está preso em Curitiba, a defesa alegou que Moro conduzia indevidamente investigações contra ele, que, por ser deputado, só poderia ser julgado pelo STF. Assim, solicitava a anulação de alguns processos. Em setembro de 2015, Teori negou o recurso. A decisão foi mantida por unanimidade em outubro pelo plenário. Na ocasião, apenas os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello estavam ausentes.

A pedido de Dilma, Teori determinou em 22 de março de 2016 o sigilo das interceptações telefônicas de Lula e mandou que Moro enviasse ao STF os processos relacionados às gravações. Isso porque havia diálogos com a então presidente e outras autoridades com foro privilegiado. Em 31 de março, por maioria, o plenário referendou a decisão do relator. Posteriormente, Teori mandou de volta para Moro os processos contra Lula que não envolvessem autoridades com foro.

No caso de Dilma, além de Teori foram a favor do pedido da ex-presidente os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Outros dois ministros foram parcialmente vencidos: Luiz Fux e Marco Aurélio Mello concordaram em manter o sigilo das gravações, mas opinaram que só os processos envolvendo investigado com foro fossem enviados ao STF. O ministro Gilmar Mendes não participou do julgamento.

AS DÚVIDAS SOBRE OS RUMOS DA LAVA-JATO E A SUCESSÃO DE TEORI NO SUPREMO

COMO SERÁ ESCOLHIDO O NOVO RELATOR DA LAVA-JATO NO STF?

O Regimento Interno do STF abre várias possibilidades. O mais provável é que a relatoria seja sorteada entre os integrantes da Segunda Turma, da qual Teori Zavascki participava. A ideia é que um dos cinco integrantes da Primeira Turma migre para a Segunda, deixando a formação novamente completa antes de ser realizado o sorteio. Outra possibilidade seria o ministro revisor de Teori herdar os processos da Lava-Jato. Na Segunda Turma essa função é de Celso de Mello. No plenário, a tarefa cabe a Luís Roberto Barroso. A terceira opção seria simplesmente aguardar a nomeação do novo integrante do STF pelo presidente Michel Temer e entregar todos os processos ao substituto de Teori.

A PRESIDENTE DO STF, MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, PODE ESCOLHER INDIVIDUALMENTE O NOVO RELATOR?

Teoricamente sim. Ela poderia delegar a relatoria a um dos revisores de Teori Zavascki, que são os ministros Luís Roberto Barroso e Celso de Mello.

QUAL A TENDÊNCIA NO STF HOJE?

A tendência é evitar uma decisão monocrática da presidente do Supremo em tema tão sensível e controverso e sortear a relatoria da Lava-Jato para um dos integrantes da Segunda Turma, da qual Teori Zavascki participava.

EM CASO DE SORTEIO DA RELATORIA, O PROCESSO É PÚBLICO?

O sorteio é feito por um sistema eletrônico no Supremo Tribunal Federal e não é aberto ao público. A Ordem dos Advogados do Brasil defendeu que o sorteio seja feito entre todos os ministros do Supremo e não apenas entre os da Segunda Turma.

ALGUM MINISTRO ESTÁ IMPEDIDO DE SER ESCOLHIDO?

Sim, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia. Pelas regras da Corte, o ocupante do cargo não entra nos sorteios para relatoria de processos, a não ser em algumas classes processuais restritas exclusivamente à presidência.

ALGUMA DECISÃO DE TEORI PODE SER REVISTA PELO NOVO RELATOR?

Em relação às decisões transitadas em julgado, ou seja, aquelas nas quais nenhuma das partes têm mais direito de recorrer, não há como haver mudança. Em decisões que ainda são passíveis de revisão, porque ainda não são definitivas, o novo relator poderá adotar outra posição, desde que algum interessado entre com recurso ou novo pedido.

HAVERÁ ATRASO NAS INVESTIGAÇÕES DA LAVA-JATO POR CAUSA DA MORTE DE TEORI?

Sim. A equipe de Teori Zavascki estava dedicada à análise dos 800 depoimentos da delação premiada da Odebrecht. Os depoimentos finais já estavam marcados e a expectativa era que a delação fosse homologada em meados de fevereiro. Agora, a delação poderá atrasar se a homologação não for feita pela presidente Cármen Lúcia e aguardar a definição de um novo relator, que precisará analisar o material antes de dar a chancela. Outras frentes investigativas também ficarão atrasadas por dependerem do novo relator. Ele precisará conhecer os 40 inquéritos e três ações penais já em andamento no STF.

COMO SERÁ ESCOLHIDO O MINISTRO PARA A VAGA DE TEORI NO STF?

Pela Constituição, a escolha dos ministros do STF cabe ao presidente da República. O indicado precisa ter reputação ilibada, notável saber jurídico e idade entre 35 e 75 anos. Não há prazo para essa escolha.

O ESCOLHIDO SERÁ NOMEADO AUTOMATICAMENTE?

Não. Depois da indicação do presidente da República, a pessoa precisa ser sabatinada e ter seu nome aprovado pela Comissão de Comissão e Justiça (CCJ) do Senado. Em caso de aprovação, o candidato é submetido à votação no plenário do Senado.

ESSE NOVO MINISTRO HERDARÁ A LAVA-JATO?

Existe essa possibilidade no Regimento Interno do STF. No entanto, em casos de morte, há precedente no sentido de redistribuição dos processos mais urgentes entre os ministros que já compõem a corte, para não atrasar a ação. No caso da Lava-Jato, esse entendimento deve ser aplicado.

O globo, n. 30487, 25/01/2017. País, p. 3