Julgamento no TSE será semana que vem

Paulo de Tarso Lyra

29/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA »Gilmar Mendes separa quatro sessões para apreciar processo de cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico. Tese de separação das contas está cada vez mais difícil de emplacar, mas há chance de adiamento em caso de pedido de vista

 

 

Dois anos e quatro meses após o pedido oficial apresentado pelo PSDB, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgará, na próxima semana, o processo de cassação da chapa Dilma-Temer sob acusação de abuso de poder político e econômico. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, marcou duas sessões extraordinárias para analisar a ação: terça-feira pela manhã e quarta-feira à noite. O TSE também se debruçará sobre o tema nas sessões ordinárias de terça à noite e quinta-feira pela manhã. Há, no entanto, a possibilidade de um dos ministros pedir vista (mais tempo para analisar o processo) por causa da extensão da investigação — apenas o relatório final tem 1.058 páginas.

O Ministério Público Eleitoral (MPE) entregou, no início da noite de ontem, as alegações finais, que foram mantidas sob sigilo. As defesas dos três partidos envolvidos diretamente no julgamento também já entregaram suas peças: PMDB, PT e PSDB. Os tucanos pediram a punição à ex-presidente Dilma Rousseff pelo crime de caixa dois e abuso de poder econômico. Mas eximiram o então vice e atual presidente da República, Michel Temer, alegando que ele não era o cabeça de chapa e que não teve participação direta na coleta de recursos ilegais provenientes do esquema de corrupção montado na Petrobras.

Gilmar acabou acatando a sugestão de Herman e marcou o julgamento logo para a primeira semana de abril. O mês acabaria sendo atípico para a Corte, já que na segunda semana não devem haver sessões, por conta da Semana Santa, e o próprio Gilmar estará fora do país entre 18 e 25 — primeiro coordenando um evento em Portugal e, depois, acompanhando as eleições presidenciais na França.

Além disso, em 16 de abril, um dos titulares da Corte, o ministro Henrique Neves, deixará o TSE. A tendência é que ele seja substituído por Admar Gonzaga, ligado ao ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab. Em maio, quem deixa o TSE é a ministra Luciana Lóssio, tendo como substituto natural Tarcísio Vieira, ligado ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). Os quatro são os representantes da advocacia.

O Correio apurou que está cada vez mais difícil conseguir emplacar a tese de separação das contas de campanha, defendida pelos advogados do presidente Michel Temer, sobretudo após os depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht, que apresentaram contradições quanto à existência de caixa dois nas campanhas do PMDB.

O ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht confirmou doações irregulares para o PT, mas isentou o PMDB de responsabilidade. Já o ex-diretor de relações institucionais Cláudio Melo Filho afirmou que o próprio Marcelo confirmou que repassaria R$ 10 milhões para o PMDB — R$ 6 milhões para a campanha a governador de Paulo Skaff e R$ 4 milhões entregues ao atual ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.

 

Avaliação

O humor do governo alternou ao longo do processo. Em um primeiro momento, Temer e seus aliados torciam para um julgamento rápido e apostavam na separação das contas. Com o passar do tempo e, sobretudo, após os depoimentos dos delatores da Odebrecht, abrindo uma interseção do julgamento do TSE com a Lava-Jato, o receio de um relatório duro de Herman Benjamin aumentou. Agora, já existe a certeza de que o ministro — que deixará o mandato em setembro — pedirá a cassação da chapa, obrigando a defesa do presidente a derrubar o relatório em plenário.

Em conversas reservadas, já foi traçada uma nova estratégia para, caso a chapa não seja desmembrada, trabalhar pela absolvição geral. Não interessa, segundo aliados de Temer, carregar nas tintas para forçar uma cassação apenas de Dilma.

Interlocutores do presidente negam que a alegação feita pelo PSDB de que Dilma é a única culpada, eximindo Temer de responsabilidade no processo, tenha impacto jurídico no processo. A torcida, contudo, é de que o argumento pese do ponto de vista emocional, somando-se ao discurso de que tirar o peemedebista do Planalto neste momento, gerando a necessidade de realização de uma eleição indireta, afundaria o país novamente em uma crise política, em um instante em que o país começa a dar sinais de recuperação econômica.

Ainda existem dúvidas sobre o que ocorrerá caso a chapa seja cassada. Independentemente do resultado do julgamento, é quase certo que haverá algum recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse caso, caberá ao ministro Gilmar Mendes decidir se, em caso de perda do mandato presidencial, Temer poderá recorrer sob efeito suspensivo, no mandato. Se isso não for permitido, o peemedebista deixará o Planalto e uma nova eleição — indireta — será convocada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

 

O que está em jogo

O que é o processo?

Existem quatro ações apresentadas pelo PSDB pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer, por abuso de poder econômico e político.

 

Quais as justificativas da defesa de Dilma?

Como sofreu o impeachment no ano passado, ela não pode ser tirada do poder, apenas o presidente Michel Temer. A defesa da petista alega que não houve recebimento de doações ilegais e assegura que os gastos de campanha foram feitos corretamente. Existem dúvidas, por exemplo, sobre o pagamento a gráficas que prestaram serviço durante a corrida eleitoral. Os advogados de Dilma também afirmam que não pesa contra ela suspeitas de envolvimento direto em cobrança de propina. A ex-presidente também pediu a anulação dos depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht.

 

Qual a estratégia da defesa de Temer?

Além de também pedir a nulidade dos depoimentos dos ex-executivos da Odebrecht, a defesa do peemedebista ainda sonha com a separação das contas, embora ache que isso seja cada vez mais difícil. A justificativa é de que ele não pode ser responsabilizado por irregularidades na campanha porque não era cabeça de chapa.

 

O que acontece se a chapa for cassada?

Caso Temer seja cassado, haverá uma eleição indireta no Congresso para que seja completado o mandato até 31 de dezembro de 2018.

 

E se as contas forem separadas?

Dilma se torna inelegível e Temer permanece no cargo.

 

Existe jurisprudência para separação de contas?

Normalmente, o vice também é afetado no julgamento. Em duas situações, houve separação de análise. Em 2009, o TSE julgou um caso envolvendo o ex-governador de Roraima Ottomar Pinto, já morto, e entendeu que as irregularidades não afetavam o vice, Anchieta Júnior. Em fevereiro deste ano, o TSE mudou um entendimento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), mantendo a inelegibilidade do ex-governador Agnelo Queiroz, mas absolvendo o vice Tadeu Filipelli.

 

Quando será o julgamento?

Na semana que vem, em duas sessões extraordinárias (terça de manhã e quarta à noite) e em duas sessões ordinárias (terça à noite e quinta pela manhã).

 

Quantos ministros compõem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?

Sete. Três do Supremo Tribunal Federal, dois ligados à advocacia e dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em abril e maio, os dois representantes da advocacia serão substituídos — Henrique Neves e Luciana Lóssio, respectivamente.

 

Quem é o relator do processo?

Ministro Herman Benjamin apresentou o relatório com 1.086 páginas — o processo tem mais de 5 mil. Foram ouvidas, ao todo, 52 testemunhas.

 

Cabe recurso da decisão do Tribunal Superior Eleitoral?

Sim, ao Supremo Tribunal Federal. Neste caso, cabe ao presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, definir se o presidente Temer, caso seja cassado, pode recorrer no cargo ou terá que deixar o Planalto. O recurso pode ser feito por qualquer uma das partes (PMDB, PT ou PSDB) ou pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).

 

 

 

Correio braziliense, n. 19664, 29/03/2017. Político, p. 2.