O Estado de São Paulo, n. 45012, 12/01/2017. Política, p. A4

TRF4 valida renovações de grampo e denúncia anônima

 

Ricardo Brandt
Julia Affonso
Fausto Macedo

 

Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) aprovaram súmulas que autorizam abrir investigação com base em denúncia anônima, “quando amparada por outro indício”, e a renovação sucessiva de interceptação telefônica, “caso persista a necessidade de apuração”. Na prática, as decisões dificultam duas das principais contestações à arregimentação de provas em investigações, entre elas a Operação Lava Jato.

As súmulas, aprovadas por unanimidade pela 4.ª Seção do tribunal, representam a interpretação majoritária do colegiado e devem ser seguidas pelos demais magistrados vinculados àquela corte. A jurisdição do TRF4 abrange o Paraná, sede da Lava Jato na primeira instância.

Advogados de investigados na operação criticaram o entendimento dos desembargadores. Segundo o criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, as decisões representam “desprezo às garantias individuais” de investigados. “A renovação sucessiva de interceptações deixa o cidadão que tem a sua comunicação interceptada à mercê de uma decisão amparada apenas em informações subjetivas”, disse Mariz, defensor de um ex-executivo da Camargo Corrêa investigado na Lava Jato (mais informações na pág. A5).

O advogado fez referência à súmula 129, que afirma ser “lícita a sucessiva renovação da interceptação telefônica, enquanto persistir sua necessidade para a investigação”. A questão é controversa e suscita discussões no meio jurídico.

A lei determina que a escuta “não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e decisões de tribunais Brasil afora, no entanto, admitem o emprego desse instrumento de investigação por mais tempo, desde que essencial para desvendar os crimes em apuração.

A escuta telefônica considerada a origem da Operação Lava Jato é um exemplo. O alvo da interceptação, que durou mais de 30 dias, era o doleiro Carlos Habib Chater, dono do Posto da Torre, em Brasília. Foi a partir dele que a força-tarefa chegou ao doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros delatores.

Caso Sundown. O entendimento jurídico sobre escutas telefônicas também está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa o cancelamento, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2008, da Operação Sundown.

O caso, que envolvia crimes financeiros, teve dois anos de interceptações telefônicas. O juiz que conduziu o processo foi Sérgio Moro, hoje responsável pela Lava Jato em Curitiba.

O STF vai debater se o limite para escutas é de 30 dias ou se cabe, se necessário, ampliá-lo. Para procuradores ouvidos pela reportagem, uma medida contrária à súmula do TRF4 pode abrir um precedente perigoso não só para a Lava Jato, mas para todas as investigações.

Em 2008, quando o STJ anulou a Operação Sundown, os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello, que eram responsáveis pela acusação e hoje atuam na Lava Jato, divulgaram nota em que afirmaram que “a validade da renovação consecutiva do monitoramento sempre foi admitida e é absolutamente necessária para apurar qualquer crime com razoável complexidade probatória”.

Denúncia anônima. Em outra súmula, o tribunal entendeu ser “válida a instauração de procedimento investigatório com base em denúncia anônima, quando amparada por outro indício”.

Trata-se de assunto igualmente polêmico.

Em 2011, por exemplo, uma das principais operações de corrupção no Brasil, que envolvia políticos e executivos de empreiteira, foi anulada pelo STJ sob o argumento de que juízes não podem permitir a quebra de sigilos de qualquer espécie com base exclusiva em “denúncias anônimas”. Na época, a Polícia Federal foi autorizada a acessar bancos de dados de empresas telefônicas, o que forneceu provas anexadas na investigação.

O desembargador Fausto Martin de Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), que na época autorizou a Castelo de Areia na primeira instância, defendeu súmula do TRF4 e disse que “a denúncia anônima é estimulada pelas Convenções da ONU de combate ao crime organizado e à corrupção”.

“Ela é útil desde que complementada com informações relevantes que confirmam seus elementos”, disse ao Estado. “A súmula nada mais expressou do que a importância deste meio limiar de prova como, aliás, já referendou o próprio Supremo em vários casos.” De Sanctis, que se notabilizou durante a Operação Satiagraha, outra anulada em instâncias superiores, também defendeu a súmula que trata das escutas. “A limitação no tempo dessa prova significaria desconsiderar o quão difícil é a apuração do crime organizado que demanda análise segura das informações, em sua maioria apenas confirmadas com o passar do tempo.” / COLABOROU FABIO FABRINI

 

PARA ENTENDER

Denúncia anônima

O que diz a Súmula 128

Aprovada por desembargadores da 4.ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), autoriza abertura de procedimentos investigatórios com base em denúncia anônima, “quando amparada por outro indício”.

 

A polêmica

Advogados afirmam que a súmula é vaga ao não caracterizar o que seria “outro indício” para abrir uma investigação. Dizem ainda que denúncia anônima deve servir de ponto de partida para a busca de provas. Depois, se confirmadas as suspeitas iniciais, instaura-se o inquérito.

 

Renovações de grampos

O que diz a Súmula 129

Também aprovada por desembargadores da 4.ª Seção do TRF4, defende a legalidade de sucessivas renovações de interceptações telefônicas, “enquanto persistir sua necessidade” para as investigações em curso.

 

A polêmica

Advogados citam a Lei 9.296/96, que determina que a escuta “não pode exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo, comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. Dizem ainda que, pela jurisprudência do Supremo, a renovação depende “da complexidade dos fatos”.

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4 perguntas para...

 

Davi Tangerino, professor de Direito Penal da FGV-SP

 

1. As súmulas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na sua opinião, ferem direitos de investigados ou garantias individuais?

Em princípio, a que trata sobre prova anônima não é basicamente uma novidade nos entendimentos já consolidados. Desconsiderar prova anônima em investigações tornaria órgãos de denúncias, como o Disque-Denúncia, totalmente obsoletos. O que não se pode fazer, e a súmula faz essa ressalva, é receber a denúncia anônima e imediatamente tomar medidas invasivas, como deflagrar buscas e apreensões. Já sobre a renovação de interceptação telefônica, uma interpretação possível da lei é de que ela só pode ser renovada uma vez. Mas isso não faz sentido, na minha opinião.

O problema não é o prazo, o mais importante é a fundamentação detalhada desta renovação, inclusive mostrando áudios que possam ser favoráveis para a defesa. E, em 15 anos de advocacia, nunca vi um áudio favorável para a defesa ser transcrito. E eles existem.

 

2. Como estas questões podem chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF)?

Podem chegar mediante recursos das partes, em cima de decisões baseadas neste entendimento do tribunal. Embora não esteja devidamente ‘sumulado’ nas instâncias superiores, as súmulas do tribunal me parecem de acordo com jurisprudências do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

3. Mas a Operação Castelo de Areia foi anulada pelo STJ justamente por ter utilizado denúncia anônima...

Houve denúncia e imediatamente uma busca e apreensão. Isso não pode. Você pode investigar, mas após algum outro indício.

 

4. Advogados que atuam na Lava Jato têm criticado supostas arbitrariedades nas investigações da Operação Lava Jato. Como o senhor vê estas críticas e acha que as súmulas podem ajudar a rebatê-las?

Concordo com algumas críticas feitas pela defesa de investigados, como sobre abuso de prisão preventiva e condução coercitiva, mas não é só na Lava Jato. O Brasil é muito permissivo com este tipo de prática. Para se ter um parâmetro, dos presos no presídio do Amazonas onde houve aquela chacina, 58% eram presos provisórios. No Brasil abusa- se de prisão preventiva e na Lava Jato não é diferente. A Lava Jato apenas ecoa essa cultura que já existe.