Mercado reavalia Donald Trump

Armando Castelar

29/03/2017

 

 

 

Foi a segunda grande derrota de Trump. Primeiro, o Judiciário reverteu o decreto presidencial que proibia a entrada no país de cidadãos de países com maioria de muçulmanos. Foi uma perda simbolicamente importante, mas com consequências limitadas. Não é esse o caso da derrota na sexta-feira, quando a liderança republicana desistiu de votar a reforma do setor de saúde, por ver que seria derrotada. A reforma desfazia parte do Affordable Care Act (Lei de Cuidados Acessíveis), mais conhecido como Obamacare, que Barack Obama conseguira aprovar em 2010, estendendo a cobertura do seguro de saúde nos EUA.

Três fatores dão grande dimensão a essa derrota. Primeiro, esse era um tema de grande simbolismo na disputa política americana: candidatos republicanos tinham de jurar votar pelo fim do Obamacare se queriam ser eleitos. Que isso não tenha acontecido vai ser um choque para seus eleitores, ainda que vários dos que votariam contra se opunham à reforma por ser pouco radical. Segundo, pois ela colocou em dúvida a aprovação de outras reformas que Trump prometeu nas eleições, em que pese os republicamos terem maioria absoluta tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado.

Por fim, pois o gasto público que os republicanos contavam cortar com a reforma viabilizaria parte da queda de receita esperada com a reforma tributária, a próxima reforma que Trump tentará aprovar no Congresso americano. Trump prometeu reduzir drasticamente o imposto de renda das empresas, o que tem de ser compensado por cortes de gastos e outros impostos.

Porém, a batalha da reforma tributária terá de esperar, pois, antes disso, o governo tem de aprovar um novo orçamento e um aumento do teto de endividamento público. Não serão processos simples, pois um novo orçamento trará novas prioridades, várias das quais gerarão polêmicas. É o caso da promessa republicana de acabar com os subsídios públicos ao Planned Parenthood, uma rede de organizações que provê serviços médicos às mulheres, inclusive a realização de abortos. Em menor escala, o mesmo vai ocorrer com o planejado aumento das despesas militares.

Quando colocada em discussão, a reforma tributária vai gerar muita briga. Os republicanos têm defendido que uma das contrapartidas à queda dos tributos corporativos seja um novo imposto sobre as importações, de cerca de 20%. O setor varejista americano, que vende muitos produtos importados, é totalmente contra essa medida. O mesmo ocorre com as empresas que terceirizam sua produção no exterior, como a Apple e a Nike, por exemplo. Isso, claro, vai pesar na decisão de muitos congressistas.

O mercado financeiro começa a precificar essas dificuldades. A visão predominante desde a eleição de Trump, em 8 de novembro passado, vinha sendo que o novo governo seria muito bom para as empresas, o que explica porque a bolsa de valores americana atingiu repetidos recordes de alta nesses últimos meses. Essa visão se sustentava em três fatores.

O primeiro era a prometida queda do imposto sobre o lucro das empresas. O segundo, a desregulamentação, que ia reduzir diversos custos. O setor bancário, em particular, seria especialmente beneficiado, o que explica ele ter liderado a alta da bolsa. O terceiro era que essas medidas deslanchariam o investimento empresarial, que, junto a mais investimentos em infraestrutura, aceleraria o crescimento. Essa aceleração, dado o baixo desemprego, puxaria a inflação e os juros para cima, desaconselhando o investimento em títulos de renda fixa.

Essa visão começou a ceder nas últimas semanas, diminuindo o otimismo quanto à economia americana. Com isso, as bolsas de valores americanas vêm caindo há quase duas semanas, o dólar se depreciou e os papéis de renda fixa vêm subindo de preço. Isso ,em geral, tende a ser bom para os países emergentes, mas há dois riscos.

Um, que a eleição de Trump, ao contrário do que se esperava, não foi ruim para os emergentes, pois aumentou muito o apetite dos investidores pelo risco. O receio é que agora esse apetite caia. Outro, que o dólar continua forte, sustentado pelo diferencial de juros em relação à Europa e ao Japão, pressionando o deficit em conta-corrente dos EUA, que já vem aumentando. Isso vai elevar o risco de que o governo americano, politicamente acuado, imponha barreiras às importações, iniciando uma guerra comercial que parecia fora do cenário.

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» ARMANDO CASTELAR

Coordenador de economia aplicada do IBRE/FVG e professor do IE/URFG

 

 

 

Correio braziliense, n. 19664, 29/03/2017. Economia, p. 13.