O ouro dos espertos

Rodolfo Costa e Mirelle Bernardino

30/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » PF prende conselheiros do Tribunal de Contas do Rio e leva para depor o presidente da Assembleia do estado, Jorge Picciani, pai do ministro do Esporte. Suspeita é de cobrança de propina para obras

 

 

O órgão máximo de fiscalização e gestão dos recursos públicos do Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas (TCE-RJ), passa pelo maior escândalo da história. Dos sete conselheiros, seis são suspeitos de cometer irregularidades. Ontem, a Polícia Federal desbaratou a Operação Quinto do Ouro, que investiga um esquema de pagamentos de vantagens indevidas que pode ter regularmente desviado valores de contratos com órgãos públicos para agentes estaduais, sobretudo membros da corte fiscalizadora e da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Ao todo, cinco dos sete conselheiros do TCE-RJ foram presos temporariamente e conduzidos coercitivamente pela PF para depor: o atual presidente da Corte, Aloysio Neves, o vice-presidente Domingos Inácio Brazão; e os conselheiros José Gomes Graciosa; Marco Antonio Alencar; e José Maurício Nolasco. O presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), alvo da operação, também depôs à PF.

A ação é fruto do desdobramento da Operação Descontrole, que, em dezembro passado, prendeu o ex-presidente e conselheiro Jonas Lopes Júnior. A suspeita era de que ele teria cobrado propina para aprovar obras do Maracanã e do metrô estadual. Também estava no radar das investigações a apuração de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Além do conselheiro, o filho dele, o advogado Jonas Lopes Neto, também foi detido. A operação, por sinal, foi desencadeada a partir de delações premiadas fechadas entre os dois e a Procuradoria-Geral da República (PGR). As ações foram determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A suspeita da PF é de que os conselheiros teriam recebido propina para ignorar irregularidades em obras. Os pagamentos eram feitos a partir de contratos firmados com o estado do Rio sob fiscalização da Corte.

Os responsáveis pela operação apuram, ainda, se eles teriam recebido valores indevidos em razão de viabilizar a utilização do fundo especial do TCE-RJ para pagamentos de contratos atrasados do setor de alimentos com o Executivo carioca. Para isso, teriam recebido uma porcentagem por contrato faturado.

 

Oposição

A operação Quinto do Ouro inflamou os ânimos na Alerj e municiou a oposição. Deputados opositores cogitaram obstruir a sessão de ontem caso não fosse suspensa. “As investigações que chegarem aqui na Alerj já era esperado, assim como chegaram no Tribunal de Contas, porque já havia um conselheiro fazendo delações. Mas, quando ela chega, gera sempre um impacto, até porque o que tem tentado se construir é como se nada estivesse acontecendo. Tentam levar como normalidade”, criticou o deputado estadual Flavio Serafini (PSol-RJ).

O parlamentar recordou que, na última semana, R$ 250 milhões foram recuperados de investigações e esquemas de corrupção durante o governo de Sérgio Cabral, quando o atual governador, Luiz Fernando Pezão, ainda era vice-governador e secretário de Obras. “Agora, ele começa querendo abrir uma CPI contra a Universidade do Rio (Uerj) e fazendo uma série de estardalhaços. Querendo reduzir direitos previdenciários sem que a gente tenha clareza de quais são os elementos que estão combinados para que enfrentemos a crise”, disse Serafini.

Apesar dos pedidos da oposição, a Alerj manteve as votações no local. O site da Casa ficou fora do ar por 12 horas. Servidores do legislativo municipal aproveitaram a situação para comemorar com fogos de artifício e bolo a ação contra Picciani e os cinco conselheiros do TCE-RJ.

 

Mandados

Ao todo, foram expedidos mais de 43 mandados pela PF. A maioria na capital fluminense, mas também foram emitidos mandados em Duque de Caxias e São João do Meriti, na Baixada Fluminense. Para cumprir as ações, quase 150 policiais federais foram escalados para fazer o trabalho.

O nome da operação é uma referência à figura histórica do “Quinto da Coroa”, um imposto correspondente a 20% que a Coroa Portuguesa cobrava dos mineradores no período do Brasil Colônia. Uma das mais conhecidas formas de recolhimento ocorria mediante a obtenção de “certificados” pelas casas de fundição. Apesar do rigor na criação de uma estrutura administrativa e fiscal, visando sobretudo a cobrança dos quintos, o imposto era desviado. Em um documento de 1604, o bandeirante Afonso Sardinha, “O Moço”, declarou que guardava o ouro em pó em vasos de barro. Outro uso comum era o de imagens sacras ocas para esconder o ouro, o que originou a expressão “santo do pau oco”.

 

* Estagiária sob supervisão de Leonardo Cavalcanti, editor de Política

 

Corte fiscalizadora em xeque

A Polícia Federal investiga um esquema de pagamentos de vantagens indevidas envolvendo conselheiros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Entenda:

 

Suspeita

A PF suspeita que o esquema pode ter desviado valores de contratos com órgãos públicos para agentes do estado do Rio, em especial, membros do TCE-RJ e da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

 

Desdobramento

A operação, batizada de Quinto do Ouro, é um desdobramento da Operação Descontrole, deflagrada em dezembro de 2016. Ela teve origem na delação premiada do conselheiro e ex-presidente do TCE-RJ Jonas Lopes Júnior, e do filho, Jonas Lopes Neto.

 

Envolvidos

O desbaratamento da operação levou coercitivamente para depor cinco dos sete conselheiros do TCE-RJ e o presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB):

 

Aloysio Neves

70 anos, jornalista e advogado. Aloysio já foi preso por tráfico de droga. Atual presidente do Tribunal, foi vice do TCE até janeiro. Em 1990 foi assessor técnico do ex governador Sérgio Cabral.  Tomou posse como conselheiro em abril de 2010, eleito vice-presidente para o biênio 2015-2016. Trabalhou mais de 20 anos em três gabinetes. Sua relação com Sérgio Cabral foi através de uma foto em paris com o ex-governador.

 

Domingos Brazão

Atualmente presidente do TCE, o nome dele já apareceu na CPI das milícias. Foi deputado estadual, no exercício do mandato desde 1999 até 2015, perfazendo 17 anos de mandato parlamentar. Foi nomeado conselheiro do Tribunal de Contas pelo governador Luiz Fernando Pezão.

 

José Gomes Graciosa

É advogado e foi presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro de 2001 a 2006. O conselheiro foi prefeito de Valença (31/01/82 a 31/01/88), no interior do estado. Também presidente do TCE entre 2001 e 2006, foi denunciado por suborno ilícito. Teve prisão preventiva decretada.

 

Marco Antônio Alencar

Filho do ex-governador Marcello Alencar. Advogado, ocupou cargos públicos municipais e estaduais, entre os quais o de Secretário-Chefe do Gabinete Civil da Governadoria do estado do Rio de Janeiro. Foi vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro no período de 2001 a 2006. O conselheiro, foi o deputado mais votado em 1990. Eleito para o Tribunal de Contas  em 1987.

 

José Maurício de Lima Nolasco

É advogado, professor e especialista em Planejamento e Orçamento, Direito Empresarial, Falimentar e Público. Foi presidente da Corte eleito para os biênios de 2007/2008 e 2009/2010. Eleito para o TCE em 1998, foi citado na operação descontrole, braço da operação lava-Jato.

 

Jorge Picciani (PMDB)

Um dos políticos mais influentes do Rio. Está  a frente da Assembleia Legislativa do estado por 12 anos. Liderou um grupo de peemedebistas. Aliou-se a Dilma Rousseff. Após o impeachment, seu filho Leonardo Picciani tornou-se ministro dos Esportes, no governo Temer.

 

 

Correio braziliense, n. 19665, 30/03/2017. Política, p. 2.