Moro condena Cunha a 15 anos de prisão

Rodolfo Costa e Paulo de Tarso Lyra

31/03/2017

 

 

CRISE NA REPÚBLICA » Ex-presidente da Câmara foi sentenciado por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ação refere-se a propinas na compra de campo petrolífero na África em 2011

 

 

Seis meses após ter o mandato cassado na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha foi condenado ontem a 15 anos e quatro meses de prisão pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara de Justiça Federal de Curitiba. O ex-presidente da Câmara foi sentenciado por crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e de evasão fraudulenta de divisas, em ação penal sobre propinas na compra do campo petrolífero de Benin, na África, pela Petrobras em 2011.

A condenação de Cunha soou o alerta no Congresso pela possibilidade de ele assinar um acordo de delação premiada. Opositores comemoram, mas a assinatura do termo pode não sair tão facilmente. Isso porque o ex-deputado chegou a tentar envolver o presidente da República, Michel Temer, em depoimento a Moro. O juiz federal, no entanto, encarou o episódio como uma tentativa de constranger o chefe do Executivo Federal.

Cunha também acusou o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, o ex-ministro Geddel Vieira Lima, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A avaliação de um aliado do deputado cassado é de que a única saída dele para fechar a delação seria entregar as empresas que negociam emendas em medidas provisórias em troca de financiamento político.

Aliado de Cunha, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) não assegurou se o deputado pretende assinar um acordo de delação premiada. Mas reforçou que, em visita ao ex-presidente da Câmara, em dezembro passado, Cunha reclamou que deveria responder ao processo em liberdade.

“Desde aquele dia, não tive contato nenhum, ou com qualquer pessoa que tenha tido contato com ele. Direta ou indiretamente. Mas ele disse que não havia motivo para sua prisão preventiva. Não manifestava nem a mínima intenção de fugir e não apresentava perigo para a sociedade”, disse Marun.

O parlamentar, no entanto, avalia como “estranho” que outros investigados não tenham sido condenados. “Eu continuo considerando estranho o fato de ele ser o único dos agentes públicos com mandato a estar presente na lista de Janot a ter uma condenação e ir preso. Cadê os outros? Obviamente a Justiça tem suas prioridades e eu não posso fazer nenhum juízo a respeito da condenação”, declarou.

Para Marun, Cunha não é um dos “chefes” do “petrolão”, e pede punição aos mandantes. “Ainda que, eventualmente, Cunha tenha obtido ganhos ilícitos, até o momento não vi nada que pudesse caracterizá-lo como um dos ‘chefes’ investigados. Talvez a ordem dos fatores desse caso tenham alterado a situação, porque penso que tem ‘chefes’ e ‘chefas’ soltos”, criticou, sem citar nomes.

A avaliação dos adversários políticos de Cunha é de que a sentença dele dará início a uma série de condenações. “É apenas a primeira”, disse o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Para ele, a punição deixará o “pessoal mais ressabiado”. “Até sombra de formiga vai assustar”, ironizou. Na avaliação do parlamentar, qualquer recurso da defesa do deputado cassado terá poucas chances de sucesso, o que reforça a oportunidade de assinar o acordo de delação premiada. Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), a condenação de Cunha é a prova de que os que defendiam sua cassação “tinham razão”. “Tomara que ele conte tudo o que sabe para que a gente possa passar a limpo o Parlamento”, declarou.

 

Decisão

A condenação de Cunha foi mais severa do que a do também ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado no “mensalão”. O ex-petista, que já teve indulto de pena, foi condenado, na época, a seis anos e quatro meses de prisão. Na decisão, Moro ainda especificou que pede a prisão do ex-peemedebista em regime fechado, mas definiu que a progressão de regime será condicionada à devolução dos valores desviados.

“Considerando as regras do artigo 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena. A progressão de regime para a pena de corrupção fica, em princípio, condicionada à efetiva devolução do produto do crime, no caso a vantagem indevida recebida, nos termos do artigo 33, parágrafo 4º, do Código Penal”, solicitou Moro.

Os valores da propina a Cunha teriam sido fruto da compra, pela Petrobras, de 50% dos direitos de exploração de um campo de petróleo em Benin, na África, no valor de US$ 34,5 milhões. O negócio foi tocado pela Diretoria Internacional da estatal, cota do PMDB no esquema de corrupção.

A avaliação de Moro, segundo a decisão, é de que “a prática do crime de corrupção envolveu o recebimento de cerca de US$ 1,5 milhão, considerando apenas a parte por ele recebida, o que é um valor bastante expressivo, atualmente de cerca de R$ 4.643.550,00”. O prejuízo estimado pela compra do campo de petróleo à Petrobras é de cerca de US$ 77,5 milhões.

“A corrupção com pagamento de propina de US$ 1,5 milhão e tendo por consequência prejuízo ainda superior aos cofres públicos merece reprovação especial. A culpabilidade é elevada. O condenado recebeu vantagem indevida no mandato de deputado federal, em 2011”, escreveu o juiz.

 

 

Correio braziliense, n. 19666, 31/03/2017. Político, p. 4.