Fechado para o Pacífico 
Marcello Corrêa e Henrique Gomes Batista 
24/01/2017
 
 
EUA deixam acordo com 12 países da região, o que abre espaço para a China. Brasil se beneficia

A decisão dos Estados Unidos de deixar a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) deve aumentar a força da China no comércio internacional, avaliam analistas. A saída foi anunciada ontem pelo presidente americano Donald Trump em seu primeiro dia de trabalho na Casa Branca. O acordo entre 12 nações não inclui o gigante asiático e era visto como um facilitador para o acesso americano ao mercado daquela região, com vantagem sobre os chineses. Sem seu integrante mais poderoso, a expectativa é que o TPP sequer sobreviva, o que abriria espaço para Pequim consolidar sua influência sobre os vizinhos. Para o Brasil, a decisão pode ser positiva: quando o pacto foi assinado, em 2015, a estimativa era que o país corria o risco de ficar isolado e poderia perder US$ 31 bilhões em exportações.

O rompimento foi formalizado por meio de um ato executivo, equivalente a um decreto no Brasil, assinado na tarde de ontem no Salão Oval. O republicano classificou a medida de “uma grande coisa para o trabalhador americano”. O novo governo americano também reafirmou que vai renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), mas apenas quando os dirigentes de Canadá e México forem aos EUA. O mexicano Enrique Peña Nieto vai se reunir com Trump em Washington no próximo dia 31.

— O presidente Trump decidiu ouvir diretamente os agentes econômicos para ajudá-lo na criação de empregos e na ampliação da produção industrial do país — afirma Sean Spicer, novo porta-voz da Casa Branca.

Peña Nieto já disse que deseja manter o Nafta. Segundo ele, o México também buscará imediatamente acordos bilaterais com países que fazem parte do TPP. O presidente mexicano afirmou, ainda, que irá atuar mais próximo de Brasil, Argentina e outros países latino-americanos.

SETOR AGRÍCOLA DOS EUA PERDE, DIZ ESPECIALISTA

Para Simão Davi Silber, professor de Economia Mundial da USP, a consequência mais evidente da decisão de Trump será a ampliação da influência chinesa:

— Isso abre o caminho para a China, porque a parceria tinha sido pensada para colocá-los para escanteio. Isso deve facilitar uma aproximação chinesa com alguns países da América do Sul, como México, Colômbia, Peru e Chile, e principalmente com os asiáticos.

Sérgio Florêncio, diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea, concorda, mas destaca que a China pode sofrer reveses, a longo prazo, com o isolamento americano no cenário internacional.

— Um olhar mais de curto prazo pode indicar vantagens para a China, na medida em que os EUA tenham uma postura menos participante no comércio internacional. Mas, pensando mais a longo prazo, um protecionismo americano tende a ser contrário aos interesses da China, que tem participação grande no mercado americano. Não é um movimento que favoreça os interesses comerciais — pondera o economista.

A saída dos EUA do TPP era uma das principais promessas de Trump. Na campanha, o acordo, que reúne EUA, Japão, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã, foi visto como um vilão pelos americanos simpatizantes dos dois partidos. O entendimento da população era que o TPP poderia fazer com que mais empresas americanas decidissem levar sua produção para outros países. Assinado em outubro de 2015 por Barack Obama — mas ainda sem a ratificação do Congresso —, o projeto tinha o claro objetivo econômico e geopolítico de fazer frente ao poder crescente da China, sobretudo na Ásia. O TPP representa um PIB de US$ 28 trilhões, ou 40% do total do planeta, com negócios de US$ 9,5 trilhões por ano.

— Grandes acordos nem sempre atendem primeiro aos interesses dos Estados Unidos — afirmou Spicer, reafirmando que o novo governo vai priorizar parcerias individuais com outras nações.

Ligia Maura Costa, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em direito do comércio internacional, defende que sair do TPP foi mau negócio para os EUA, embora o acordo tivesse pontos desvantajosos para o país, como regras pouco rígidas sobre manipulação cambial — uma preocupação em relação à negociação com países asiáticos. Entre os benefícios, ela destaca vantagens para setor agrícola.

— Trump diz que os EUA perderam muito com o TPP e negociaram mal, mas isso não é verdade. Do ponto de vista de abertura de comércio, os EUA já são superabertos e não têm como fechar. A negociação postergou por 25 anos a redução da tarifa automotiva, por exemplo. Além disso, abriu mercado para os EUA na Ásia. Os produtores agrícolas perdem com a saída do TPP, teriam um acesso importante — avalia.

FMI VÊ POUCO IMPACTO NA AMÉRICA LATINA

Já o Brasil deve sair ganhando. Embora o acordo estivesse restrito às nações banhadas pelo Oceano Pacífico, oposto à costa brasileira, Ligia afirma que o país poderia ter negociado melhor uma participação na parceria. Agora, os riscos associados ao TPP devem ser afastados:

— Para nós, foi bom. O Brasil perderia muito com o TPP. O acordo tem Pacífico no nome, mas, se o Brasil quisesse participar, não teria problema. Com o TPP, os 12 países teriam um acesso privilegiado entre eles. Agora, não vai ter esse acesso privilegiado, e a gente continua no jogo.

Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), vê pouco impacto da decisão americana, a curto prazo, para a América Latina. Isso porque os países da região que estão no TPP — Peru, Chile e México — já têm acordos com as outras nações da parceria. Werner lembrou, ainda, que alguns desses países têm interesse de continuar no TPP mesmo sem os EUA e que isso pode ser positivo. Sobre o Nafta, ele afirmou que é cedo para saber como será a renegociação.

A expectativa é que a pauta econômica continue na agenda de Trump. Ontem, o republicano recebeu presidentes de grandes companhias americanas e sindicalistas, prometendo reforçar a produção industrial no país e gerar mais empregos para os americanos. Na reunião, prometeu cortar em até 75% as regulamentações existentes no país — principalmente as ambientais — e reduzir impostos para empresas. Além, é claro, de taxar as importações.

— Vamos impor um imposto de fronteira muito forte sobre o produto quando chegar — disse Trump, que também prometeu uma desburocratização para novos negócios nos EUA. — Não haverá país mais rápido, melhor e justo.

Além de prometer para breve um pacote de centenas de bilhões de dólares para a infraestrutura, Trump se encontrará, na sexta-feira, com a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, em sua primeira agenda bilateral. Eles devem discutir um acordo de comércio que entre em vigor quando o Reino Unido oficialmente deixar a União Europeia.

Trump ainda congelou novas contratações federais — exceto para as Forças Armadas — e proibiu que entidades americanas que apoiam o aborto em outros países recebam doações do governo federal. Segundo o presidente, isso “é um sinal de respeito com o contribuinte americano”.

O globo, n. 30486, 24/01/2017. Economia, p. 15