Título: Dependentes do setor público
Autor: Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2011, Cidades, p. 27

Na avaliação de especialistas, o peso do funcionalismo na economia do Distrito Federal acaba por travar o desenvolvimento de outros setores, como a indústria. Para crescer em ritmo mais forte, seria necessário diversificar as atividades

Diego Amorim

A concentração dos rendimentos no funcionalismo faz com que a economia do Distrito Federal sobreviva em função dos servidores, provocando uma análise paradoxal. Ao mesmo tempo em que a constante e elevada renda desses trabalhadores serve de força motriz ao movimentar as demais atividades, a dependência do setor público trava o desenvolvimento de muitos setores econômicos na capital federal. Por tudo isso, especialistas ouvidos pelo Correio avaliam o cenário com preocupação.

Com uma agricultura limitada pelas restrições territoriais e uma indústria que até hoje carece de políticas públicas específicas, sobra para os setores de comércio e de serviços a responsabilidade de conduzir o dinamismo da cidade. "As grandes economias do mundo prosperaram quando diversificaram suas estruturas produtivas. Sem isso, fica impossível avançar", diz o diretor de Gestão de Informações da Codeplan, o economista Júlio Miragaya.

Os dados da pesquisa de emprego e desemprego deixam clara a relação entre os rendimentos dos servidores e as políticas de Estado. Entre 1992 e 2003, período que inclui a era Fernando Henrique Cardoso e o arrocho fiscal, a participação dos servidores na massa salarial do DF caiu de 55,36% para 49,48%. A partir de 2003, com a entrada de Luiz Inácio Lula da Silva no poder e a retomada do incentivo à carreira pública, nota-se uma clara recuperação: em 2009, esse percentual chegou a 53%, estabilizando-se desde então na faixa dos 50%.

Diante da constatação de que a economia local só consegue caminhar sustentada no funcionalismo, Miragaya é contundente: "Se porventura a torneira do setor público fechar, a economia de Brasília entrará em colapso", afirma o economista, antes de observar que o peso do funcionalismo na massa salarial do DF pode ser ainda maior, uma vez que a pesquisa do Dieese não inclui o universo dos aposentados, ao qual pertencem ex-servidores com rendas robustas.

Prognósticos A peculiaridade da estrutura produtiva da capital do país não deve mudar muito nos próximos anos, na opinião do sociólogo e analista do Dieese Daniel Biagioni. Ainda que o DF consiga atrair indústrias e fortalecer o parque fabril, ele não acredita em grandes transformações. "A administração pública sempre será nosso grande potencial e, em contrapartida, nosso maior limitador econômico e de criação de postos de trabalho", avalia.

Tirar da administração pública o eixo de gravidade da economia de Brasília pode livrar a cidade de contratempos nada animadores. O consultor de varejo Alexandre Ayres explica que os órgãos do governo não poderão continuar indefinidamente inchados. O freio nos concursos e o congelamento de salários públicos, completa ele, afetam gravemente a dinâmica local. "Se a administração pública pega uma gripe, a economia de Brasília morre de pneumonia."

A força do serviço público consegue sustentar um padrão de vida invejável e singular no DF. Mas no dia em que arrochos fiscais mais contundentes forem necessários, defende Ayres, a cidade terá de se reencontrar. "Enquanto as vacas estão gordas, a gente vai ficando muito bem. Mas todo mundo sabe que essas despesas tão grandes feitas pelos governos federal e distrital configuram uma bomba-relógio", acrescenta.

Em Brasília, a obsessão pela tal estabilidade e pelos altos salários dificulta ainda mais a procura por mão de obra no setor privado. Em pleno mês de dezembro, por exemplo, há vagas abertas para gerentes e vendedores no comércio local. "A dificuldade para preencher os quadros e mantê-los completos é imensa porque as pessoas não conseguem enxergar uma carreira que não seja no serviço público, mesmo quando os salários são melhores", conta a diretora de recursos humanos Rejane Castilho.